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A CORDILHEIRA DOS SONHOS

Cada vez que passo
em cima da Cordilheira,

sinto que estou chegando
ao pa�s de minha inf�ncia,

ao pa�s de minhas origens.

Cruzar a Cordilheira � chegar
a um lugar muito distante no passado.

Tudo me parece irreal.
Sinto-me um pouco extraterrestre.

A cidade onde nasci, Santiago,
recebe-me com indiferen�a.

Sempre que volto,
sinto a mesma dist�ncia.

A cidade que estou vendo
n�o reconhe�o.

No fundo, n�o sei onde estou.

Tenho a impress�o de que se passou
mais tempo do que se passou.

Eu me lembro de um pa�s
onde me sentia mais em minha casa,

com minha fam�lia,
com meus amigos.

Agora, os cheiros s�o outros,
n�o se parecem ao ar que eu respirava,

como se tudo tivesse desaparecido
pelas gretas deste solo.

Em Santiago,

muita gente olha a Cordilheira
apenas quando toma o metr�.

Estes afrescos foram pintados
por meu amigo Guillermo Mu�oz.

Ele vive na Espanha.
Eu vivo na Fran�a.

Nem ele nem eu voltamos jamais
a viver em nosso pa�s.

N�s sonhamos o Chile de longe.

A Cordilheira,
por sua for�a e por seu car�ter,

� a met�fora desse sonho.

Em minha juventude, n�o senti
qualquer curiosidade pelos Andes.

Minha gera��o estava demasiado ocupada
em criar uma sociedade nova.

A Cordilheira
n�o era revolucion�ria.

Com os anos,
meu olhar se voltou �s montanhas.

Elas me intrigam.

Talvez sejam a porta de entrada

que me ajudar� a compreender
o Chile de hoje.

A Cordilheira � um mist�rio, e como tal,
n�o se explica, apenas se est�.

Est�-se, e est�-se sempre
em um estado de...

diria, bem, de alucina��o.

� mat�ria alucinada, como diz a...

Isto � mat�ria alucinada que se levanta,
que se levantou.

E n�s estamos aqui.

�s vezes, voc� est� em paz, mas sempre
se est�... e est�-se acompanhado.

Voc� est� rodeado,
� como o espaldar de uma cadeira.

N�o ca�mos.

N�o ca�mos nem para frente
nem para tr�s.

Quando falo da beleza
da Cordilheira,

estou falando da beleza integral,
tr�gica, maravilhosa, ou seja...

forte,
estou falando de for�a, e...

estou falando
de ternura tamb�m.

N�o h� nada mais terno
que as "vegas" da...

"Vegas" s�o as zonas �midas famosas...

N�o h� nada, nada como...
a quantidade de p�ssaros que h� a�...

a forma como se movem
as gram�neas...

ou as "llaretas", por exemplo,

como crescem,
por milhares e milhares de anos,

para formar aquelas
montanhazinhas verdes...

E o vento.

Hoje, est� soprando
o vento "raco".

E o "raco" chega �s 18h
e voc� sente um cheiro diferente.

� o cheiro das rochas da Cordilheira,
do primeiro cerro,

que � um cerro todo �cido.

Se algu�m quer conhecer
os Andes e am�-lo,

tem que conhecer a origem
deste vento que os atravessa e...

comunica-nos...

por sua m�sica,
mas tamb�m por seu cheiro,

pelo aroma do vento.

Cheiro de pedra,
cheiro de vegeta��o, finalmente.

Bem, aqui est� a realidade
e estou olhando-a.

Voltei-me para o outro lado.
N�o necessito de nada al�m disto.

Se tu come�as
a meter-te nos Andes,

d�s-te conta de que est�s metido
dentro de uma arca, um ba�,

onde se guardam
as leis po�ticas mais importantes.

Se conseguimos mostrar os Andes
como... Eles cont�m tudo.

Dentro est�o, n�o sei,
as vertentes, os glaciares...

a �gua pura, que vem...

Tudo acontece dentro dos Andes.
Est� tudo dentro!

A sensa��o,
depois de muitos anos vivendo nos Andes,

� que se est� dentro
de um grande... ba� de pedra,

uma pedra que cont�m,
e dentro est� tudo.

Ent�o, tu te vais metendo...
quando mostrava esse mapa...

com todas essas gavetas,
� um labirinto, um... um labirinto!

E a� est�o os rastros!

Os rastros de nossos antepassados,
dos qu�chuas, dos...

Nossa cultura tem 20 mil anos,
n�o tem 500.

S�o 20 mil anos de rastros!

Uma combina��o
entre ferro e pedra.

E uso pedras
aqui da minha pedreira

e ferro forjado
aqui mesmo tamb�m.

Isso aqui � O Buque.

Um artesanato
que tem muito a ver com a Cordilheira.

Isso para lembrar-nos de que metade
de nosso sangue vem de Valpara�so.

O Buque.

Aqui est� a Rosa dos Ventos.

Isso se usa para tudo,

para ler a posi��o das estrelas,
navegar...

Assim chegou a outra metade
de nosso sangue, chegou pelo mar.

Como escultor, eu diria,
a Cordilheira me p�s em meu lugar.

Somos artistas!

E um artista � o guardi�o
da beleza de seu pa�s.

Um artista tem que velar pela beleza
de seu pa�s, onde estiver.

Um pa�s que tem 80%
de seu territ�rio abandonado n�o � vi�vel.

N�o � um pa�s confi�vel.
Os Andes s�o 80% do territ�rio do Chile.

Est�o abandonados!

Este pa�s precisa encarregar-se
de sua Cordilheira.

� um pa�s que precisa encarregar-se
de 80% de si mesmo!

A Cordilheira, para mim,
tem esse grande mist�rio,

de n�o mostrar o que �.

E nisso fa�o uma analogia
com minha ocupa��o.

Porque quando recolho ou extraio uma pedra
da ladeira do cerro ou da Cordilheira,

� para abri-la e descobrir
o que tem por dentro.

A Cordilheira me recorda
dessa necessidade que tinha,

quando crian�a,
ao acompanhar meu pai,

de querer sempre saber
o que havia detr�s desse cerro.

E sempre para mim era um mist�rio,
porque podia atravess�-lo e...

bem, havia outro cerro.

E isso est� sempre presente
na Cordilheira,

sempre est� essa necessidade
de saber o que h� mais adiante.

A Cordilheira
� um grande cerco horizontal,

mais longo que alto,
em que pesem seus 8 mil metros...

6 mil metros de altura
que alcan�a aqui no Chile.

� isso, ent�o est� a�
sempre presente essa refer�ncia.

Mas, mais que f�sica, tamb�m creio
que � uma refer�ncia cultural.

E isso n�o posso definir,
porque o respiro.

Sou, perten�o a uma paisagem,
com certas caracter�sticas.

N�o � um vale. Vivo entre cerros,
entre o cerro e o mar...

conformando esses espa�os,
de alguma forma, uma certa ilha,

que me protege,
mas ao mesmo tempo isola-me.

Eu sempre tive a impress�o

de que o tempo avan�a
mais devagar no Chile,

talvez por causa
desta muralha de rochas.

Enquanto avan�o pelos cerros,

sinto que o passado
est� mais pr�ximo de mim.

Lembro coisas
que cria estarem perdidas.

Sinto que Santiago d� as costas
para a Cordilheira. N�o a olha.

A ela n�o vai, n�o a busca,
n�o a entende.

Quando olho a Cordilheira,

vejo milh�es de anos
que est�o expostos a�.

E � medida que vais
adentrando a montanha,

vais descobrindo cerros
que n�o vias do lado chileno,

a partir do Vale Central.

Mas, ademais,
vais avan�ando no tempo.

E � medida que ingressas
na Cordilheira,

e caminha e avan�a,
cada vez, o tempo � maior.

H� reflexos de mundos
cada vez mais pret�ritos, mais antigos,

� medida que vais avan�ando
na Cordilheira.

Cresci olhando a Cordilheira
e olhando um vulc�o em particular.

E fazendo-me muitas perguntas,

muitas perguntas
em torno desse vulc�o.

Por que lhe faltava uma parte?

Por que �s vezes
viam-se raios em cima dele?

Havia hist�rias
de uma grande erup��o

que havia ocorrido
quando meus av�s eram crian�as.

Ou seja, sempre havia um mist�rio
ao olhar para esse vulc�o.

Meu irm�o, quando pequeno, dizia algo
que para mim fez todo sentido do mundo.

Dizia que a Cordilheira
era como a m�e.

Que mesmo que n�o a visses,
sabias que estava ali.

Que era uma...

Eu vejo a Cordilheira
como protetora.

Mas tamb�m, em outros momentos
da vida, vi a Cordilheira...

como divis�ria,

algo que nos isola de tudo do lado de l�,
que � o mundo inteiro.

Geograficamente,

a Cordilheira pode ser vista como um muro
que nos separa do resto do mundo,

ou como um muro
que nos protege do resto do mundo.

Temos essa dupla condi��o.

Gosto de sentir que a Cordilheira
� um mar que nos converte em ilha.

Gosto das ideias de ilhas,

porque formam culturas
muito fechadas e muito potentes,

com muita identidade local.

E uma das grandes revela��es
quando entras na Cordilheira,

quando entras caminhando,
a cavalo, ou em um ve�culo,

� que � todo um pa�s
vivendo junto ao nosso.

Em alguns lugares, a Cordilheira
tem a mesma largura que o Chile,

que o Chile dos vales.

Tem duas dimens�es
essa cordilheira:

uma que � sua largura,
e outra que � seu comprimento.

A Cordilheira
� como a caixa de f�sforos.

ou seja, se olhamos por sobre o cimo,
vemos a Argentina.

� como uma esp�cie
de cordilheira c�nica.

Quando era crian�a,

a primeira imagem
que tive da Cordilheira

estava nas caixas de f�sforos.

� como se o tempo
n�o tivesse passado.

S�o as mesmas caixas de hoje.

Chamam-me a visitar meu bairro.

Nestes muros,
ficaram minhas recorda��es.

Aqui, nasci
e comecei a caminhar.

Aqui, brincava
e aprendi a ser eu mesmo.

Depois, com o tempo,
quando essa casa j� n�o era minha,

algu�m pintou os restos.

Por puro milagre,
aqui n�o se construiu nenhum arranha-c�u,

e eu posso filmar com minha c�mera
as ru�nas de minha inf�ncia.

Depois, eu vivi nesta outra casa,
com minha fam�lia.

Aqui, cheguei como adulto
e cineasta.

Nos anos 1970,
quando tinha 30 anos,

filmei aqui meu document�rio
A Batalha do Chile.

�ramos uma pequena equipe
de cinco pessoas.

Filmamos tudo:

primeiro, o entusiasmo
que levou muito longe todos n�s

e o povo inteiro,

e depois, as tens�es
que nos empurraram ao golpe de Estado.

Cada manh�, sa�amos daqui.

No dia do golpe,
voltei pela �ltima vez,

com a �ltima bobina na m�o.

Nunca imaginei que A Batalha do Chile
seguiria com vida at� hoje.

� como o espelho
de um passado que me persegue.

O golpe foi o tremor de terra
mais forte,

que mudou nossas vidas
para sempre.

Fomos pegos
em uma grande explos�o.

Ficamos em sil�ncio, encerrados.

Milh�es de pessoas
sentimos um medo profundo

que nunca antes
hav�amos conhecido.

Durante anos,
ocultamos de nossos filhos o que aconteceu

e o que estava acontecendo.

Tenho lembran�as do desequil�brio
que sente uma crian�a

ao dar-se conta
da confus�o dos adultos.

Isso me emociona mesmo agora.

Sentir a inseguran�a ao ver
que os grandes, teus pais, est�o...

desorientados, sentindo o perigo,
assustados, sem...

um pouco tamb�m perplexos...

A perplexidade da viol�ncia

levada, digamos, ao limite e...

E creio que n�s,
como crian�as...

Eu lembro coisas selvagens,
como...

v�rias invas�es � noite,
enquanto dorm�amos,

levantavam-nos da cama,

com militares de capacete
que entravam nos quartos,

levantavam os colch�es,
entravam na casa de bonecas,

procurando armas,
supostamente, n�o sei...

Como se um m�sico tivesse armas
em sua casa. Absurdo, n�o?

E lembro de estar
nas grades do meu col�gio,

que era o Col�gio Latino-americano,
em Pedro de Valdivia,

agarrada ali, junto com outras crian�as,
vendo como passavam tanques...

E lembro que nesse tempo os adultos
estavam totalmente... fora de controle.

Ent�o escut�vamos
tudo que acontecia.

Que Victor havia aparecido morto,
que n�o sei o qu�, que isto e aquilo.

As pessoas choravam o dia todo.

Na minha escola, quando era muito pequeno,
�s vezes come�avam a tremer as mesas.

Seguido disso, escutava-se
um ru�do atroz, infernal.

E eram avi�es de guerra,
que passavam muito baixo.

N�s, como ninhos,
nessa sala de aula, sent�amos medo,

chor�vamos.

Porque era uma coisa tremenda,
sentir essa for�a de algo,

um ru�do surdo,

que passa muito perto
da superf�cie.

Era ent�o estar...

E a� � onde come�am as perguntas
de crian�a para os adultos:

"Por que isso est� acontecendo?"

Puseram-me em pris�o domiciliar
com minha fam�lia.

Foi muito dif�cil, foram quatro anos.
Quatro anos de pris�o domiciliar.

E n�s que est�vamos em pris�o domiciliar
nessa �poca �ramos os ref�ns da Junta.

Ou seja,
se acontecia algo a algum militar,

ou sei l�, a algum membro do governo
em alguma parte,

sab�amos que � noite chegariam
e nos poriam em fila contra o muro,

ou nos levariam
para a delegacia, enfim...

Eu, na verdade,
n�o tinha chave na porta,

pois sabia que com um chute
botavam-na abaixo.

Muitas vezes, amanheci
com uma metralhadora aqui.

Nos primeiros dias depois do golpe,
senti um p�nico profundo.

Encerrado em minha casa, recordo
que brincava muito com minhas filhas,

para que elas n�o se dessem conta
do que acontecia.

N�o me atrevia a sair � rua.

Comecei a revisar meus pap�is,
sem nenhuma ordem.

Tampouco me atrevi
a queimar minhas revistas,

jornais e documentos que havia acumulado
para a rodagem de meu filme.

N�o sabia o que fazer.

Assim se passaram
tr�s ou quatro dias,

at� que a pol�cia chegou � minha casa
para levar-me preso.

Muito tempo atr�s,
quando eu tinha 20 anos,

aqui se jogou
o Campeonato Mundial de Futebol.

Eu vim ver a partida entre It�lia e Chile,
que a It�lia venceu.

Mas alguns dias depois,
ocorreu um milagre:

o Chile conseguiu alcan�ar
o terceiro lugar no Mundial.

�ramos os terceiros do mundo.

Recordo que a festa
durou v�rios meses.

Mais tarde, voltei ao est�dio,
mas como prisioneiro pol�tico.

Aqui, chegamos a ser
v�rios milhares.

Estive preso 15 dias, sem que os militares
soubessem onde estavam meus rolos.

Eu me lembro perfeitamente
desta vista da torre do placar.

Desde aquele golpe de Estado,
nunca voltei a viver no Chile,

ainda que tenha dedicado
toda minha carreira ao meu pa�s.

Depois, sa� do est�dio, e logo,
do pa�s, para salvar minhas bobinas.

Nesse tempo,
outras pessoas seguiram filmando.

Uma delas � Pablo Salas.

Pablo poderia ter sido preso,
submetido a tortura,

ou inclusive assassinado.

Milagrosamente,
n�o lhe aconteceu nada.

Sem ele, n�o ter�amos tantas imagens
da resist�ncia contra Pinochet.

Durante 37 anos, nunca,
at� hoje, deixou de filmar.

Talvez, seja o �nico cineasta
da Am�rica Latina,

e um dos poucos do mundo,

que filmou por tanto tempo
sua pr�pria realidade.

Com suas imagens,

poder�amos reconstruir hoje
os anos perdidos da hist�ria do Chile.

Quando come�aste?
Em que ano come�aste?

- A filmar?
- Sim.

A� por 1982, 1983.

E a partir da�, ningu�m te parou.
Seguiste, seguiste...

Segui, segui, segui...

Parei em 1990, quando chegou Aylwin
e o Pinochet se foi.

E fui por dois anos para a B�lgica,
voltei em 1994.

E j� come�ou
a aparecer mais gente.

H� muitos jovens.

Ainda h� jovens que seguem
fazendo document�rios...

Ou seja, cada vez que h� uma marcha,
alguma coisa,

e tenho tempo,
posso faz�-lo, vou.

Porque, de qualquer modo,
vai ficando como arquivo e...

meu ponto de vista,
filmo o que quero,

e se n�o quero filmar,
vou tomar uma cerveja...

Mas agora, vais a uma marcha,
est�s filmando e entram celulares,

entram camerazinhas pequenas,
entra uma mulher que vai passando...

J� � outra coisa.

O �nico momento em que podes filmar limpo,
tranquilinho, � quando a coisa est� feia.

Quando h� barricadas,
g�s lacrimog�neo, carro lan�a-�gua...

a� restamos poucos.

A� j� podes filmar limpinho,
o carro lan�a-�gua,

a mo�ada atirando pedras,
e ningu�m se atravessa.

O pior momento � o melhor.

Claro, porque � quando
tens a imagem mais limpa.

Outro dia
estava em uma marcha...

todos correndo...

Eu subi numa mesinha e tinha os porcos,
que levavam algu�m preso...

Sigo-os, chega o furg�o, abrem a porta,
est�o enfiando-nos l� dentro...

P�! Entra um cara na frente
com um celular!

Chegaram ao bairro La Victoria �s 2h, 3h,
cercaram-no de militares,

e come�aram a invadir.

�s 3h, com alto-falantes,
come�aram a gritar...

e come�aram a invadir
casa por casa.

E ent�o invadiram
todas as casas do bairro.

Levaram presos todos os homens
de 15 a 65 anos.

20 mil pessoas presas,
levadas para um est�dio.

E fomos passando casa por casa,

e em algumas haviam colado
um tri�ngulo vermelho.

Um adesivo branco
com um tri�ngulo vermelho dentro.

Come�amos a perguntar,
e ent�o as pessoas nos contaram

que colavam esse adesivo uma vez
que a casa havia sido invadida.

E levaram
todos os homens presos,

coisa impens�vel
em qualquer parte do mundo.

E partimos.

E subimos, e quando chegamos
entre o terceiro e o quarto andar,

havia uma janela
que dava para o est�dio.

Abrimos, olhamos,
e o est�dio estava cheio de gente.

Lembro que me estiquei na ponta dos p�s
o quanto pude e comecei a filmar.

A imagem n�o � muito limpa
nem muito bonita,

mas se v� muita gente presa.

Era um campo de concentra��o,
j� muito avan�ada a ditadura, ou seja,

foi surpreendente.

Filmamos isso e depois fomos embora,
rapidinho, rapidinho.

Ou seja, assim era a ditadura,
a ditadura era... terr�vel.

Fizeram essas invas�es muitas vezes
e em muitas partes, n�o s�...

Ou seja, em bairros pobres...
e chegavam na casa e chegavam...

e n�o s� com... neste caso,
mais ou menos tranquilo...

aqui neste caso foi...

Ou seja, o que pode ser mais violento
do que levar presos todos os homens?

Quando vejo as imagens de Pablo,

dou-me conta de que nossas vidas
tomaram caminhos diferentes.

Pablo � um dos que ficaram.
Eu sou um dos que fugiram.

Mas os dois temos uma coisa
em comum:

estamos marcados
pela mesma utopia.

Agora, gostaria de entrar
em sua m�quina do tempo.

E meu esp�rito era mostrar
o que estava ocorrendo.

E mostr�-lo aqui!
N�o fora do pa�s, porque fora, sabia-se...

Desde o primeiro dia:
os presos do est�dio,

os mortos no Rio Mapocho,
os presos nos campos de concentra��o...

Isso se via fora do pa�s,
mas aqui, n�o se via.

Contavam
o que nos queriam contar.

Ent�o, quando come�aram os protestos,
meu �nico af� era mostr�-lo aqui.

Bem, assim foi,

e quando terminou a ditadura e tudo,
encontrei-me tendo todas essas fitas.

Olha!

Eu tentava n�o apagar,
mas muitas vezes tive de faz�-lo.

E assim apareceu este arquivo,
do nada.

De nada mais que por mostrar
o que estava ocorrendo.

Que sigo como...

� nisso que me meti e estou obrigado
a manter, n�o sei por qu�!

Gostaria de passar a bola
para outro,

mas j� levo
n�o sei quantos anos...

Faz 27 anos que...

que se acabou Pinochet,

e j� mudei de escrit�rio
n�o sei quantas vezes

e tenho que andar
com todas essas toneladas de fitas.

Esta fita grava 20 minutos.

20 minutos.

E depois, olha, esta fita...

Olha o tamanhinho...

Aqui cabem 4 horas.
4 horas.

E o que queres que te diga?

Mostro-te um disco r�gido,
e aqui podes guardar quanto?

1.200 horas.
Mudou-nos a vida!

E as baterias...
Olha as baterias...

Esta bateria dura 3 horas.
Impens�vel, naquela �poca.

E se � de noite, aumentas o ganho
e filmas tudo, ou seja...

Se tiv�ssemos tido naquela �poca
todos os recursos que h� agora...

De todo modo, ainda sinto
que deveria ter filmado mais.

Tive a possibilidade de filmar e n�o...
e n�o o fiz, n�o sei.

Fiz o que pude.

Havia, n�o s� isso,
mas tanta coisa a fazer.

Assassino! Assassino!

Porco de merda!

Mate-o, porco de merda!

"Todos os seres humanos nascem livres
e iguais em dignidade e direitos."

"S�o dotados
de raz�o e consci�ncia"

"e devem comportar-se fraternalmente
uns com os outros."

"Pode um c�mplice da tortura
falar na televis�o?"

"N�o, n�o pode!"

"Pode um c�mplice da tortura
falar de democracia na televis�o?"

"N�o, n�o pode!"

"Pode um c�mplice da tortura
falar de justi�a?"

"N�o, n�o pode!"

"Pode um canal cat�lico
calar sobre a tortura?"

"N�o, n�o pode!"

"Eduardo Jara, morto sob tortura:
a televis�o � c�mplice!"

"Sobre os mortos em falsos enfrentamentos:
a televis�o mente!"

"Sobre os detidos desaparecidos:
a televis�o mente!"

Treze anos de ditadura!
Basta de tortura!

N�o me bata!

Chi! Le!
Chi-chi-chi, le-le-le!

Universidade do Chile livre!

Vai cair! Vai cair!

Aqui
se sente:

Allende est� presente!

Aqui
se sente:

Allende est� presente!

O esquerdista
se tornou o inimigo

frente a quem se desatou
essa tormenta de fogo.

N�o era humano para a direita.

Depositaram-se nele, atrav�s
das comunica��es, da propaganda,

todas as aberra��es poss�veis:

insens�vel, ateu,
desumano, antipatriota,

comedor de criancinhas,
destruidor do pa�s, das institui��es,

destruidor da Igreja,
dos valores nacionais...

Convertem-no em um dem�nio,
que ent�o � preciso eliminar.

Como coment�vamos,
chega-se a uma l�gica

que � muito nazista, n�o?

Que � ver a sociedade como um �rg�o �nico,
e certos aspectos dela como doen�as,

ao ponto de dizer
que existem chilenos que s�o c�nceres,

que s�o tumores
que � preciso extirpar.

Assassinos! Assassinos!

Pelas 254 mulheres
assassinadas pela ditadura:

pedimos castigo!

N�o � impunidade!

Pelas mulheres torturadas
e encarceradas pela ditadura!

O que houve no Chile foi
uma tormenta arquet�pica, digamos.

O bem contra o mal,
em que o mal eram pessoas,

civis, gente desarmada,
crian�as, jovens...

Uma cegueira,

uma cegueira mitol�gica...

estamos lutando
contra dem�nios...

que permitiu
desumanizar o outro,

e coloc�-lo
em um catre eletrificado,

cort�-lo, envenen�-lo,
mutil�-lo,

faz�-lo explodir, desaparecer...

Uma esp�cie de f�ria.

Faltam palavras
para express�-lo.

Durante todo o tempo da ditadura,
a Cordilheira permaneceu em seu lugar.

Talvez ela nos olhava
sem que soub�ssemos.

N�o o pensei antes, mas creio
que a montanha � uma testemunha.

Viu coisas
que nos queriam esconder.

Se pud�ssemos traduzir
o que dizem as pedras,

hoje, ter�amos as respostas
que n�o temos.

O que eu filmei e o que n�s
pudemos filmar na �poca da ditadura

n�o � nem 5%
do que fez a ditadura.

O que a ditadura fez � tortura,
morte, ex�lio...

amedrontamento...

Todo esse tipo de coisas
n�o est�o filmadas.

N�o est�o filmadas.

Ver uma tortura,
eu creio que j� � outra coisa.

Isso n�o est� filmado.

Ou seja, com isso apenas,

podemos mais ou menos mostrar
que a ditadura foi horr�vel.

E d� para imaginar-se o resto.

Est� tudo documentado
e feito durante a ditadura.

N�o h� nenhuma possibilidade de dizer-se
que n�o se sabia, que n�o se soube.

Tudo se soube no mesmo minuto
ou pouco depois.

Quinze, vinte anos depois,
dizer que n�o se sabia...

Porque at� que Pinochet
fosse preso em Londres,

seguia-se insistindo
que n�o havia desaparecidos.

Estamos falando
do ano de 1998, 2000.

Seguiam insistindo
que n�o havia desaparecidos,

que n�o tinha havido tortura.

Segue-se falando
que foram excessos.

Uma semana atr�s, disseram:
"Houve alguns erros."

Deveriam ter dito horrores,
n�o erros.

Justi�a! Justi�a!
Queremos justi�a!

Creio que os protagonistas
do golpe e da ditadura

pensam que fizeram o correto.

Eles ainda est�o
sob esse encantamento, esse...

n�o sei como chamar...
sob esse feiti�o...

de que estavam lutando uma guerra
contra um inimigo formid�vel

que ia afundar o pa�s
em um caos espantoso...

E eles seguem
nesse encantamento,

que os faz ver isso
como uma batalha �pica.

E os poucos com quem conversei
que conseguiram sair desse encantamento

e ver o que realmente fizeram,

que mataram homens,
mulheres e crian�as indefesas,

tomam uma de duas vias:

a ang�stia, a reserva e o retiro,
ou a nega��o,

que � o caminho mais usual,
o mais c�modo,

e � tamb�m o que te d�
paz de esp�rito.

Eu creio que todas essas pessoas

v�o morrer convencidas
de que fizeram um bem ao pa�s.

Est�o sob um encantamento ainda.

Ou seja, nega��o significa
desconhecer o que passou.

Claro...
N�o desconhecer, mas reinterpretar.

Eles o interpretam de um ponto de vista
muito fascista, m�tico, �pico.

Quando, em realidade, o que ocorreu
foi algo vulgar, banal e asqueroso.

H� uma sorte de continuidade
entre esses pol�ticos civis golpistas

e os que logo tomam o poder
ao longo de quase toda a d�cada de 1990.

Porque ademais eram c�mplices.

Ent�o, produziu-se um novo
manto de sil�ncio sobre o tema.

Trouxe-se rapidamente
os restos de Salvador Allende

e voltou-se a enterr�-lo.

� uma met�fora, n�o?

Tiram-no de uma cova
e enfiam-no em outra rapidamente.

Ent�o, restou-nos
um pa�s ignorante

frente ao que ocorreu.

Os paralelep�pedos est�o aqui
h� muito tempo.

Est�o talhados
com pedras da Cordilheira.

Quando era pequeno,
gostava muito de pis�-los.

Soltava-me da m�o de minha av�
e pisava-os, um por um.

Depois, foram os paralelep�pedos

os primeiros que sentiram
os passos do terror marchando pela cidade.

As pessoas come�aram a conhecer
o barulho dos tanques

e dos caminh�es militares.

� noite, sentiam ru�dos
que ningu�m conhecia.

De manh�, viam pessoas
que seguiam outras pessoas.

Quando sa�am ao exterior,
caminhavam com medo.

Se as pedras da Cordilheira
pudessem falar,

falariam do sangue
que correu sobre elas.

Aqui, est�o gravados alguns
dos nomes das v�timas.

H� crimes que eles n�o reconhecem,
e nunca reconhecer�o.

E sempre "foram excessos",
n�o houve um "mea culpa" profundo deles.

Ent�o, isso � o pior e o mais grave
que nos passa agora.

Pedir que haja reconhecimento,
esse tipo de coisa...

Sempre vai ser:
"Sim, foram erros, exageraram."

Mas est�o felizes
com o sistema econ�mico.

Seguem usando e abusando
do sistema econ�mico.

Seguem enriquecendo.

Est� bem, o pa�s cresceu muito.
J� quase n�o existem favelas.

E as pessoas pobres agora j� t�m carro,
telefone celular, mudaram de vida,

ou seja, est�o muito melhor
do que quando acabou a ditadura.

Mas as diferen�as
s�o impressionantes!

Se vais � zona nobre do bairro alto,
ou �s casas que h� na praia,

ou �s casas que h� na neve...

ou nos lagos,
os lagos est�o todos tomados!

Todos os lugares maravilhosos
nos lagos do Chile s�o privados!

N�o h� acesso!

E est� tudo a�.
Eles seguem sendo os donos e n�o...

As diferen�as s�o tremendas.

Fizeram-lhes estradas para que v�o direto
de seu bairro ao aeroporto e vice-versa,

sem passar por Santiago.

� ins�lito o que acontece.

E � gente que usa e abusa
do que deixou Pinochet.

E eles seguem felicitando-se

pelo que lograram.

At� hoje,
o golpe continua ganhando.

� preciso pensar que,
como coment�vamos,

o golpe foi duas coisas:

a instala��o
de um modelo econ�mico

e a estrutura institucional
que o sustenta.

Em outras palavras,
o neoliberalismo e a Constitui��o de 1980.

E isso est� a�. Ainda est�.

O que aconteceu depois do golpe?

Depois do golpe militar.

O Chile neoliberal n�o � exclusivamente
um experimento econ�mico,

� a instala��o
de toda uma cosmovis�o, completa.

O que o neoliberalismo faz
� instalar a ideia de rentabilidade

n�o somente na empresa,
sen�o na vida, na arte, na cultura,

na sa�de, no ensino;
tudo deve ser rent�vel.

O Chile � uma pa�s est�vel
para o investimento estrangeiro.

A grande oferta que se faz
� que neste pa�s, se tu vens,

ter�s todas as facilidades
e ningu�m te vai incomodar.

N�o haver� sindicatos,
n�o haver� problemas,

teu dinheiro n�o corre riscos,
porque este pa�s � est�vel.

Como se conseguiu
essa estabilidade?

Desde o in�cio dos tempos,
desde o in�cio de nossa rep�blica,

essa estabilidade � obtida
pelo uso da for�a.

No Chile, h� trens fantasma
que correm de noite.

V�m das minas que h�
pr�ximo � Cordilheira.

Lembram-me dos velhos trens

que cruzavam os Andes
para ir � Argentina.

Levam os min�rios ao porto,
a qualquer hora,

especialmente de noite
ou de madrugada.

Todo mundo se acostumou
a v�-los passar,

sem que ningu�m pergunte nada.

N�o t�m hor�rios,
e v�o-se com o cobre,

o principal tesouro do Chile.

�s vezes, det�m-se em raz�o
de uma luz vermelha,

mas ningu�m conhece
seus movimentos.

Esses trens invis�veis passam
pr�ximo a povoados sem nome,

onde tamb�m vivem
mulheres e homens invis�veis.

No Chile,
o que n�o se v� n�o existe.

Ent�o, a gente se pergunta:
"O que est� vendo?"

A alma est� mal.
A alma do Chile est� podre.

� ins�lito que haja tanta riqueza,
tantos milion�rios,

milion�rios a n�vel mundial,

em um pa�s pobre como este,
que s� vive do cobre.

E o cobre que, nos anos 1960,
se conseguiu que uma parte fosse chilena,

e que, nos anos de Allende,
fosse totalmente chileno...

agora, o cobre chileno
� menos que o estrangeiro.

Os estrangeiros levam
a maior parte do cobre.

N�o te saberia dizer
as porcentagens, mas...

A maior mina,
a que tira mais cobre do Chile,

� estrangeira, n�o � chilena.

Os milicos nos foderam,
porque nos convenceram desse ide�rio.

E o triunfo da ditadura
� que entregaram o pa�s...

venderam o pa�s.

A neve cobre esta paisagem
em plena Cordilheira.

Se buscamos este lugar em um mapa,
quase n�o vem sinalizado.

Tampouco existem caminhos p�blicos
para vir visit�-lo.

Ningu�m pode vir aqui
sem autoriza��o.

Este � um imenso territ�rio chileno
que n�o � chileno.

Em algumas prov�ncias,
80% do territ�rio � propriedade privada.

Os arranha-c�us ainda n�o invadiram
a zona das casas mais antigas de Santiago,

que parecem um campo de ru�nas.

Para minha surpresa,
diante de minha c�mera,

aparecem estes militares,
que despertam minha mem�ria.

Quando eu era pequeno,

minha av� me levava para ver
o desfile das festas p�trias,

que quase esqueci.

Nunca mudaram a m�sica.

Estes s�o os velhos escrit�rios
de Pinochet,

que, durante 20 anos,
presidiu o desfile dos soldados.

Interessa-me entrar
neste lugar abandonado,

cheio de fantasmas.

Posso ver a sombra dos generais
caminhando sobre estes carpetes

e dando ordens.

Aqui, Pinochet validou o programa
dos economistas da �poca.

Eles trouxeram o modelo
diretamente de Chicago.

Quando eles eram
jovens estudantes,

aprenderam a f�rmula econ�mica
para modificar um pa�s.

O modelo de Chicago era
o modelo mais radical que se conhecia.

Em um pa�s sem liberdade, eles tiveram
toda a liberdade para aplicar suas ideias.

At� hoje, est�o orgulhosos

de que o Chile tenha sido
o primeiro pa�s que as utilizou.

Pinochet os nomeou, um a um,
ministros da economia e da fazenda.

Arrasaram com tudo.

Este foi o princ�pio do fim
do pa�s que eu amava.

Hoje, outros economistas neoliberais
seguem presentes em cada governo chileno.

Temo que o fen�meno
seja planet�rio.

Os carros deste cemit�rio
s�o como objetos perdidos no caminho;

tornaram-se in�teis.

Assim como os carros,
foi descartado tudo que o Chile era antes.

Nas ruas de Santiago, as pessoas
se perdem tentando localizar-se,

e caminham,
mas n�o se encontram.

A cidade parece um labirinto.

Essa forma de organizar a sociedade
entristece os chilenos,

porque os chilenos s�o
de conversar com os vizinhos,

de organizar-se nas associa��es de bairro,
ou, antigamente, nos partidos,

as pra�as como
lugares de encontro...

� coisa de andar
pelas cidades hoje em dia

para dar-se conta de que s�o indiv�duos
caminhando s�s em meio � multid�o.

Creio que a tristeza deste pa�s
tem a ver com...

de novo te digo,
n�o com o modelo em si,

sen�o com estar em meio a um sistema
que n�o se parece consigo mesmo.

H� um caminho,
mas n�o se sabe aonde vai.

Justi�a! Verdade!
N�o � impunidade!

Justi�a! Verdade!
N�o � impunidade!

O tema dos direitos humanos
mobiliza muito menos do que antes.

Porque agora, por exemplo,
est�o as mulheres, o aborto,

a educa��o,
as administradoras de fundos de pens�o...

Ou seja, s�o os problemas reais
que h� agora.

Os problemas de repress�o, de tortura,
de desaparecimento j� n�o existem;

as injusti�as
seguem sendo as mesmas.

Eu penso que nada mudou.

A �nica diferen�a � que
n�o h� mortos nem desaparecidos.

A coisa segue igual.

Meti-me nisso e fiquei preso a�
por decis�o pr�pria.

E n�o me interessa outra coisa que
n�o seja resgatar o que foi a ditadura,

como estamos vivendo, como viv�amos,
e mostr�-lo aos jovens,

e que n�o caia no esquecimento.

E tu te d�s conta
de que as pessoas n�o querem.

...a can��o da alegria

O canto alegre
do que espera um novo dia

Vem, canta, sonha cantando,
vive sonhando o novo sol

em que os homens
voltar�o a ser irm�os

Somos mais! Somos mais!
Somos mais!

O sistema que Pinochet imp�s
� o mesmo que permanece at� agora.

Um sistema econ�mico em que se empresta
com grandes garantias aos ricos

e os pobres s�o extorquidos.

Tu deixas de pagar uma conta e pronto,
a multa que te chega � impressionante.

Por outra parte, se um rico
quer comprar um banco,

ele vai, pede o cr�dito e concedem-lhe,
com um juro baix�ssimo.

Se tu vais comprar um t�nis a cr�dito,
sai tr�s vezes mais caro.

O outro compra um banco
e sai-lhe uma mixaria.

E assim funcionamos,
assim � o pa�s que temos.

E que amamos.

N�o vou para a Argentina,
nem para o Brasil, nem para parte alguma.

Sou daqui.

Os arquivos de Pablo
s�o um tesouro fr�gil, mas extraordin�rio.

S�o testemunhos
de uma p�gina da hist�ria chilena.

Mant�m intactos e vis�veis

os milhares de rostos
da resist�ncia popular.

Gra�as ao trabalho de Pablo,

� imposs�vel apagar a hist�ria
e dizer que o passado n�o ocorreu.

Hoje, em todo o Chile,

h� muitos jovens cineastas
que filmam em todas partes.

Entre todos,
eles escrevem a mem�ria do futuro.

Quando cheguei ao Chile
desta vez,

atraiu-me muito a ideia
de explorar a Cordilheira.

Mas logo me dei conta de que
a Cordilheira me escondia algo.

Detr�s das pedras,
algo est� presente.

Talvez sejam os ecos do golpe.

Isto me evoca algo muito �ntimo.

Nunca falei da solid�o que me acompanha
desde aquele 11 de setembro de 1973.

� como uma ang�stia oculta,

como se debaixo de meus p�s
algo tivesse desabado,

como um tremor de terra.

Agora, s�o 46 anos
desde que sa� de meu pa�s.

Durante todo esse tempo,
filmei vinte filmes sobre o Chile.

Vivi mais tempo fora
do que vivi dentro.

Acostumei-me
a fazer filmes de longe.

Mas nunca deixei
de sentir-me s�

e de trabalhar isolado
em meio � vida cotidiana.

Em minha alma,

nunca se desanuviou a fuma�a
das cinzas de minha casa destru�da.

Gostaria, se fosse poss�vel,

de reconstru�-la e come�ar de novo.

Encontrei pequenos fragmentos
do universo na Cordilheira.

Est�o guardados
em alguns museus chilenos.

S�o os meteoritos,
pedras que caem do c�u.

S�o pequenos peda�os de planetas,
que v�m de muito longe.

Minha m�e me ensinou

que a cada vez que cai um,
no meio da noite,

pode-se fazer um pedido,

que se cumpre
quando se guarda o segredo.

Mas eu quero diz�-lo:

meu pedido � que o Chile recupere
sua inf�ncia e sua alegria.

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