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MÃE - PAI - BRUCE

Miúda, não ponhas as fitas todas juntas.

Claro que não.
Estou só a pô-las aos montinhos.

Ou seja, estás a pô-las todas juntas.

Vê, uma fita de cada vez.

E despacha-te! Ele está a chegar.

Quero tudo perfeito.

Acabei finalmente
de embrulhar a prenda dele.

Acham que vai gostar? É um telescópio.

A sério? Pensávamos que era uma camisola.

Ele chegou.

Vejam quem encontrei!

Há dois anos,
a família Williams fora desfeita.

Esta noite, reunimo-nos de novo.

O meu irmão Bruce
terminara a missão no Vietname

e voltava para casa,
mesmo a tempo do Natal.

Desculpe, senhor. Viu o Dean Williams?
É o meu maninho, é para aí desta altura.

É tão bom ver-te, meu!

Eu não esperava vê-lo tão diferente.

Talvez fosse o uniforme ou talvez fossem
os dois anos que passaram sem o ver.

Fosse o que fosse, o Bruce já não era
o adolescente que saíra desta casa.

Ele era um homem.

Quer dizer,
ele já era quase tão alto como a Kim.

E comia tanto quanto um homem.

- O que foi?
- Nunca vi ninguém comer tão rápido.

Cuidado com a manga, filho.

Ainda engoles um botão.

Deixem o rapaz comer.

Ele tinha saudades da comida da mamã.

Falamos depois
sobre contribuíres nas compras.

Está bem.

Na nossa família, comer na sala

só acontecia em ocasiões especiais,

como feriados, ou quando a avó vinha
e a mamã tinha algo a provar.

Mais raro ainda,
o meu pai dar uma cerveja ao meu irmão.

Bill, o rapaz só tem 20 anos.

Se tem idade para lutar pelo país,
tem idade para beber.

Tens razão.
Aproveita a tua primeira cerveja.

- Acho que também vou beber uma.
- Senta-te.

Ainda não estás preparada.

Eu vi isso.

Agora que voltaste,
tens planos para o futuro?

O treinador da universidade queria-te
antes de ires em missão. Fala com ele.

Podes ganhar uma bolsa.

Há um protesto contra a guerra
amanhã na universidade.

Devias vir comigo.

Para ser insultado e atacado
por miúdos sem ideia daquilo que passei?

És ativista agora? Só me lembro
de protestares contra a hora de dormir.

Os cartazes mais estúpidos que já vi.

Bem, eu tenho orgulho em ti.

Mãe, só me quero instalar.
Arranjar trabalho, ganhar algum.

Lembra-te que ainda temos de consertar
a casa na árvore para a véspera de Natal.

- Ainda queres fazer isso?
- Claro!

Bem, já sou velho para isso,
mas odiaria acabar com a nossa tradição.

Nós os dois tínhamos uma tradição antiga.

Dormíamos na casa na árvore
na véspera de Natal

para apanhar o Pai Natal.

E tenho ideias novas bem fixes,
como construirmos um deque de observação

- e vermos as estrelas juntos.
- Prometo que o faremos.

Parece-me a atividade de Natal perfeita,
dormir lá fora, ao frio, em madeira podre.

Calma. Olha,

dormi em coisas bem piores no Vietname,
como árvores que não tinham casas.

Ótimo, quando a acabarmos,

podes sair do meu quarto e morar lá.

ANOS INCRÍVEIS

Olha, Dean.

O Bruce parece-te normal?

Sim, claro. Porquê?

Porque vi um filme na televisão

sobre um soldado que voltou da guerra.

- Ele veio passado.
- Sim, também vi esse.

Uma senhora perguntou-lhe
como queria o bife e ele disse:

"Quero-o... cru."

Sim. E, depois, passou-se
e esfaqueou toda a gente no parque.

Fixe! Parece que é baseado
numa história verídica.

Não sei do que falam.

- É só um filme.
- Não.

Eles não voltam iguais.

Ele tem razão, Dean.

O primo da minha mãe voltou do Vietname
e, agora, todos dizem que anda a chutar.

O que é isso?

Não sei, mas, seja o que for,
faz a tua avó guardar bem os anéis.

E se tivessem razão?

E se não voltam do Vietname iguais?

Na manhã seguinte,
decidi que tinha de prestar

uma atenção especial ao meu irmão.

Não o perder de vista,
analisar cada palavra e ato,

para garantir que está bem.

- Eu fico com isso.
- Eu fico com isso.

O Bruce trouxe
o equilíbrio de poderes de volta.

- Nada de maluco nisso.
- Também fico com isso.

Não, afinal, estava mesmo maluco.

Emprestas-me o carro
para fazer uns recados?

Eu vou contigo.

- Gostas de fazer recados agora?
- Sabes como sou. Adoro.

Não gostava, mas tinha de ter cuidado
com o que dizia aos meus pais.

Não queria que desconfiassem

que se passava algo com o Bruce.

Ele tem uma faca!

Que está a usar para pôr manteiga.

Ou comigo.

O "recado" levou-nos a duas ruas
a que os pais me tinham proibido de ir.

Acabámos numa casa suspeita
num bairro duvidoso.

Fica no carro.

Que recado precisava de um saco de lona?

Na eventualidade de o Bruce não estar bem,

ainda bem que fui, para o proteger...

... a partir do carro.

O Bruce estava a demorar muito.

Tentei fazer-lhe os sinais que usávamos

a jogar às escondidas com a Kim.

Nada.

Quá-quá!

Como os meus sinais eram mesmo bons,

tive de ir ver o que se passava realmente.

Não tinha ido a muitas casas de brancos,
mas andar em bicos de pé pareceu-me bem.

Dean.

- É o teu irmão mais novo?
- Sim, mais novo e metediço.

Dean, estes são os Srs. Johnson.

Tens muita sorte
em ter um irmão tão maravilhoso.

O meu filho falava tão bem de ti.

Ele admirava a forma como tu

o protegias a ele e aos outros soldados.

Aproveita cada momento com o teu irmão.

O filho deles... morreu?

Sim.

Era um dos meus.

Era um dos amigos
de que falavas nas cartas?

Sim. O James.

E o Carver ou o Monte?

Ainda estão lá, mas estão bem.

Sabes, o Carver adotou uma galinha.

- Como se chama?
- Gata.

Isso é mesmo do Carver.

Dean, vamos à loja de ferragens
buscar coisas para fazermos o deque.

Temos de estar preparados
para a chegada do Pai Natal.

- Podemos comprar corda?
- Já te disse da última vez,

- não vamos atar o Pai Natal à chaminé.
- Não, burro.

Apesar de ser uma bela ideia.

Quero uma corda e uma roldana,
para puxarmos coisas num balde.

E tenho muitas outras ideias,

como uma campainha
ou, talvez, um escorrega?

Um escorrega? Não é demais?

Não, "demais" seria um fosso,
cheio de piranhas carnívoras.

A parte das piranhas, não o fosso.

Desculpe, senhor.

Reparei que precisa de um funcionário.

O lugar foi ocupado.

Então, devia tirar o papel da janela.

Reparei no casaco. Vietname?

Sim, acabei de voltar.

Era cabo, na 22.ª Infantaria.

Meu! Vocês combateram a sério.
Eu só fazia reposições na loja militar.

Precisas de trabalho?

Eu trabalho num banco.
O patrão adora veteranos.

Contratou-me para caixa quando cheguei.

- A sério?
- Sim.

- Seria ótimo.
- Toma.

Diz-lhe que vais da parte do Mark.

E boa sorte no mundo real.

Obrigado.

- Vamos procurar a corda.
- Fixe!

Para atar o Pai Natal.

- Espera, o quê?
- Nada.

- Boa sorte.
- Lembra-te, aperto de mão firme,

olha-o nos olhos.

Pai, operei um tanque M55.
Dou conta de uma entrevista de emprego.

Era bom ver o Bruce tão empolgado.

Parecia estar de novo no caminho certo.

Mas eu não ia despregar
olho dele na mesma.

- O que estás...
- Prometo que não atrapalho.

E também tenho coisas importantes
a tratar no banco.

Bolas! Como é que este cêntimo canadiano
chegou ao Alabama?

Cabo Williams?

Obrigado pelo seu serviço.

Eu servi na Segunda Guerra Mundial.
É sempre bom ajudar outro veterano.

Lá por termos voltado,

isso não significa
que não nos continuemos a proteger.

- Agradeço, senhor.
- Entre.

Vai ser tão fixe ter um irmão
a trabalhar num banco.

Vou ter todos os chupas à borla que quiser

e talvez possa nadar em dinheiro,
como o Tio Patinhas.

Mais!

Sr. Williams.

- Sr. Williams!
- Dean, vamos.

Mas não acabei...

Já, Dean! Anda!

Então, como correu?

Bem, ofereceram-me trabalho.

Mas eu não aceitei.

- Porque não?
- Não quero ser porteiro.

O quê?

Não era para seres caixa?

Também achava que sim, mas é óbvio

que só oferecem bons empregos a brancos.

Esqueço-me de como são as coisas cá.

Sabes que mais?
És demasiado inteligente para seres caixa.

Vais para a universidade.

A lei dos veteranos paga-te as propinas,
em vez do teu pai.

Obrigado, pai,
mas não te preocupes comigo.

Sei que tenho opções.

Está bem, filho.

Senti-me mal por ele não ter
o trabalho que queria,

mas isso dava-nos mais tempo
para tratar da casa na árvore.

Talvez terminássemos o deque
antes da véspera de Natal.

Onde está o Bruce?

Sim, é uma serra elétrica.

Estávamos em 1968, havia muitos miúdos
a andar por aí com uns dedos a menos.

Foi comprar umas prendas.

Vejam, é o enfeite
que o Dean fez no infantário.

Não percebo. É Jesus na manjedoura

ou um extraterrestre num skate?

Cá está ele.

Os teus sacos de compras?

Pois, certo...

Não comprei muita coisa.

Boas notícias. O responsável
pelas candidaturas universitárias

vai reunir-se contigo
logo após as férias de Natal.

Obrigado.

Mas não quero que ele perca tempo.

Não tem problema.

Se não queres estudar,
posso perguntar se há vagas no trabalho.

- Consigo tratar de mim!
- Então! Não fales com a tua mãe assim.

Desculpa, mamã.

Que se passa? Diz-nos.

Alistei-me para outra missão.

Volto para lá em janeiro.

Perdeste a cabeça?

- Quando foi isso?
- Agora.

Estive no gabinete de recrutamento.

Talvez os meus amigos tivessem razão.

O Bruce tinha de ser louco
para querer voltar para o Vietname.

Mas... acabaste de voltar a casa.

- E tudo o que íamos fazer juntos?
- Eu sei e lamento, parceiro, mas...

Prometo que acabamos a casa na árvore
antes de me ir embora.

Deixa estar.

Agora, nunca saberá que prenda ia receber.

Não estás a pensar bem.
Temos visto as notícias.

Aquilo lá está sempre a piorar.

Vou a protestos para que a guerra acabe
para poderes voltar para casa.

E escolhes voltar para lá?

- Vocês não percebem. Eu...
- Ajuda-nos a perceber, filho.

Quando estou cá,
as pessoas só me veem como um porteiro.

Lá, os meus homens respeitam-me.

Sou um líder.

Achas mesmo
que respeitam um soldado negro?

Kim, uma das razões
por que me voltei a alistar

é irem promover-me a sargento.

Posso fazer carreira no Exército,

o que é bem melhor
que varrer chãos para sempre.

Terias mais oportunidades
se fosses para a universidade.

- Tinhas boas notas.
- Isso foi há dois anos.

Tal como o meu último jogo de basebol
e o último protesto.

Nenhum de vocês sabe o que passei.

Tenho muitos amigos no Vietname.

E isso faz-me sentir mal.
Penso muito nisso.

Sinto que tenho de voltar imediatamente
e garantir que voltam sãos e salvos.

- É nobre, mas...
- De nada vale falarmos.

Já assinei os papéis no centro.
É demasiado tarde.

É demasiado tarde.

A boa notícia é que a mamã e o papá
estavam de acordo.

O Bruce estava enganado, e nós, certos.

Era uma questão de tempo
até eles estabelecerem a ordem.

Que estás a fazer?

Estou a organizar umas coisas
para o teu irmão levar.

Quero que leve coisas
que lhe lembrem a nossa casa.

Vais deixá-lo voltar para o Vietname?

Não podemos impedi-lo, por mais que custe.
É adulto. Faz as suas escolhas agora.

Mas é nosso filho,
temos de o amar e apoiar.

Aposto que o pai gritava com ele.

Passaram a manhã toda
a trabalhar na casa na árvore.

Sem gritos.

Sem gritos.

Qual é o problema desta família?

Não podia acreditar.

Os meus pais iam mesmo permitir isto.

Claramente, cabia-me a mim impedir
o meu irmão de voltar para o Vietname.

Isso mesmo, o protesto,
um ato típico de desobediência civil.

ACABEM COM A GUERRA

Ocupações, motins,
vamos mostrar que isto é a sério.

Pois, não estava a resultar.

Feliz Natal, pequenote.

O Malcolm X tinha razão.

A cena da não violência
não era muito eficaz.

Cá vem um
dos porcos belicistas imperialistas agora.

Olha, fazes ideia
de quanto tempo demorará o teu protesto?

Hora de me manter firme.

Fechamos mais cedo na véspera de Natal
e ainda tenho de ir comprar

um boneco GI Joe para o meu sobrinho.

Não vale a pena comprar o negro.

É só o branco, pintado de castanho.

Mas não vou sair
até acabar com esta guerra.

Não quero que o meu irmão
volte para o Vietname.

Está bem. Como se chama o teu irmão?

- Bruce.
- Certo.

Bem, tens de fazer o que achas melhor.

Não podia acreditar como todos

continuavam com as suas vidas

enquanto a minha família era desfeita.

Também não acreditava na burrice
de não ter feito chichi antes do protesto.

Tenho de ir à casa de banho.
Segura este cartaz por mim?

Volto já.

Começava a perceber
como levavam pessoas a realistar-se.

Este tipo era um mestre da persuasão.

Olá.

- Posso juntar-me ao teu protesto?
- Não.

Quero acabar com esta guerra.

E tu não queres saber.

Muito bem.

Isso não é verdade.

Também quero acabar com a guerra,
mas também quero ajudar

os soldados do meu pelotão
a voltarem sãos e salvos.

Preocupas-te mais com eles
do que com a tua família?

Claro que não, Dean.

Mas vocês estão a salvo aqui.

Eu só quero garantir

que os meus amigos passam
o próximo Natal com os irmãos deles.

Quando o Bruce disse aquilo,
percebi que todos os soldados

que vira alistarem-se hoje
tinham famílias que sentiam o mesmo.

Ou pior, como os pais que visitáramos
ontem e tinham perdido o filho.

Continuava a não querer que ele fosse,
mas pelo menos percebia porque ia.

Então...

Achas que podemos ir para casa?
Quero mostrar-te uma coisa.

Está bem.

E temos de devolver esse cartaz

antes de a Kim saber que o tiraste,
ou ela mata-te.

Já agora, o meu plano para acabar
com a Guerra do Vietname até resultou.

Apenas demorou mais sete anos.

Que me dizes daquela casa na árvore?

Adoro-a!

É o sítio perfeito para ver as estrelas.

Se um de nós tivesse um telescópio...

Pois. "Se"...

Vês aquela constelação ali?

Chama-se Cassiopeia.

Dá para ver da minha base no Vietname.

Quando olhar para ela, todas as noites,

pensarei sempre em ti.

E podes pensar em mim também,
ao vê-la daqui.

Parece que a guerra mudou o meu irmão,
de certa forma.

Mas não da forma que eu receara.

E não no que realmente importava.

Ainda era alguém
que passava a véspera de Natal

a gelar os ossos na casa na árvore
com o irmão mais novo.

Onde está o Pai Natal?

Está atrasado.

Talvez ele seja mesmo negro.

Sim!

Toma. Cuidado.

Um disco do Jimi Hendrix!

Mais tarde, reparei que todos demos
prendas que o Bruce teria de usar em casa.

Tínhamos a certeza de que ele voltaria.

Pergunto-me o que isto poderá ser.

- É um telescópio.
- Pensei que eram meias.

Podes mantê-lo debaixo de olho
até eu voltar?

Claro.

- Espera. Posso usá-lo, certo?
- Sim.

Não te sintas mal.
Ele disse-me o mesmo no ano passado

quando me deu um boneco GI Joe negro.

Adoro!

Legendas: Vânia Cristina