All language subtitles for Arnaud Desplechin - Reis e Rainha PT-BR

"REIS E RAINHA"
"Zeus amava a bela Leda,

esposa do mortal T�ndaro,
nono rei de Esparta.

Ele vai at� ela sob a forma
de um cisne."

- Tchau, Michel, at� amanh�.
- Tchau, madame.

- Obrigada.
- De nada.

PARTE l: NORA

Meu nome � Nora Cotterelle.
Tenho 35 anos.

Tenho um filho do primeiro
casamento, Elias.

Ap�s a morte do pai dele,
decidi n�o ter outro filho.

Meu filho tem 10 anos,
e � a minha vida.

Claude, bom-dia.
Estou super atrasada.

N�o, tudo bem. Bom-dia.

Achou alguma maravilha?

Creio que achei algo: Uma litografia
de Klee �nica, pr�-impress�o.

- Sr. Maden...
- A senhora � o nosso sol.

Dirijo uma galeria de arte
h� 6 meses.

- � um trabalho agrad�vel.
- Sinta-se em casa.

O que vai nos mostrar?

Tudo que voc� quiser.

- Uma gravura de Leda?
- Sim. � estranha.

Diferente do resto do lote.

� linda.

- N�o �?
- De onde veio?

De alguma escava��o feita em
Roma no final do s�c. 18.

E a gravura foi passada
para o pastel no s�c. 19.

Vou lev�-la para dar de presente.
� para o meu pai.

O resto � para a galeria.

H� um ano, divorciei-me de meu
segundo marido, Ismael.

E conheci Jean-Jaques,
um homem de neg�cios,

que � louco por mim e pediu-me
em casamento na semana passada.

Outra uni�o, nessa idade, � s�rio.

Jean-Jacques estar� na esta��o.
Vag�o tr�s.

- Ele � t�o gentil.
- Ningu�m � t�o gentil.

- Depressa!
- Em cima da hora!

As secret�rias cuidar�o
de sua passagem.

Obrigada.

- Bom-dia.
- Claude.

Um carro vai esper�-la na esta��o,
com chofer.

- Fez bons neg�cios?
- �timos, gra�as a Claude.

Vamos.

- E achei o presente do papai.
- Ah, �?

�.

� rid�culo, mas sempre fico tensa
quando vou v�-lo. � t�o severo.

Um beijo no Elias. Diga que
o quarto estar� pronto na volta.

- Tchau, Claude.
- Tchau.

Sempre achei que amar
� n�o ter que pedir nada.

Meu segundo marido
provou o contr�rio.

Ele era pouco prestativo.

E quando me queixava da falta
de aten��o, ele dizia:

- Fazendo esculturas?
- "� s� pedir".

N�o, sonhando.
Desculpe, � rid�culo.

N�o, � bonitinho.
Minha filha tamb�m faz.

Quer um caf�?

N�o, ch�, por favor. Obrigada.

Meu pai ensinou-me que ser amada
� n�o ter que pedir.

Por isso, achei que Ismael
n�o me amava.

Eu me distanciei,
e nos separamos.

No ano passado,
conheci Jean-Jacques,

que procura satisfazer
todos meus desejos.

N�o sou indiferente
� riqueza de Jean-Jacques,

embora n�o goste
de pensar nisso.

Nos primeiros 6 meses,
n�o dormi com ele.

E ele

aceitou esse teste
tranq�ilamente.

Conclu� que suas inten��es
eram s�rias.

Eu n�o toparia uma aventura.

Foi o problema com
o segundo marido.

Boa estadia. Tenha cuidado.

Nosso relacionamento
parecia mais uma aventura

do que um compromisso.

Elias est� incomodando muito?

N�o, passa o dia na col�nia
de f�rias.

N�o atrapalha seu trabalho?

N�o trabalho muito.

Ele se entrosou bem
com os garotos.

Eu o pego �s 5h.

� um novo livro?

N�o, s�o anota��es.

- E fala de qu�?
- De nada.

De voc�, como sempre.

Com licen�a.

Louis, arrume-se logo.
Trouxe para voc�.

Feliz anivers�rio!

- Eu tinha esquecido.
- � Leda e seu cisne.

Pensei em voc� quando vi.

� uma figura mitol�gica
e voc� ensina grego...

Obrigado.

Devia se alimentar melhor.

- Come fora �s vezes?
- N�o.

Por isso sente dor de barriga.

Precisa de comida de verdade.

O que foi?

Estou sangrando.

Tenho a impress�o que estou
perdendo peda�os do corpo.

O qu�?

- Est� com uma �lcera.
- Sei l�.

Nem tenho coragem de olhar.

�, voc� est� com uma �lcera.

- Tenho vergonha de falar.
- N�o, pode me dizer.

Issoj� dura uma semana.

Voc� veio?

Sim, eu vim.

N�o vai me olhar?

Sim, estou olhando.

N�o vai me beijar?

Sim!

Voc� est� lindo!

Como est� lindo!

Est� bronzeado. Voc� cresceu.

Gostou?

Sim, gostei.

Voc� est� feliz?

Completamente.

Recebi os cart�es-postais.

Guardei todos.

Preguei na geladeira
da casa nova em Paris.

Chateou-se porque vov�
mandou me escrever?

N�o, gosto de escrever
para voc�.

Oi, Elias.

- Fez amigos aqui?
- Sim, j� contei no telefone.

Ah, �... Parece legal.
Como se chama?

Thomas. Ele � bom de briga.

Pensou em mim?

Sim.

Eu pensei demais em voc�.

O tempo todo, querido.

Uma noite, eu e vov�,

fizemos um "programa
de homens" na feira.

Ele me contou.

Esta noite, ele est� meio doente,
est� com dor de barriga.

Acho que vou lev�-lo ao hospital.

N�o poderemos comemorar
o anivers�rio delejuntos.

- Fica chateado?
- Vou pegar meus apetrechos.

Elias pode dormir na casa de Thomas.
S�o muito hospitaleiros.

Que bom.

O pai n�o pode cuidar dele?

O pai est� morto.

Sinto muito. Elias nunca disse.

Morreu antes do nascimento dele.

H� meses queixa-se
de dor de barriga.

Cheguei esta manh� em Grenoble...

Hist�rico cl�nico?

Sabe se foi operado, se esteve
doente?

Acho que n�o.

- Ele fuma?
- Um pouco.

- Bebe?
- N�o, muito pouco.

Mas sempre fica tenso
quando acaba um livro.

� �lcera perfurada ou inflama��o
aguda da ves�cula.

E h� um risco de peritonite.
Mas n�o se pode ver na radiografia.

� melhor operar logo.

Esta noite?

Sim.

Devia estar em Paris amanh�,
mas sim...

� uma simples infec��o.
Logo poder� ir.

Foi pegar Elias?

Claro. Vai dormir na casa
do colega.

- Que bom.
- E eu posso ficar com voc�.

Sinto muito.

Essa secret�ria n�o grava recados.

N�o d� para falar comigo.

Se for do fisco,
Mercier e Landeau,

voc�s s�o escroques.
Jamais pagarei a voc�s.

� vergonhoso servidores p�blicos

perseguirem assim
um cidad�o de respeito.

E artista!
Dane-se, Sr. Landeau!

Bom-dia, senhor.

O hospital nos mandou.

Est�o enganados,
n�o estou doente.

Deve ter recebido algum aviso
do hospital.

N�o recebi nada. N�o tenho
aberto a correspond�ncia.

E agora estou super ocupado.

O psiquiatra enviou tr�s cartas.
A �ltima foi registrada.

E avisava que passar�amos aqui

se voc� n�o se apresentasse
ao hospital.

Isso pouco importa, estou
bem comportado, como v�em.

At� logo, senhores.

Recusa-se a ir conosco?

Exatamente, recuso-me!

Os m�dicos enviaram a primeira
convoca��o h� meses.

N�o sou surdo. N�o recebi nada.

A carta registrada voc� recebeu.

N�o vou ao seu maldito hospital,

n�o estou doente
e estou ocupad�ssimo.

- Est� falando alto.
- Alto n�o, falei normalmente.

- Sim, est� gritando.
- Grito se quiser, certo?

� incr�vel, estou em casa,
n�o encho ningu�m,

n�o fa�o zona debaixo dejanelas,

n�o cago debaixo dasjanelas,
entendem?

Por que v�m encher meu saco?

N�o vieram com pol�cia, mandado.
N�o cometi delitos.

E vou seguir dois enfermeiros
da Stasi? Est�o malucos!

N�o viemos para intern�-lo.
S� queremos lev�-lo para tratamento.

Tratamento?
Mas estou �timo, v� se danar!

- E paremj� com isso!
- Como �?

N�o me olhe como se eu fosse
um dos loucos do seu hospital.

Estou olhando normalmente.

Senhor...

Aquela corda na sala � para qu�?

Que corda?

Aquela com um la�o,
pendurada l� na sala,

com o banco embaixo.

Ah, sim... mas n�o!

N�o sou um suicida, entendido?

Compreendo, viram a corda,
a cadeira, associaram, � humano.

S� preciso saber que posso
faz�-lo.

E sabendo disso, jamais o farei.

Acho que h� algo assim
em C�cero ou S�neca,

- ou � nos Est�icos?
- S�neca.

Francamente, n�o ando muito bem,
mas n�o sou um suicida.

Bem, n�o...

Senhores...

N�o dificulte as coisas,
porfavor.

� preciso ir agora.

V�o me levar � for�a?

Pegue as m�os dele.

- Vamos l�!
- N�o!

Vamos, vamos...

Canalhas! Socorro!

Vou esgan�-los, serpentes!

- O que h�?
- Vou esmag�-los, vermes!

Uma ampola de Droleptan
e duas de Noxinan 100mg.

J� aplicamos duas de Clopixol.

Droga!

Ent�o, s� a metade, mas dose bem.

Ele vai capotar.

Droga!

Ele me machucou.

Aplique por cima da cal�a.
Dane-se o ci�tico. Vai!

Vamos l�!

Nem ligo, sou resistente
� morfina!

Estou ferido.

- Espere l� fora. Est�o vindo.
- Marie-Christelle, a porta!

Tudo bem, deixe isso comigo.

As v�sceras est�o num estado
que n�o h� o que fazer.

O abd�men est� destru�do.

Fechamos de novo, s� isso.

� um c�ncer.

De qu�?

N�o d� para saber.
Est� generalizado.

Seu pai deve estar doente
h� meses.

N�o sei como suportou a dor
tanto tempo.

� uma not�cia horr�vel.

Sinto muito.

- O que devo fazer?
- Avise sua fam�lia.

- S�o muitos?
- N�o.

- Tenho uma irm�.
- � melhorfalar logo com ela.

E quando ele vai morrer?

Cinco dias, dez dias...
� fulminante.

Posso v�-lo?

N�o, ele est� na UTI.

Voc� precisa ir descansar.

Ele s� acordar� amanh� de manh�.

V� para casa, est� cansada.

Vou ficar aqui um pouco.

N�o pode parar de rastejar
diante desses m�dicos imbecis?

Receitam merda; o diploma deles
veio de brinde em caixa de cereal.

Mas � um maldito diploma
e voc� rasteja!

Os m�dicos aqui parecem
gente rica.

Estou amarrado!
Amarrado numa maldita cama!

- Acha isso normal?
- Talvez seja para o seu bem, filho.

Pare�o louco? Acha que pare�o
louco?

Um pouco.

- N�o �?
- �.

Mas n�o v�o prend�-lo aqui
a vida toda.

Melhorando, ser� solto.
Tenho certeza.

Pai, solte essa maldita correia.

Juro, n�o quebrarei nada.
Sou ruim de briga.

Vamos, solte.

N�o posso.

Seja como for, sempre ter� o seu
lugar no armaz�m em Roubaix.

Mam�e, toco viola num quarteto.

Ele tem raz�o, Monique.

"No final, estou cansado
desse velho mundo".

"Pastora, ou Torre Eiffel, o rebanho
de pontes a balir na manh�..."

"Voc� viveu tanto na antig�idade
greco-romana,

que aqui at� os autom�veis
parecem antigos."

Apollinaire.

O poeta preferido do seu pai.

- Diga-me...
- O qu�?

Saiu mesmo na rua com
uma capa de mosqueteiro?

Chega dessa hist�ria.

N�o diga que nunca vestiu
algo estranho.

Bem, n�o...

Nunca quis usar roupas especiais
em certas ocasi�es?

- Papai?
- Qual � a sua id�ia?

Sei l�, depende.
Uma capa, um poncho...

N�o!

Que nada! Essa hist�ria
de colete � bobagem.

� casado?

N�o oficialmente.

- Filhos?
- N�o de verdade.

O que significa n�o terfilhos
de verdade?

Cuidava de uma crian�a,
mas n�o cuido mais.

Quero saber o que fa�o aqui.

Parece que seu comportamento
tem sido meio excessivo.

� novidade para mim.

Pode esclarecer um pouco isso?

� muito am�vel por se preocupar
com minha sa�de,

mas n�o lembro de ter pedido.

� verdade. N�o me pediu nada.

Seus parentes est�o preocupados.

Meus parentes?

Voc� est� aqui sob "HPT".

O que � isso?

� uma "Hospitaliza��o
a Pedido de Terceiros".

Mas que "terceiros"?
� absurdo, vi meus pais hoje...

Sim.

Mas s� vieram porque
estou trancado aqui.

Vejo-os pouco, moram no interior.

- Mas tem uma irm� em Paris.
- Sim, Elizabeth.

Imposs�vel. Nos damos muito bem.

Eu a vi h� 15 dias.
E foi tudo bem.

Por que veio?

Por nada. Para ver voc�.

- S� para isso?
- �.

Voc� n�o veio no Natal.

� verdade, mas trouxe
os presentes.

- Estamos emjulho.
- Tome, esse envelope � seu.

E os outros dois s�o dos g�meos.

N�o sabia o que comprar.
N�o conhe�o as lojas.

N�o sabia o que voc� precisava,
ent�o...

Mas por que me d� tudo isso?

� para voc�, para ajeitar
sua vida.

Muito gentil.

E o que devo fazer com isso?

� para ajud�-la no que quiser
fazer.

Mas eu ganho dinheiro.

Sim, eu sei.

Veio me oferecer dinheiro?

Droga! N�o pode se perguntar
nunca o que realmente quero?

Por isso quis emprestar- lhe
o dinheiro.

Para que fa�a o que realmente
quer,

sem perder tempo pintando
pratos...

Perder tempo?
O que sabe do meu tempo?

Ou de como penso em usar
meu tempo, ganhar minha vida?

- As pinturas que fazia...
- Aos 16 anos!

J� se perguntou quem eu sou?

O quanto me importa ser pintora?

Quer que eu seja pintora!

- N�o quero nada.
- Eu grito,

mas sou uma boa mo�a.

Eu tinha 8 anos, e voc� decidiu
que eu era violenta.

Mas longe de voc�, na vida real,
sou doce, sabia?

Pergunte a Delphine, a Fid�le.

Quero um filho, certo?
N�o quero pinturas.

Quero ser m�e de fam�lia.

Nisso n�o posso ajudar.

Sou irm�o. Posso emprestar
dinheiro.

O dinheiro n�o � a quest�o.
Fico com ele.

Mas sua preocupa��o comigo,
sua "bersoge"...

� como se diz em filosofia?

Voc� � rei do mundo,

brincando com seus soldados.

E me deixa s� como um c�o.
Isso mostra que ignora quem sou.

Ande, v�.

- J� comeu?
- N�o.

Muito bem, est� pronto.

Um pouco de pimenta?

- Sim.
- Voc� � que sabe. Ketchup?

- N�o, est� bom.
- Cuidado, est� quente.

Pare com isso. N�o comece, ouviu?

Francamente! N�o comece!

N�o, obrigado.

N�o sei por que Elizabeth
me denunciaria.

- Por que diz "denunciar"?
- Adivinhe.

Acha que foi por mal?

N�o tenho problemas psiqui�tricos,
ou essas suas bobagens, madame.

Vejo que faz an�lise h� 8 anos.

Tr�s vezes por semana.

Parece angustiado.

� a minha alma que d�i,
mas voc� n�o pode ajudar.

E por que n�o?

Porque voc� � mulher.

E da�?

Desculpe, mas mulher
� diferente de homem.

Em que sentido?

Voc� n�o tem alma.

Por ser mulher?

N�o me olhe assim,
n�o � culpa minha.

J� viu mulheres padres ou rabinos?

Bem, devem ter outra coisa
no lugar, mas enfim...

N�o me vejo falando
de minha alma com voc�.

Meio ofensivo para as mulheres,
n�o?

N�o! Os homens vivem numa linha.

E as mulheres vivem em bolhas.

Sei l�, pequenas bolhas.
Passam de uma para a outra,

deve haver interse��es.
Devem ser bolhas de tempo.

N�s, homens, vivemos sobre uma
s� linha: Vivemos para morrer.

� isso a�.

E mulheres, para que vivem?

Bem, para nada.
Voc�s apenas vivem.

- N�s vivemos para morrer.
- Como voc� define a alma?

N�o vamos falar de teologia agora.
N�o sou seu colega.

Estou preso nesta maldita cl�nica
desde ontem de noite.

E veio me examinar
e dizer que � um esc�ndalo.

N�o, queria mesmo saber
sua defini��o de alma.

Devo responder:
"Um pau e duas bolas"?

A alma � uma maneira de lidar no
dia-a-dia com a quest�o do Ser.

N�o digo que � inacess�vel
para voc�. Digo que lido...

no maldito dia-a-dia
com a quest�o do Ser.

E n�o me olhe como
a M�e da Virtude,

ou como uma dessas feministas.
Com seu bloco de notas,

em busca de sintomas
para manter-me preso

e vingar-se de algum mal
feito a voc�.

N�o lhe fiz nada, nem a ningu�m.
N�o sou louco.

Entendeu a mensagem?

Pode repeti-la para o seu
"politburo", ou precisa de mim?

N�o, talvez n�o seja louco, mas
uma semana aqui far� bem a voc�.

Qual � o recurso legal?

Pode escrever para a Procuradoria.

Muito bem, exijo papel e caneta.

Ah, certamente.

Vou denunci�-la, babaquinha.

Aconselho-o a acalmar-se
antes de escrever.

Quero papel e caneta.

E devolva os meus cadar�os.

Al�?

Quem �?

� voc�, Chlo�?

O que faz a�?

Vim ver papai.
Elias veio passar as f�rias.

Vim ontem parajantar com ele.

Pode passar para ele?

N�o, ele n�o est� aqui.
Onde voc� est�?

Ah, droga!

Tinha que me mandar dinheiro.

Papai est� no hospital.

Droga! Preciso do dinheiro.
Ele tinha que mandar!

- Quando ele sai?
- Chlo�...

Foi operado ontem � noite.
Est� no hospital.

Quando abriram,
havia v�rios tumores.

Chlo�...

Foi operado ontem � noite,
ainda est� no hospital.

Ao abrir, havia v�rios tumores.
Tiveram que...

costur�-lo de novo.

Est� com met�stase.

Est� todo destru�do por dentro,
est� morrendo.

Ele n�o! Agora n�o!

N�o podem cur�-lo.

Ele vai sofrer e est� com medo.

Voc� precisa vir.

Precisa vir, Chlo�.

Estou sozinha aqui.

Deixei Elias na col�nia de f�rias.

N�o sei o que fazer.

Mas n�o posso ir,

n�o tenho dinheiro.

Eu mando para voc�.

N�o, eu vou. Vou pedir carona.

Onde voc� est�? Est� na Fran�a?

Sim.

� s� dizer
o nome de uma esta��o,

ou um aeroporto
e lhe envio uma passagem.

Vou de carona. Irei amanh�.

E como ligo para voc�?

- N�o pode me ligar.
- Deve ter um telefone, n�o?

Deve ter algum amigo
com celular, n�o?

N�o!

Ligarei de novo.

Ele ainda est� dormindo.

Por que o esparadrapo
nos olhos dele?

Com as p�lpebras abertas,
os olhos secam e doem.

Masj� vamos tirar.

A chuva pegou voc�?

Sim.

Tome.

- Vou esperar que acorde.
- Parece cansada.

N�o consegui dormir,
mas tudo bem.

Vou deix�-la � vontade.

Pierre?

Est� mesmo aqui?

Pois �, estou.

� engra�ado ver voc� aqui.

Eu estou dormindo?

N�o exatamente.

Estou feliz por ver voc�.

Eu tamb�m.

Voc� n�o mudou.

Est� ainda mais bonita.

Ah, n�o, eu...

Agora sou uma senhora.

Faz tanto tempo.

- Dez anos?
- �.

Voc� era t�ojovem.

Foi t�o triste quando voc� morreu.

Ave Maria, cheia de gra�a,

bendita sois v�s
entre as mulheres,

e bendito � o fruto
do vosso ventre, Jesus...

Voc� sofreu?

Foi tudo t�o r�pido.

Nem lembro se tive tempo
para sofrer.

M�e de Deus, rogai por n�s,
pecadores...

E deixei voc� gr�vida?

Sim.

N�o foi dif�cil demais
essa gravidez sozinha?

Lutei muito, voc� sabe.

- � o primeiro?
- �.

Levante a blusa.

- O pai n�o veio?
- N�o.

- Ele n�o est� curioso?
- O pai n�o vir�, morreu h� um m�s.

- Se preferir, podemos adiar.
- N�o, vamos l�.

Menino ou menina?

Diga, � menino? �?

Menino? �? Menino? Que bom!

- Gr�vida de quanto tempo?
- 15 semanas.

Ningu�m queria que eu o tivesse.

Mas eu queria aquela crian�a.

Devia abortar.

- N�o vou abortar.
- Idiotice.

Pierre morreu. Jamais voltar�.

- Voc� n�o entende.
- Entendo e te amo.

N�o deve nada a Pierre,
nem a ningu�m.

- N�o quer essa crian�a.
- J� n�o d� tempo.

Podemos ir para a Inglaterra
ou Holanda.

Cale essa boca, Chlo�!

Tive que ir cem vezes na Prefeitura
para registrar nosso filho.

Eu queria que ele tivesse
o seu nome.

� obrigat�rio a procura��o do pai.

O pai acidentalmente morreu
no come�o da gravidez.

Estou s�. N�o posso me deslocar.

Sinto muito.

Levei todos os pap�is,

comprovante de estado civil,

certid�o de nascimento,

certid�o de �bito.

Por ora, n�o vejo
o que possa fazer.

Escreva no registro que Pierre
Cotterelle � pai do meu filho.

Estou tentando dizer que mesmo
se me trouxesse a prova

que ele � o pai de seu filho,

e n�o duvido disso um segundo,

eu n�o poderia registrar
a sua declara��o, � imposs�vel.

Como ousa me dizer isso?

Como ousa?

Juridicamente, seu filho n�o pode
ser reconhecido por um morto.

N�o acreditaram em mim,
me disseram coisas horr�veis.

Tive que me defender sozinha.

Eu tinha 20 anos.

Lutei tanto para nosso filho
ser reconhecido.

Seu namorado n�o deixou
um documento,

uma carta atestando o desejo
de reconhecer seu filho?

Pode ter escrito
a um amigo, parente...

Uma carta?

Se f�ssemos casados,
o reconheceriam?

Sim.

Dev�amos ter casado.
N�o deu tempo.

- Entendo.
- Voc� n�o entende.

- Chame o seu chefe.
- Meu chefe dir� o mesmo.

Quero v�-loj�.
N�o sairei daqui.

S� pe�o um pouco de paci�ncia.

Quero ver seu chefe
imediatamente!

Est� bem.

- Posso entrar?
- Sim, claro.

Trouxe os absorventes.

Obrigada.

- Ponho ali?
- Sim.

- Posso sentar?
- Pode.

- Elej� mexe?
- Um pouco.

- � verdade?
- Quer tocar?

- Posso?
- Pode.

Meus peitos est�o enormes.

Estou esquisita.

Hoje em dia,

fico espantada com minha tenacidade.

Fui t�o corajosa.

Mas voc� era uma garota corajosa.

Cad� ele?

Ele est� vindo, est� quase.

Eu o aben��o, voc� me aben�oa...

Meu leite era amargo.

E voc� se casou comigo.

Foi o modo que achei para Elias
ter o seu nome.

Pelo decreto do
Sr. Presidente da Rep�blica,

na data de 3 de setembro...

Achei que morreria de vergonha
no casamento.

Como se fosse uma blasf�mia.

Autorizando o casamento
de Pierre Cotterelle,

nascido em Paris,
a 25 dejaneiro de 1965.

Filho de Raymond e
Andr�e Cotterelle, aqui presentes.

Declaramos aqui, em nome da lei,

que Pierre e Nora est�o unidos
pelo casamento a partir de hoje.

Na presen�a das testemunhas:
Louis e Chlo� Jenssens,

respectivamente, professor da
faculdade de Grenoble e estudante.

A esposa e as testemunhas
assinaram na presen�a

de Dennis Beyle, assistente
do prefeito e do tabeli�o.

Eu tinha tanto �dio em mim,
que isso me salvou.

Foi meu �dio que me protegeu
dessa gente

e da vergonha.

�s vezes, falo de voc�
para o Elias.

Ele parece comigo?

Sim, parece com suas fotos
de crian�a.

Mas tamb�m parece com papai...
o rosto.

Ele � muito fechado,
mais que voc�.

Ele n�o � muito curioso,
n�o faz perguntas.

Eu fazia muitas perguntas.

�, o tempo todo.

Voc� tem medo?

Sim, agora tenho medo.

O av� adora Elias,
precisava v�-losjuntos.

Mas agora,

ele est� doente, ele vai morrer.

Voc� est� entendendo?

Voc� est� morto e meu pai
vai morrer tamb�m.

N�o sei como dizer a Elias.

Voc� dormiu? Seu pai acordou.

Meu pai me amou como louco.

Venha.

Sr. Jenssens, sua filha est� aqui.

Papai, est� me ouvindo?

A opera��o correu bem.

Vou a Paris, vou levar Elias.
Voltarei amanh�.

N�o tem moedas, um cofre
ou algo assim?

Aqui � um hospital.

Mas vim para c� � for�a,
sem meu porta-moedas.

N�o tenho cart�o telef�nico.

Pe�a a um paciente,
ou aos enfermeiros.

Fa�o um cheque e me d�
10 moedas de 50 centavos.

Passe-me a caneta, a caneta!

H� muitos internos com celular.
Pe�a a eles.

Obrigado! Obrigado!

Sua cabe�a est� melhor?

Ser� que eu poderia pegar
seu celular emprestado?

Acabo num minuto.

Sabejogar domin�?

N�o, masjogarei com voc�.

Al�.

Ol�, doutora, � Ismael Vuillard.
Desculpe incomodar.

Tenho um probleminha em rela��o
� nossa sess�o de 3a. -feira,

quer dizer, de hoje � tarde.
Acho que n�o poderei ir.

Ah, �? Por qu�?

Bem, estou hospitalizado.

Sofreu algum acidente?

N�o se preocupe,
� s� um hospital psiqui�trico.

Ent�o, tudo bem.
Espero voc� �s 16h.

Na verdade, os psiquiatras sugeriram

que viesse ao hospital
para a sess�o, se quisesse.

N�o. Isso me parece
uma p�ssima id�ia.

Sim, � idiota, achei que
diria isso.

Mas terei dificuldades para
estar na sess�o desta tarde.

Espero por voc� �s 16h,
como de costume.

Tudo bem, darei umjeito.
At� logo. Obrigado, doutora.

Acho que n�o vai dar.

N�o e n�o, est� fora de quest�o
voc� sair.

Se sua analista quiser,
ter� que vir aqui.

Minha analista n�o vir�,
sinto muito.

E a�?

E a�, nunca faltei a uma sess�o
em oito anos.

Quem � ela?
Qual o nome da sua analista?

Dra. Devereux.

Est� certo. Isso � formid�vel!

Arranjaremos uma ambul�ncia
para voc�.

�, arranjaremos.

S� tenho cheque,
poderiam trocar para mim?

Isso n�o vale entre n�s.
Posso adiantar-lhe a grana.

Quem pensa que somos?

E n�o conte nada disto
ao seu m�dico.

Est� certo.

Quero falar com o Dr. Mamanne,
� urgente. Sou Ismael Vuillard.

Doutor, o Sr. Vuillard
est� na linha 2.

Ismael?

Onde voc� se enfiou?

Bem, � meio complicado.

Imagino, meu caro cliente.

Mas estou em p�nico. Volte logo.
O fisco est� no nosso p�.

- Mas estou preso aqui.
- A� onde?

Num hospital.

Ismael, eles s�o muito malvados,
eles mordem.

� rid�culo, mas parece que
fui internado por "HPT".

O que � isso?

Hospitaliza��o a Pedido
de Terceiros.

- Que droga!
- Pois �, exatamente isso.

Estou chateado pela
grava��o no s�bado.

D� uma boa desculpa
para o est�dio.

Voc� vem?

Eu cuido disso.

Estou indo daqui a 5 minutos.

O que foi?

Nada. � um interno que
me emprestou dinheiro.

Prometijogar domin�.

� preciso tir�-lo da�.

Eu sei. Mas estou preso aqui.

Espere a�! Espere um minuto...

Est� me ouvindo?

H� algum recurso?

A psiquiatra, que � uma babaca,

falou-me do procurador p�blico.

Parece que ele � o recurso.

Sim, entendi.
Espere, est� em que hospital?

Vou anotar.

Ville �vrad,

pavilh�o Ile-de-France.

- Passo hoje a�. Tchau.
- Obrigado, doutor.

Estou indo.

A psiquiatra...

Quatro a oito...

Isso n�o foi gentil.

Hora da comida!

Vamos l�. Vamos come�ar.

N�o tenho nada a dizer.

Lembra-se da regra aqui?

Sim, sim, a regra da livre associa��o.

Mas com o enfermeiro ao lado,
sinto-me muito envergonhado.

Vamos, continue.

Esta manh�, eu estava
muito contente.

Na noite passada, tive finalmente
um sonho real, meio estranho.

E estava super a fim...

Estava super a fim de cont�-lo
a voc�.

Isso � muito bom. V� em frente.

Bem, na verdade,

o sonho se passou numa igreja.

Uma grande igreja, meio g�tica.
Havia uma cerim�nia...

Havia uma grande multid�o
parada ao p� de duas escadas.

Uma escada grande toda enfeitada,
uma escada de luxo.

E outra escada de tamanho
mais modesto.

Era uma cerim�nia de coroa��o,
ou talvez de reg�ncia.

Eu n�o sabia bem.

Mas todos os cidad�os
pareciam muito contentes.

E no coro, naquela escada grande,

no meio da escada,
e continuando a subir,

estava a rainha da Inglaterra.
� isso a�, nada menos.

Ela estava ricamente vestida,
com sua coroa.

E na escada pequena,
estava a minha tatarav�,

com um vestido em tecido florido,
desse tipo que h� nos mercados,

um vestido de senhora idosa.

Eu tinha 12 anos e estava l�
no meio da multid�o de cidad�os

olhando minha tatarav�
subindo sua escada.

E no sonho, todos n�s, cidad�os,

acredit�vamos que cada degrau
das escadas

representava um degrau
do conhecimento.

Acho que a rainha da Inglaterra
devia ser voc�.

E vindo para c�, na ambul�ncia,

refleti sobre esse sonho que
ia lhe contar e me perguntei,

o que isso quer dizer?

E, de repente, vi que isso
n�o queria dizer nada.

Que, na verdade, meu sonho era
s� uma cita��o do poema de Yeats.

Meu inconsciente fez joguinhos de
palavras com uma poesia irlandesa.

Tudo bem, pode falar disso aqui.

Acho que esse sonho � uma alus�o
a um verso de "Animais do Circo".

N�o me lembro muito bem.

Mas tente.

"Agora que n�o tenho mais escada,
deito onde as escadas come�am".

� um verso amb�guo.
Os franceses geralmente traduzem

"deito" por "agonizo".

Agora que n�o tenho mais escada,
agonizo onde as escadas come�am.

Mas n�o gosto dessa tradu��o.

Porque tamb�m
se pode traduzir...

como "repousar".

� bem melhor.
Yeats est� muito velho,

ele perdeu a escada da imagina��o,
mas n�o � t�o grave.

Agora, ele "repousa" l�,
num lugar delicioso,

onde as escadas do esp�rito
t�m o seu come�o.

�, portanto, um poema otimista.

Voc� tem raz�o.

Mas acho meio assustador sonhar com
problemas de tradu��o.

Prefiro ter sonhos mais normais.

O que s�o "sonhos normais"?

Gostaria de sonhar com meus pais,
como os casos dos livros de Freud.

Esque�a os livros de Freud.

Isso lhe traz outras reflex�es?

� um sonho de impot�ncia.

� uma met�fora da ere��o.

N�o posso subir a escada.
Sou um homem liquidado.

E, no meu sonho, estou com
os outros cidad�os na multid�o.

Tenho 12 anos, estou ao p�
da escada,

e posso olhar por baixo
da sua saia.

Muito bem. Por hoje, isso � tudo.

Obrigado, doutora.

�timo, voc� � oficialmente louco.

Nunca duvidei, amigo,
mas agora est� provado.

O fisco que meta no rabo
cobran�as, of�cios,

tutela e todas essas coisas.

Precisa ter a psiquiatra do seu lado.
O que est� fazendo?

- Escrevendo ao assistente.
- Ismael, n�o sacaneie.

Sua interna��o "HPT"
� sua t�bua de salva��o,

o presente de Natal,
meus honor�rios. Os pegamos!

Voc� estava louco,
pediremos retroa��o.

Sr. Juiz, vacilei, mas estava louco.
Passam a esponja e n�s faturamos.

Mas meu nome precisa ser limpo.

Seus cheques sem fundo
cobrem a minha mesa.

H� 2 agentes do fisco no meu p�.
Voc� deve uma fortuna.

Eu n�o ag�ento mais, � isso a�!

Um cheque para sua ex-esposa?

Isso � entre mim e Nora.
Despesas de escola do Elias.

Quinze mil pratas.
Compra-lhe canetas Mont-Blanc?

Ela ganha 4 vezes mais, namora
um rica�o e arruinou voc�.

Professor, voc� � pobre!

Vou tir�-lo daqui.

- Avisou ao quarteto?
- Tudo bem, voc� foi substitu�do.

Essa sua irm�...

Ela assina muitos pap�is
como esse?

Isso eu n�o sei lhe dizer.

Para uma "Hospitaliza��o
a Pedido de Terceiros",

precisa a assinatura de um terceiro
e dois certificados m�dicos.

Bem, uma assinatura
� do hospital, na interna��o,

Mas o outro m�dico, de onde �?

N�o sei, mas obrigado por tudo.

N�o h� de qu�. Mas eu...

N�o imagino sua irm�,
que voc� v� a cada seis anos,

arranjando a assinatura
de um m�dico suspeito.

�.

E que Anjo Negro a ajudou?

Sei l�, algu�m preocupado comigo.

Boa-noite.

- Obrigado.
- De nada.

Que p�lulas s�o essas?

- Est� preocupado comigo?
- Dejeito nenhum.

Ent�o, deve ser algum amigo
que est� preocupado comigo.

- Voc� tem amigos?
- N�o.

Quem ser� que arranjou
os dois m�dicos

e fez sua irm� assinar?

� por ali.

N�o queria aborrec�-lo,

mas estou sob tratamento
com Subutex,

e n�o estou me dando bem.

Sinceramente, caro advogado,
voc� est� um lixo.

Pois �. Prefiro a Metadona.

A�, pensei, aproveitando
sua estadia aqui,

o lado positivo, que tal
um passeio na farm�cia?

Voc� tem uma sa�de magn�fica,

mas talvez seja bom parar
com a droga um tempinho.

O m�dico n�o d� nada
para ajudar voc�?

Sim, esse maldito Subutex.

Tomo 5 vezes a dose
para ficar um lixo.

Mas eu me permitiria
um pequeno prazer.

H� algo que o agrada?

Tem certeza que est� a�?
Onde? Aqui?

Sim.

Acho que est� ali. A chave...

Venha, venha!

Acalme-se, fa�a-me o favor.

Obrigado.

- N�o gosto muito de Rohypnol.
- Advogado, � preciso se apressar.

Ventoline, Cortancyl...

Tem Halcion! Voc� nem imagina!

Oh, Melleril!

Artane!

- J� chega.
- Espere, o Atrarax! J� vou!

� o Dr. Mamanne.
N�o estou incomodando?

Eu queria perguntar-lhe

o telefone do hospital e tamb�m
o n�mero do fax, porfavor.

Voc� � um amor, obrigado.

Posso dar meu telefone.
Qual o seu nome?

- Nadine.
- Nadine. At� logo, Nadine.

Ag�ente, amigo. D�-me dois dias.

� a sua vez, Sr. Vuillard.

Se quiser, Elias pode ficar
mais 5 ou 10 dias.

N�o, preciso lev�-lo.

Vou falar com ele agora.

- Ainda est� longe?
- N�o, s� mais uns 5 minutos.

Est�o num piquenique no rio.

Antes de ir, vai lev�-lo para ver
o av�?

N�o posso.
Est� com tubos por todo lado.

Quer que o procure?
Est�o l� embaixo.

N�o, eu vou.

Tem um cigarro?

Vou deix�-los, t�m muito para
conversar.

N�o sei como dizer para voc�...

- Por que voc� veio aqui?
- � por causa do seu av�.

Eu estive no hospital ontem
e hoje tamb�m.

Ele est� gravemente doente.

- Est� morto?
- Ainda n�o.

- Vou lev�-lo para Paris.
- N�o! Eu n�o ligo!

N�o me importa!
Nem ligo, nem ligo!

Tudo bem, tudo bem...

Elias! Volte!

- Nora, est� me ouvindo?
- Sim.

Reservei as passagens para Paris.
N�mero...

� 25223...

e 25224. Voc� tem que ir...

ao guich� da Air France;
elesj� foram avisados.

A que horas � o v�o?

Droga! N�o estou com o hor�rio.

Mas � daqui a pouco.

Descubra o hor�rio, Claude.

Estou procurando, sinto muito.

N�o tem bagagem para fazer
check in?

N�o.

Acho que ainda d� tempo.
Mas se apresse, � o �ltimo v�o.

Passe-me o hor�rio, Claude.

O avi�o para Paris,
n�o sei o hor�rio.

Sinto muito, o embarque
j� encerrou.

Disseram que o embarque
j� encerrou.

Voc� o perdeu?

Vou arranjar-lhe um trem.

Acho que h� trens mais tarde
em Grenoble.

Mas o aeroporto � muito longe
de Grenoble.

Eu sei, mas volte para Grenoble,
d�-me 2 minutos,

vou procurar os hor�rios dos trens.

Nora? Estou com os hor�rios na tela.

Tem um que parte �s 21:30h.

- Esta��o de Grenoble.
- Tarde demais.

S�o 21:12h, tem 10 minutos.

S�o 21:12h, tem 10 minutos.

Nunca chegarei.
Perdi 1 hora no aeroporto.

Nora, n�o dirija r�pido demais.

Achou o telefone de Ismael?

Ainda n�o.

R�pido, r�pido, r�pido!

Vamos depressa!

Senhora, o �ltimo trem para Paris.

N�o, o das 21:12h.

J� partiu, senhora.

N�o quer dormir a�?

Preciso estar em Paris hoje.
Voc� n�o entende!

Arranjo-lhe um hotel.
Tenho um guia de Grenoble.

E amanh�, pega o primeiro v�o.

N�o, irei de carro essa noite.

Mas voltarei amanh� a Grenoble
para ver meu pai.

Reserve uma passagem
Paris-Grenoble.

Est� bem, amanh� reservaremos
todas passagens que precisar.

Mas acho que devia
procurar um hotel.

Cale a boca, Claude!

Desculpe-me.

Conseguiu achar Ismael?

N�o. Tentei os dois n�meros
que me deu.

Parece que est� hospitalizado
n�o sei onde.

- N�o me disseram.
- Passe para o meu marido.

Al�! O patife do Ismael sumiu
mais uma vez.

N�o se preocupe, eu vou ach�-lo.

N�o est� cansada demais?
Tenha cuidado.

N�o, tudo bem.

Voc� sabe, o av� era tudo
para Elias.

Achei uma bab�,

que � muito boa.

Ela dormir� aqui
a partir de amanh�.

Ela cuidar� de Elias.

Posso lev�-los � praia,
na Bretanha.

Pode nos encontrar l�.

Elias n�o gosta de voc�.
Preciso achar Ismael.

Elej� n�o tem um homem por perto.

S�o s� algumas horas.
Eu prometo. Tudo bem?

Eu estou sozinha.

N�o sabe o que � ter um filho
sozinha,

cri�-lo sozinha,

N�o quero que meu pai morra
no hospital.

N�o o deixarei no hospital.

� a melhor hora,
a gente fica em paz.

Um momento �ntimo.

Devia ir dormir.

S�o duas horas da manh�.

N�o estou cansado.

Voc� tomou os seus rem�dios?

Sim. N�o adiantou nada.
Isso � para caras fracos.

Que sa�de!

- Chegou gente nova?
- N�o � permitido dizer.

Garotas?

Tem uma chinesa.

- Quem � a chinesa?
- Ora, uma chinesa.

- Sim, mas quem �?
- Uma freq�entadora.

A ambul�ncia a trouxe esta noite.

- Ela � bonita?
- Nada mal.

Vou dar uma olhada.

Tudo bem?
N�o est� muito cansado?

N�o, n�o.

Voc� dormiu como um gatinho.

N�o assustei voc� quando gritei?

N�o me assustei.

- Chegamos em Paris?
- Ainda n�o, quase.

N�o coma o chocolate
antes da salada.

Eu adoro!

Mas n�o � refei��o
para um garotinho.

Sou uma p�ssima m�e.

Est� no quarto 212?

Sim.

Posso pegar um cigarro?

Seus bra�os... cortou as veias?

Sim. Isso foi meio idiota, n�o �?

N�o, � triste. Voc� �jovem.

� a minha quinta tentativa.

Mas n�o s�o suic�dios.
S�o pedidos de socorro.

E a�? Algu�m ajuda?

N�o muito. Meus pais,
a ambul�ncia.

�...

E voc�? � maluco?

N�o. Foi um errojudici�rio.

Est� a fim?

N�o me revistaram.

Voc� n�o parece muito louca.

E entendo um pouco disso.

Voc� parece preocupada.

N�o foi boa a conversa
com o psiquiatra, vacilei.

N�o dei boas respostas.

Se serve de consolo,
tamb�m n�o fui bem.

Mas estou contente:
Uma semana sem aula.

O que voc� estuda?

Sinologia. Estudo chin�s.

E vai bem?

N�o. Falto de prop�sito
em todas as provas.

E os seus pais?

S�o horr�veis. Moram no interior.

Alugaram-me um quarto
de empregada.

Sou o xod� deles, a esperan�a,
e fa�o tudo para decepcionar.

E voc�, o que faz na vida?

- Sou violista.
- Numa orquestra?

N�o, eu n�o tenho
esp�rito de grupo.

Ah, bem...

- E � legal viola?
- Sim. Varia.

Mostre as m�os.

N�o tem m�os de violista.

Tenho as m�os do meu pai.

N�o quer que usemos
o primeiro nome?

N�o. Desculpe, come�amos
usando o primeiro nome e

em 15 minutos vai pegar meu pau
e me sentirei obrigado

a deitar com voc�.

E agora n�o tenho for�as
para romance com mulher.

Ainda mais de sua idade.

Nada de primeiro nome.

� melhor.

Dra. Vasset?

Sra. Cotterelle, seja bem-vinda.

Venha.

Conhece Ismael h� muito tempo?

Que tipo de homem ele �?

Se tivesse irm�o, queria que fosse
como ele.

Pode me dizer onde � o banheiro?

- Ali.
- Obrigada.

Que diabos veio fazer aqui?

Vim por causa de Elias.

N�o, n�o.

Por que n�o pede isso ao seu novo
marido? Por que eu?

Elias gosta muito de voc�.

Bem, voc� vai se casar com
seu gangster daqui a 15 dias.

E eu estou trancado aqui
como louco.

Sem direito de sair,
nem de passar um cheque.

Mas n�o entendo:
Voc� me d� o fora,

e vem pedir a um ex-amante
para adotar o seu filho.

J� nos divorciamos.

N�s nunca fomos casados.

N�o seja escabrosa, d� no mesmo.

Se eu morresse agora,

ele n�o teria mais fam�lia.

Ele teria a tia, n�o �?

E n�o lhe acontecer� nada,
est� com �tima apar�ncia.

Voc� foi pai dele dos 2
aos 8 anos.

Ele fala o tempo todo de voc�.

Voc� o p�s na cama por 6 anos.

Com voc�, ele aprendeu
a contar hist�ria.

Com voc�, ele aprendeu
a falar, a escrever.

H� muitos garotos que dizem:

"Mam�e, vou preparar
meus apetrechos"?

Voc� nunca liga para ele.

N�o gosto. � um saco ligar
para crian�a.

Quero que voc� seja o pai dele.

� s� assinar um papel.

Que absurdo.
Devia ter pedido h� um ano.

Tente subir.

Venhajunto comigo.

Agora n�o � uma boa.

Perguntarei ao advogado;
acho que n�o posso assinar nada.

Ele sempre o chama de "senhor".

Quando Jean-Jacques
lhe d� presentes,

ele se nega a brincar com eles.

Jean-Jacques � muito paciente
e respons�vel.

Muito diferente de voc�.

E voc�s se d�o bem na cama?

Ele n�o � muito chegado.

Por um lado, fico tranq�ila.
De noite, ele fuma.

- Fuma o qu�?
- Haxixe.

Pois �, e fica deitado. � isso a�.

Nos fins de semana, usa hero�na.
�s vezes, eu o acompanho.

E trepamos �s vezes, claro.

- Mas n�o � o principal.
- Agora diz "trepar"?

O qu�?

"Trepar", voc� nunca usava essa
palavra quando estava comigo.

- Ele fala assim?
- Acho os seus eufemismos infantis.

Que eufemismos?

Tipo "dormir", essas bobagens.

Agora, eu digo "trepar".

E quando "trepam", como �?

Ele goza r�pido.
Na verdade, eu tamb�m.

N�o � como era com voc�.
� mais simples.

Aposto que achou v�rias idiotas
depressivas...

- para alegrar sua estadia aqui.
- Certamente.

O que voc� quer de mim?

Queria que ficasse aqui
o resto da vida,

quejamais sa�sse,
para pagar seus pecados.

Se eu tivesse ficado,
em 2 anos enjoaria de mim.

Eu tinha 33 anos.
Para homem � pouco,

masj� sou uma mulher velha.

Ela � bonita.

�, ela n�o est� mal.

Isso quer dizer que ainda a ama.

N�o, eu n�o creio.

D�i saber que nunca serei
uma mulher assim.

Repare, ela parece bem idiota.

N�o quer que eu v� com voc�?
Posso voltar amanh� ao meio-dia.

N�o, prefiro me instalar sozinha.
Sen�o, ser� pior depois.

Sei que n�o �
o momento adequado, mas...

Que maravilha!

� para o casamento.

Eu pretendia dar quando
voc� voltasse de Grenoble.

Voc� quer adiar a data?

N�o, j� est�o correndo
os proclamas.

Est� bem.

PARTE Il:
CRU�IS LIBERTA��ES

Sra. Nora?
Bom-dia, sou a Sra. Seyvos.

Bom-dia.

Sou eu que vou
cuidar do seu pai.

Fa�o isso bem.

Fa�o isso muito bem.

O qu�?

Nada,
contei de um a dez.

Bom-dia.

Bom-dia.

N�o lembra de mim?
Sou Virag.

Sou o editor do seu pai.

Ah, sim, desculpe.

Louis chegou agora?

Sim. E n�o pode receber visitas.
Est� cansado demais.

� s� uma palavrinha.

� lindo. Estava olhando
enquanto esperava.

Daria uma bela capa de livro.

Trouxe-lhe isto de Paris.

Trouxe as primeiras provas
do novo livro.

� maravilhoso.
� um escritor maravilhoso.

- Ele precisa termin�-lo.
- �.

- � um romance?
- Romance? N�o.

� uma esp�cie de di�rio.
� o terceiro volume.

Sabe onde ele guarda
as anota��es dele?

N�o quero mexer
nas coisas dele.

Para mim e minha irm�,
a mesa dele era sagrada.

Claro.

Ele est� morrendo.

Mas ele vai querer
terminar o ano de 2001.

Tome, entregue para ele
quando estiver descansado.

Coragem, senhorita.

Vou cumpriment�-lo.

CAVALEIRO SOLIT�RIO

Os homens me usam
porque n�o pe�o nada.

Hoje decidi que isso acabou.

Que bom,
� uma boa resolu��o.

Suic�dio, anorexia, acabou.
N�o farei mais.

Bem, se quiser dormir comigo,
quero umas p�lulas.

O qu�?

N�o h� nada aqui.
Tercian � horr�vel, l�tio � in�til.

Eu gostava do Motival,
mas foi proibido.

Se o curso de chin�s n�o for bem,
pode fazerfarm�cia.

�, eu seria �tima.

Porfalar em farm�cia...

E a�?

A�, senhorita...

� seu filho ou sobrinho?

� meu filho.

Seu pai pediu para
p�r a foto na mesa de cabeceira.

Ele � bonito.

Lembra-se que Virag esteve aqui?

Disse que voc� queria
revisar o di�rio.

Sei como �.
A intuba��o � dolorosa.

Machuca a laringe.

Mas agoraj� respira melhor.

Depois que o m�dico vier,
vou tirar o tubo.

Papai, solte-me...

Pare!

Pare!
Est� me machucando!

Senhor, porfavor!

Porfavor, senhor!

Bem...

Quem vai aonde?

Senhorita, n�o, sinto muito.

Preciso descansar de garotas.

Tudo bem.

- � porque sou magra?
- O qu�?

N�o o atraio sexualmente
porque sou muito magra,

os seios, a bunda...
prefere as grandes.

Voc� est� muito bem.

- Mas prefere as maiores.
- �.

Boa-noite.

Louis?

Louis?

Levantou-se sozinho?

N�o consegue dormir?

N�o.

Terminou o seu livro?

Estou revisando.

Devia descansar.

Preciso mandar dinheiro
para sua irm�.

Sim, eu sei.

Falamos no telefone,
ela est� vindo.

Elias est� em Paris?

Sim.

Pedi a Ismael que o adote.

Ensinei a voc�
a n�o mostrar os sentimentos.

�.

Tenho medo de sentir dor.

Voc� vai melhorar.

"Naquele tempo,
eu era adolescente.

Tinha s� 16 anos ej�
nem lembrava da inf�ncia.

Eu estava a 100.000 km
de onde nasci.

Estava em Moscou, a cidade de
1003 campan�rios e 7 esta��es.

N�o enjoava de
campan�rios e esta��es.

Minha adolesc�ncia
foi t�o intensa e louca,

que meu cora��o, alternadamente,

queimava como o templo de �feso,
ou como a Pra�a Vermelha...

quando o sol se p�e...

e meus olhos exploram
trilhas antigas...

Eu era t�o mau poeta,
que n�o sabia ir at� o fim."

- Aonde vai?
- Vou me deitar.

N�o quer ficar?
Sei que est� a�.

Voc� � um nojento.

N�o!

N�o vou abrir.
Devia ter levado a chave.

S�o 3 da manh�, Nora.

Voc� me troca
pelos seus amigos.

� totalmente irrespons�vel.

Voc� n�o � um homem,
� uma crian�a narcisista.

�, sou crian�a.

E voc� tamb�m � crian�a.

Voc� est� furiosa.
Est� assim h� meses.

Desculpe-me por chegar t�o tarde.

Estou gr�vida,
voc� n�o pode me deixar.

Isso � absurdo!

Escute, se n�o abrir,
vou derrubar a porta, certo?

Eu o pro�bo!

Ent�o, abra.
Vou entrar pelajanela.

Ajanela do quarto est� aberta.

� rid�culo, mas se n�o abrir,
entrarei pela sacada.

Est� certo?

- Voc� vai cair.
- L� vou eu.

N�o! Eu o pro�bo!

Voc� est� no inferno, Pierre.

Eu sou o seu pesadelo.

Voc� � um defunto, est� no inferno,
e eu sou o seu pesadelo.

Voc� � maluca! Saia!

Sonhou com o qu�?

Pare de me torturar.

Mas � uma boa not�cia
a sua gravidez, caramba!

N�o � uma doen�a.

N�o est� doente,
est� gr�vida!

Est� esperando um beb�!

O que devo fazer?

Trabalho 14 horas por dia,
eu cuido de tudo.

E voc� me acorda toda noite
para me encher,

para sussurrar seus horrores.

Vertendo seu veneno
nos meus ouvidos.

Meu Deus!

Nos conhecemos h� 6 meses,

voc� estava t�o linda,

n�s transamos
e voc� ficou gr�vida.

Que bom, ainda bem.

Faremos o que voc� quer.

Mas me deixe em paz!

- Vai acordar os vizinhos.
- Danem-se os vizinhos!

Voc� n�o se segura, isso � nojento.
N�o quero ser o seu len�ol.

Cale-se!
Voc� � maluca.

N�o a quero
porque � maluca!

Voc� n�o assume nada,
age como um frouxo.

Comigo e no seu trabalho.

Voc� me ignora
e mora na minha casa.

Cale-se! Est� me enchendo,
vai calar essa boca?

Vai calar a boca?

N�o calo.
O que vai fazer?

Quero dormir.
Cale essa maldita boca!

N�o v� que estou pirando?

O que est� fazendo?

Olhe!

Olhe o que estou fazendo.
Quero dormir!

- Um tiro no cora��o. Olhe!
- Voc� n�o ousaria.

- Cale-se, cale-se!
- Voc�jamais ousaria.

Olhe, olhe... cale-se!

Chamem uma ambul�ncia.

Meu amigo vai morrer.

Chamem uma ambul�ncia.

Meu amigo vai morrer.

Ajudem-me...

ajudem-me!

J� pode ir dormir agora.
S�o 5:30h.

At� logo.

- Nora...
- Sim, papai.

Voc� sabia que Pierre
tinha uma arma?

N�o, eu n�o sabia.

Voc� n�o ouviu
quando ele foi peg�-la?

Eu estava dormindo.
Ele chegou tarde.

E como ele conseguiu entrar
sem acord�-la?

Ele n�o tinha chave.

Eu n�o sei.

Talvez eu n�o tenha ouvido.

S�o dois c�modos. S�o 6 metros
da porta at� a sua cama.

N�o abri para ele
porque estava irritada.

E depois?

N�o sei de mais nada.

Ele foi at� a escrivaninha.

Acho que adormeci de novo.

Foi o tiro que me acordou.

E n�o sabia que ele tinha
um rev�lver escondido na gaveta?

N�o.

Foi um acidente.

Disse � pol�cia que amanh�
iremos cuidar dos pap�is.

Durma bem, querida.

Os vizinhos devem
ter ouvido voc�s.

� melhor dizer � pol�cia
que n�o quis abrir para ele.

E ele entrou pelajanela.

Voc�s discutiram
E voc� adormeceu.

E voc� n�o sabia do rev�lver.

Papai...

talvez haja minhas digitais
no rev�lver ou na gaveta.

�s vezes,
brinc�vamos com ele.

N�o, estive no apartamento hoje.

Passei pano molhado em tudo.
J� n�o h� digitais.

Voc� n�o sabia de nada.
Foi um suic�dio.

Senhora...

Senhora...

Senhora!

Solte-me!

Saia daqui!

Saia daqui!

Solte-me!

Venha, minha crian�a.

Queridinha.

Minha menina.

Venha, minha crian�a.

V�.

N�o me toque.
Odeio ser consolada.

Voc� n�o sabia disso.
Via-me como uma pobre vi�va.

Todos com pena de mim
todos esses anos.

E eu n�o podia dizer
que era culpada.

� mil vezes pior
mentir o tempo todo...

durante sete anos.

N�o ag�ento
o olhar dos seus pais.

N�o posso pedir sua piedade
porque eu o matei.

Isso n�o � verdade.

Olhe, voc� n�o me assusta.
E se fez isso, nem ligo.

Se o matasse,
meu cora��o sangraria.

N�o, eu seguro seu cora��o na
minha m�o como um passarinho.

Que coisa excitante,
uma assassina, imagine!

Elaj� matou um, mas
vou sobreviver. Credulidade.

Que idiota presun�oso eu era.

Em outras palavras, quando
uma mulher significa amea�a,

apaixone-se por ela.

Ela precisava de ajuda.

Voc� n�o gosta de pensar
que uma mulher agiu mal, n�o �?

Ser� que voc� acharia
t�o charmosa

a confiss�o de Nora
se ela fosse menos bonita?

Sim, acho que sim.

Vou colocar a quest�o
de outro modo.

Para quem voc� arranjaria
mais desculpas,

para uma mo�a feia
ou uma mo�a bonita?

Acho que eu n�o faria distin��o.

Seria errado criticar mais
a feia que a bonita,

se as duas fizeram o mesmo.

O que o impedia
de enfrentar Nora?

Tivemos algumas discuss�es.

N�o importa onde moro,
mas com quem.

� porque n�o tem filho.
Isso n�o � um lar.

N�o tive tempo.

Transando com a violoncelista.

- "Uma" violoncelista.
- Nem ligo, perdi o orgulho.

Preciso proteger meu filho.

E seu filho me ama,
voc� me ama, � assim.

Isso me parte o cora��o,
mas � pelo meu filho.

Isso parte o meu cora��o.
Fique!

N�o posso. Est� acabado.

Elias n�o � obra
do Esp�rito Santo.

Nenhum pombo entrou
pelo seu traseiro.

Pare de bancar a
santinha comigo,

e de usar seu filho como escudo,
santa do pau oco!

Desculpe, desculpe...

Mas, no final,
sempre pede desculpas.

�. Minha vida � um desastre.

Por qu�?

Ora, doutora, o hospital.

Venho aqui de pijama.

Devo 700 mil francos
de impostos.

E preciso que meu pai assine
os pap�is da minha tutela.

Isso � pat�tico.

Muito bem. At� quinta-feira.

Obrigado.

At� logo.

Nora pediu-me para
adotar seu filho.

Est� fora de quest�o
a ado��o de Elias.

Chlo�, estou lhe dizendo,

ele est� derretendo, � assustador.

Perdeu 12kg em 3 dias.

Est� derretendo
diante dos meus olhos.

Voc� precisa vir.

Ele sente dor.

Ele pede doses
cada vez mais fortes.

Bom-dia, dormiu bem?

Muito bem.

- Ol�, Arielle.
- Ol�.

Bom-dia, Arielle.
Quer ch�?

N�o � para mim.

Queria uma bandeja para
o sr. Vuillard: Caf�, croissant.

Vou p�r isso tamb�m.

Bom-dia.

Seu advogado � um homem
muito entusiasmado.

Ele � muito dedicado.

Ele � muito charmoso,
cheio de energia.

Gosto muito dele.

Bem.

Voc� tem planos
para quando sair?

Voltar para o meu quarteto,
fazer as grava��es.

N�o queria deix�-lo no vazio.

Tome.

- Sabe o que h� aqui?
- Sim, eu assineijunto.

- O que h� aqui?
- Isso n�o posso dizer.

Deve abrir sozinho,
� parte do tratamento.

Prefiro abrir l� fora, depois.

Eu era como voc�,

tinha um prazer maligno
em ignorar documentos,

regulamentos e
quest�es de dinheiro.

E tive que me adaptar.
Isso n�o � t�o dif�cil.

Voc� deve abrir o envelope.

- Mas posso sair?
- Sim, voc� est� livre.

Agora?

Sim, agora.

V� tirar suas coisas
do quarto.

J� lhe disseram que � linda?

Sim, ou�o muito isso.
Obrigada.

Vou pegar minhas coisas.

Seu advogado
o aguarda l� fora.

Que maravilha!

Coragem, Sr. Vuillard.

E ent�o?

Estou livre.

Vou pegar meus apetrechos.

Ah, que legal!

Amarei voc� melhor
que suas outras mulheres.

Devia desconfiar
um pouco de mim.

Voc� n�o � muito complicado.

Voc� n�o me assusta.

Enquanto n�o me arraso,
sinto que n�o estou apaixonada.

Muito obrigado, at� logo.

Obrigado, tchau.

Arielle! Arielle!

Ligarei para voc� todo dia,

para dar not�cias
do mundo real.

E vou libertar voc�.

Livre!

Reconhece esses homens?

N�o me encha
com suas bobagens.

N�o sei quem s�o.

Mercier e Landeau, fisco.

Ah, os sacanas!

Ele � gordo, come muito.
Eles comem o tempo todo.

Acho que vacilei um pouco.

Tenho 2 not�cias:
Uma boa e uma ruim.

A ruim � que perdeu
sua casa. Confiscada.

E a boa?

N�o me lembro.

Tirei suas coisas
antes de lacrarem.

O atestado da psiquiatra.

� isso a�!

O que voc� quer dizer?

� isso a�, temos o papel.

Louco, com certificado "kosher",
v�lido at� 1995.

Assinado pelo tribunal rab�nico
da psiquiatria de Paris.

O fisco est� imobilizado.
E o confisco da casa � tempor�rio.

Em duas semanas,
fa�o o tribunal devolver.

Ent�o, sou louco?

Sim... n�o.
Esteve louco em 1995.

Por isso, n�o nos podem cobrar
as despesas desse ano.

Ah, bom. E agora?

Como assim?

Isso de ser doente mental...

Acho que precisaremos de
uma retrata��o de sua irm�.

De minha irm�?

Sim, da louca.

Elizabeth!

Elizabeth!

O que voc� faz aqui?

Bem, sa� do hospital...

- Ol�, Nico.
- Ol�.

Vim para tranq�iliz�-la.

Temos que nos apressar, Babeth.

Sabe que me trancaram
por 10 dias?

Sei.

Est� frio, n�o �?

Trouxe um documento
de retrata��o...

Voc� est� arruinando
o nome da fam�lia.

- Seu colega Christian me alertou.
- Christian?

Fiz o melhor, parece que
andou se excedendo.

Voc� saiu com um disfarce,
na chuva, com sua viola Amati.

Christian pediu-me
para assinar os pap�is.

Venha, querida.

Mas por que Christian
pediria isso?

N�o quero falar com voc�.
Euj� vou.

Ele escreveu a noite toda.
Terminou o livro.

Pediu que enviasse
ao Sr. Virag.

Eu sei. Como ele est�?

Ele recome�ou o processo
de "dessatura��o".

Tive que coloc�-lo de novo
no oxig�nio.

Seu pai tomou muita morfina.

Demais. Se ele aumentar a dose,
isso vai mat�-lo.

� preciso tirar o h�bito.

Vamos suspender a morfina
por dois ou tr�s dias,

para que ele se desabitue
um pouco.

Depois, podemos recome�ar
com doses mais leves.

N�o quero que ele sinta dor.

De todojeito,
ele est� condenado.

N�o pode dizer
que est� condenado.

Est� muito mal,
mas agora est� vivo, n�o �?

Voc� n�o pode salv�-lo.

Ele sente dor o tempo todo.

E ele tem medo,
um enorme medo de morrer.

�, isso d� medo.

O que posso fazer?

Pode agir como filha
e esperar um milagre.

H� milagres em casos
de c�ncer de intestino?

N�o...

Mas voc� pode rezar com f�
para que haja um.

Eu devo rezar?

N�o � que deva,

mas o que mais pode fazer?

Voc� reza?

Eu espero com todas as for�as...

que aconte�a algo imposs�vel,
algo m�gico.

E assim, enquanto seu pai

luta contra a doen�a,
voc� reza com for�a.

N�o suporto v�-lo sofrer
inutilmente.

Christian!

Boa-noite.

Ainda no est�dio a essa hora?

Pois �.

Desculpe pelo
saco de dormir.

O fisco tomou meu apartamento.

Desculpe pela semana passada.
Gravaram?

Tivemos que
achar um substituto.

Ah, muito bem.

Quero agradecer por
preocupar-se com minha sa�de.

Voc� ligou para minha irm�.

Mas ela acabou me internando.

Conhece Elizabeth,
ela � meio exagerada.

Fui eu que lhe aconselhei
a interna��o.

Estou comovido.
Voc� se preocupa!

Passei por uns maus bocados
ultimamente.

Mas agora estou melhor.

N�o deve ter sido f�cil
me ag�entar.

Vou retomar o trabalho.

N�o estava preocupado
com sua sa�de.

Ah, n�o?

� porque n�o suporto voc�, sabe?
Faz tempo.

- Desde quando?
- Cerca de 10 anos.

Ap�s sua est�pida
ruptura com Nora,

decidi que o colocaria
para fora do meu quarteto.

Por que teria que
suportar sua vaidade,

seu desprezo,

sua neglig�ncia,

sua postura de g�nio?

O violista brilhante, precoce.

G�nio nada!
Seus estados de humor...

Tudo isso por tantos anos.

E como v�, disfarcei bem.

Eu era primeiro-violino,
mas ofuscado.

Seu s�cio leal,

seu primo cheio de
amor e admira��o.

Ap�s sua separa��o,
ligava muito para Nora.

Espere, ligou para Nora?

Sim. Quando vi como ela
floresceu sem voc�,

ap�s ser sufocada
por tantos anos,

senti que eu valia
tanto quanto ela.

Eu tamb�m merecia ganhar.

Em suma, decidi que ia
tir�-lo da minha vida para sempre.

Por que disse "meu quarteto"?

Voc� � t�o vaidoso,
� impressionante.

Bem, ent�o,
acho quej� vou.

Acho que vou levar minha viola.

Sua viola?

A Funda��o Gulbenkian
emprestou-lhe.

Com licen�a um segundo.

Estou gravando isso,
para o caso...

N�o se emprestam violas de
4 milh�es de francos a loucos.

O quarteto vai guard�-lo.

Seu substituto adorar� cuidar
dela com respeito e seriedade.

Boa-noite.

Esqueci, se quiser seu poncho,
est� na lavanderia.

Boa-noite.

Al�, mam�e?
Sim, � Ismael.

Sim, j� sa�,
foram muito gentis.

Ser� que minha viola
ainda est� a�?

Aviola do tempo da escola.

Bem, vou me acostumar.

Talvez eu v� fazer-lhe uma visita.
Um beijo.

Droga!

"E meu ala�de estrelado
traz o sol negro da melancolia."

Onde desligo isso?

O bot�o de cima. Ali.

Um beijo para Rachel.

A que horas constatou a morte?

�s 3:46h da madrugada.

Causa da morte?

Queda de press�o
e parada respirat�ria.

O Sr. Jenssens estava
em fase terminal.

Morfina?

N�o. Diprivan e Hypnovel.

- Foi voc� que o ajudou?
- Eu n�o podia.

Foi ela que o ajudou.
Est� dormindo l� na sala.

Ela est� sem dormir
h� tr�s dias.

Senhora...

Bom-dia.

Eles v�o levar o corpo.

ENTRE OS MORTOS

"Prometi que a grande inunda��o
n�o cobriria mais a Terra.

Prometo hoje
n�o mais me irritar contra ti,

e n�o te amea�ar mais,

ainda que os montes
mudem de lugar,

ainda que as colinas estreme�am,

o amor que tenho por ti
n�o mudar�jamais,

e o meu empenho em assegurar

tua felicidade
continuar� inabal�vel.

Sou eu, o Senhor, que digo a ti,

minha miseric�rdia
n�o se apartar� de ti."

Voc� o despachou sem me avisar;
� um monstro.

Voc� n�o estava.

Disse-lhe no telefone que vinha.

Passei tr�s dias aqui
com ele agonizando.

E isso lhe d� o direito?

� f�cil para voc�. Banca a doida,
nunca � respons�vel por nada.

Voc� n�o falou
com os m�dicos.

O trabalho sujo sempre � comigo.

Papai n�o podia ficar sozinho,
e eu estava desorientada.

Voc� n�o viu como
ele estava sofrendo.

Achei que era
o melhor a fazer.

Ele estava com 40kg,
todo amarelo...

Eu n�o queria que ele sofresse.

Ele parecia uma crian�a,
eu queria proteg�-lo.

Lembra disso?

Que vergonha!

Arrumou o quarto do papai?

Vou fazer isso agora.

"Minha filhinha querida,

voc� foi de um ego�smo monstruoso.

Acho que foi, em parte
por culpa minha...

que voc� tornou-se o que �.

Gostaria de n�o am�-la,

mas das duas filhas que
eu e sua m�e tivemos,

voc� era a mais linda.

E voc� precisava me seduzir.

E eu precisava ser seduzido.

Eu estava s�,
sua m�e vivia no hospital,

e isso facilitou as coisas
para voc�.

Amei voc� como um louco
por todos esses anos.

Sua irm� se fechou,

e voc� desabrochou.

Cada dia, mais agressiva,
mais insolente,

�spera, fria,

superficial.

E n�o pude evitar
meu amor por voc�.

Agora, sinto por voc�
um �dio

que n�o some nem estando
com o corpo em frangalhos.

Eu fervo de �dio...

diante de sua rebeli�o cruel.

Sou culpado, pois tornei
minha filhinha arrogante.

Amava tanto o seu orgulho.

Igual � coalhada, sua arrog�ncia
virou uma vaidade azeda.

Seu orgulho virou
uma afeta��o est�pida.

Hoje, voc� � uma pessoa amarga

como eu, filhinha.

� mesmo minha filha.

Por tr�s de seu riso seco,

acha que n�o vejo
como se diverte?

Diverte-se, porque apesar
do orgulho enfraquec�-la,

sua amargura lhe d�
uma for�a terr�vel.

Voc� era t�o submissa.

At� que descobri,
por tr�s de sua submiss�o,

uma vontade e uma inveja,

que me encheram de terror.

Tenho medo de voc�.

Odeio voc�, minha filhinha.

Estou morrendo.

E acho injusto que
eu morra e voc� viva..."

O que foi?
Est� toda vermelha.

N�o, tudo bem.

"Queria que voc� tivesse
o meu c�ncer, que sofresse.

Queria ter tempo de perdoar voc�
ap�s a sua morte."

- Quando far�o a mudan�a?
- Amanh�.

"Ent�o, morro cheio de �dio.

N�o suporto que
voc� sobreviva a mim.

Eu queria que voc� morresse
no meu lugar,

e isso n�o � poss�vel."

E Jean-Jacques?

Volta amanh�...

para levar tudo.

- Voc� vai conosco?
- Sim.

Simon, voc� veio me esperar!

- Que chap�u!
- Chique demais para voc�.

Parece bem de sa�de.

Por que trabalha at� tarde
na sua idade?

Se n�o ficarmos abertos
at� �s 22h,

teremos que fechar
para sempre.

- E mam�e?
- Est� em casa.

Ela abre pela manh�.

Felizmente, seu primo Simon
nos ajuda...

enormemente.

� Chernobyl.

Max, olhe o visual.

N�o tem cerveja?

N�o temos �lcool,
mas temos refrigerantes.

- Que porcaria de mercado � esse?
- Refrigerantes, ele disse.

Tome, papai, assine aqui.

Tem certeza
sobre essa ado��o?

- Sim.
- O pequeno Elias.

Sim.

N�o tem cerveja?

N�o tem nada nesta espelunca?

Cerveja n�o tem.

Nem da marca "Desp�"?

Nenhuma cerveja.

Passe a grana!
N�o brinque comigo! Agrana!

Vamos, passe a grana!

O que est� fazendo?
Bunda no ch�o!

N�o me olhe,
ou ser� a sua �ltima vis�o.

Abaixe os olhos. Abaixe!

Est� bem, n�o olho.
Abaixo os olhos.

A grana!
Pare de sorrir, idiota.

N�o brinque assim comigo,
porfavor!

Acalme-se, olhe...

N�o, papai, pare,
est�o armados.

Vou queimar voc�!

Aperte o gatilho,
e perder� suas bolas.

Fa�a um favor para si mesmo.

Max, espere,
n�o d� a arma...

Marcello, tudo bem?

Tudo bem, n�o se preocupe.

Acho que minha perna
est� quebrada.

Ei, garoto, seu colega
est� machucado.

Droga! Vamos dar o fora!

O outro foi embora.

Temos duas pistolas
e voc� est� s�.

N�o tem nenhuma chance.

Jogue sua arma
e eu o deixo sair.

Est� bem assim?

E leve seu colega,
ele n�o pode andar direito.

Machuquei a perna.

At� logo, senhor.

Sem ressentimentos.
Acabou.

Papai, precisa fechar
esse maldito armaz�m.

N�o � preciso
que se preocupe.

Ah, n�o?

Sua irm� sempre foi
um pouco nervosa.

�.

Est�o chegando.

A m�e de voc�s e eu quer�amos
consultar todos os filhos.

H� quase 20 anos
o primo Simon mora aqui.

E tenho orgulho do modo
como o acolheram

quando ele veio
ap�s a morte da m�e.

Simon � teimoso,
n�o se reconciliou com o pai.

Ele quer deserd�-lo.

Mas o pai n�o tem muitos bens.

Eu e sua m�e estamos
envelhecendo.

E achamos que seria bom
regularizar tudo antes de morrer.

Abel...

Pois �, estou pensando em
adotar Simon legalmente.

J� � tutor de Gilles,
agora quer adotar Simon?

Mas, querida,
Gilles � muito diferente.

Agora seria
uma ado��o "simples".

Simon tem pai.
Sua m�e e eu...

sempre lhe dizemos isso.

N�o se trata de
uma ado��o "plena".

Ent�o, por que adot�-lo?

Sabe que Simon e o pai
nunca se deram.

N�s quer�amos deixar
algo para Simon.

E pensamos em dividir
por cinco,

se voc�s concordarem.

Delphine?

Fid�le?

N�o se adota qualquer um
por se desentender com o pai.

Ningu�m se entende.

Simon n�o � qualquer um
para voc�.

Voc� pensou em n�s?
� a nossa heran�a.

Perguntou-se
se precisamos de algo,

em vez de pensar
em dar nossa grana?

�, Monique.
Por que papai vai adot�-lo

se foi a m�e de Simon
que morreu?

Desculpe, Elizabeth,
n�o exagera um pouco?

� s� um gesto do papai.

Hoje, Simon � como um irm�o.

Espere, que papo � esse?

Voc� age como irm�o
comigo e os g�meos?

Ele veio aos 14 anos.

Ele tem problemas financeiros,
todos sabemos.

Estou sonhando?

Voc� nunca soube o que � fam�lia,
nunca mexeu

um dedo por ningu�m,
e vem dar serm�o?

Por que n�o adotar aquele cara
da escola que mam�e adora,

j� que est�o tratando disso?

Nounours � diferente,
n�o � nosso primo.

Nounours � um rapaz incr�vel.
Ele se esfor�a para subir.

Ele � o maior traficante de Roubaix.
Voc� n�o sabia?

Tinha que subir
de algum modo.

E qual de n�sj� n�o curtiu
alguma droga? O caf�,

o chocolate...

O que foi?
Voc� se queimou?

N�o sei.

Est� doendo?

N�o sinto nada.

Quando apareceu?

Nunca tinha visto.

N�o � nada.

Acabou.

Vim passar poucos dias,
volto esta noite.

- Para onde?
- Volto para Paris.

Ah, sim, a viola.

Quem � voc�?

Sou Monique, a m�e do seu neto.

� sua m�e?

� Monique.

E como voc� o teve?

Como assim?

Voc� o teve como?
Atrav�s de parto ou por...

- Ado��o.
- Ou por ado��o?

Atrav�s de parto.

Que bom.

E voc� � meu filho?

Claro, mam�e.

E como eu tive voc�?

Por ado��o.

Ah, � verdade.

Tamb�m � bom, meu filho.

Monique, d�-me isso
e v� beij�-lo.

- Obrigado.
- Eu que agrade�o.

Prosp�ro, voc� estava a�?

Sabia que ia gravar aqui,
ent�o, resolvi passar...

Que beleza!

�, n�o � ruim.
� vienense.

E l� no hospital? Tudo bem?

Sim, tudo muito bem.

A n�o ser os problemas
com Arielle, a chinesinha.

Foi para ECT,
eletrochoques sob anestesia.

Mais uma tentativa de suic�dio.

Ela est� em
tratamento ambulatorial.

Mas os pais querem intern�-la.

Voc� podia ligar para ela.

Sim, obrigado.

Arielle? � Ismael.

Ismael, como vai?

Estou �timo.
Com a for�a do trov�o.

Que bom.

Tive que dar um pulo no interior,

fui ver minha fam�lia, viajei.

Tudo se ajeitou,

e tenho um novo trabalho,

depois lhe conto.

Pensei em ir v�-la,
mas n�o fui.

Pensei muito em voc�.

E a sa�de?

- Tudo bem.
- Ah, isso me alegra.

Estou entediada.

A linha est� ruim.
N�o ou�o bem. Al�?

Eu estou ouvindo.

Vou ligar de novo.

A linha vai cair.

Lamento incomod�-la
neste belo dia.

Tudo bem.
� uma ocasi�o feliz.

- Entre.
- Pois �.

S� vim pegar
o texto datilografado.

Claro.

Aqui est�.

H� p�ginas arrancadas.

Sabe onde est�o?

N�o sei.
Ele deve terjogado fora.

Sei que as enfermeiras
se encarregaram de tudo.

Bem, muito obrigado.

At� logo.

Felicidades.

Quem �?

O editor do meu pai.

Vou pegar vinho na adega.

Onde estava? Fiquei preocupado.

Fui l� embaixo, pegar um vinho.

Parece preocupada.

Quer que expulse todos?

N�o, tudo bem.

- Tem certeza?
- Sim.

Est� bem.

Nora, vamos brindar.

AJean-Jacques e Nora!

Beleza, alegria, felicidade,
para Elias tamb�m!

Bom-dia, senhor.

Posso ver o documento do ve�culo?

Desculpe, mas me parece
que voc� bebeu.

Sim, mas estou estacionado.

E essa lata velha � minha.

Bem, ent�o, at� logo.

O isqueiro!

O de sempre?

"Tu quoque!"

Procuro por Arielle Ph�nix.

Procuro por Arielle Ph�nix.

Estou procurando por
Arielle Ph�nix.

"Ni shuo shen ma?"

Obrigado.

Arielle?

Ismael?

O que faz aqui?

Passei no hospital.
Soube que saiu.

Festa de bota-fora.

S�o tantos assim estudando
sinologia?

N�o, somos 12.
Mas falei da festa e a�...

� minha despedida.
Meus pais v�o vender.

Voltarei para Besan�on,
v�o me internar l�.

Vim para fazer umas
declara��es solenes.

Preciso falar a s�s com voc�.

Aqui vai ser dif�cil.

Arielle,

vim aqui lhe pedir perd�o.

Quase n�o liguei para voc�,
nunca escrevi,

n�o lhe fiz nenhuma
visita no hospital.

N�o quero que
me pe�a perd�o.

N�o me arrependo de nada.

Se magoei voc�, lamento muito.
� o melhor que posso dar.

- Tem medo de mim?
- E por que teria?

Como pode n�o ter medo?
� jovem, bonita.

E que mal h� nisso?

Deixe que me ajoelhe
diante de voc�.

- Est� tremendo.
- �, estou.

Porque vou lhe abrir meu cora��o.

Cometi excessos antes
de conhecer voc�.

Para saber detalhes,
fale com minha analista.

Darei o telefone quando casarmos.
Confirmar� que sou louco.

N�o sei o telefone,
n�o memorizo n�meros.

Estou cansada, Ismael.

Que absurdo,
eu nem trouxe presente.

- Tome o meu rel�gio.
- N�o quero.

Tome, ele funciona bem
e voc� precisa.

Veja bem, �s vezes, sinto
uma autoconfian�a incr�vel.

Mas, em geral, sinto-me um pobre
touro velho e cansado.

- Ismael, cale-se.
- Sim.

Quero que compartilhe
a vida comigo.

Acho que vou pedir que saiam.

EP�LOGO

Bom...

Senti a sua falta, garoto.

Faz um temp�o.

Sua m�e pediu-me para adotar
voc�.

- Voc� est� sabendo?
- Sim.

Ent�o, eu refleti...

e cheguei � conclus�o

que n�o � uma boa id�ia
eu adot�-lo.

Vim para lhe dizer isso.

Voc� n�o diz nada?

Pensando em id�ias...

� o seguinte, sua m�e e eu

ficamos t�o apaixonados,

que me aproximei de voc�

tamb�m.

Voc� tinha 3 ou 4 anos?

N�o lembro.

Como era amor de verdade
e voc� era pequeno,

era normal eu ador�-lo
e nos darmos bem.

Como lhe disse uma vez,

uma coisa da qual me orgulho
na vida

� conhecer voc�.

- � verdade?
- Sim, � verdade.

Logo, eu e voc� viramos
quase parentes.

N�o conheci seu pai,
mas acho que era legal.

Ele lhe deu tantas coisas:
Seu nome, seu rosto.

Voc�j� tem um pai.

Bem, ele est� morto.

Isso � triste.

E morreu antes de voc� nascer,
n�o � f�cil...

chorar por algu�m
que n�o conheceu.

H� uma poesia alem�

sobre um garoto cuja m�e morreu.

"Deiner Mutter Seele peitscht
die Haie vor dir her."

Isso significa: "A alma de sua m�e

a�oita os tubar�es diante
de voc�."

Esse poema me faz pensar
em voc�.

Acho que a alma de seu pai
o protege dos tubar�es.

Ent�o, n�o seria legal agora

eu fingir que sou seu pai.

Sua m�e diz que eu e voc�
dev�amos ser amigos.

Mas adulto e crian�a
n�o podem ser amigos.

N�o sei voc�, mas eu,
quando crian�a,

n�o gostava de adultos
que tentavam agradar,

que procuravam
alguma cumplicidade.

O que � cumplicidade?

Cumplicidade � ficar colega,
� dividir segredos.

Quando pequeno,
eu roubava nas lojas.

Voc� roubava nas lojas?

Sim, ou atac�vamos
meninas na escola.

Mas n�o queria atacar meninas,

ou roubar nas lojas,
com um adulto.

Ent�o, realmente n�o posso mais
ser seu amigo.

N�o quero que voc� decida
se gosta de mim ou n�o.

N�o ligo, pois eu sou o adulto.

Eu cuidava de voc� e,
�s vezes, o irritava,

outras vezes, voc� me adorava.

Voc� vai morar no meu cora��o,

mesmo que vire o pior
dos canalhas,

ou mesmo que n�o o veja
por 1.279 anos.

Sou obrigado a pensar em voc�,

porque isso me agrada.

Como voc� � crian�a, n�o tem que
pensar nos adultos nem em mim.

A n�o ser que precise.

Nora tem uma nova vida
e uma nova casa.

Se nos virmos muito,
vou atrapalhar.

Sua m�e me disse que voc�
n�o curte o Jean-Jacques.

N�o fumar� quando adulto, n�o �?

- �, serei igual a voc�.
- N�o, ser� melhor que eu.

Talvez n�o ligue para o que penso,

mas acho que o cara parece legal.

Eu n�o posso substituir seu av�.

Vov� tamb�m morreu.

Eu sei.

O passado n�o �
o que desapareceu,

�, ao contr�rio, o que
nos pertence.

N�o entendi.

O que nos pertence s�o
as lembran�as que ambos temos.

� estranho, n�?

N�o h� nome para a rela��o
entre mim e voc�.

Cuidei de voc� por 7 anos,
� bastante tempo.

Mas acabou.

Vou dizer o que me incomoda.

Voc� � um garoto meio
introvertido, ou digamos, calado.

Ser calado n�o � defeito,
� qualidade.

Quando eu era crian�a,
n�o conseguia falar e fiquei gago.

- � verdade?
- Sim, �.

Mas voc� � s� um pouco reservado.

E a vida lhe deu uma alma
muito rica.

Assim, quando se sente solit�rio,

pode entrar nojardim
dos pensamentos,

e conversar com sua imagina��o.

Sei porque li suas poesias
no 1o. Grau.

Voc� tem cora��o de poeta.

Mas isso nem sempre o agrada.

� legal ter um tesouro,
mas ele n�o pode

tornar-se num peso.

Quando se torna, vejo-o
preso nos pensamentos.

Isso me d� pena e quero libertar
voc�.

E me pergunto qual � o medo
ou o �dio que o obriga a fechar-se.

Eu, ao meu modo,
tamb�m sou introvertido.

E, como tamb�m sou assim, pensei

em dar-lhe uns toques
na volta �s aulas.

E o que �?

Bem, a solid�o �
um grande problema.

E n�o h� solu��o para
esse problema.

H� muitos personagens
que s�o introvertidos.

Tem o Batman, voc� sempre
me lembra ele.

Mesmo ar sombrio,
o gosto pelo mist�rio,

o mesmo medo que vira
uma grande coragem.

Tem Peter Pan, que brinca
com os Garotos Perdidos.

Tem "O Bar�o nas �rvores",
um livro genial.

Adoro, porque me faz lembrar
minha �rvore em Roubaix.

- Lembra dela?
- Sim, a �rvore em Roubaix.

H� tamb�m personagens romanos,

e outros da vida real,
introvertidos.

Est� provado que n�s dois

n�o somos os �nicos desconfiados.

Gostaria que fosse naquele
m�dico que voc� gosta.

N�o � bom que a crian�a
fale s� com a m�e.

A m�e � �tima para cuidar
de voc�, am�-lo,

para voc� am�-la, mas isso n�o �
suficiente para o seu crescimento.

� preciso outro adulto
para crescer,

para n�o ficarfechado no amor

que h� entre pais e filhos.

Talvez seja o que Nora teme,
n�o voc�.

Nora deve pensar:

"Meu Deus, sou uma boa m�e
para Elias?"

"Vamos ao m�dico."

E voc� pensa:

"Nora quer ir ao m�dico,
eu n�o!"

O que � ruim, pois assim

voc� separa o que sua m�e quer

daquilo que voc� quer.

Voc� tem um pouco de raz�o,
mas...

Hoje, o �nico conselho
que posso dar

� que, evidentemente,
sempre temos raz�o,

mas � poss�vel estarmos meio
enganados e n�o percebermos.

Estar meio enganado � uma boa.

Significa que voc� n�o tem
todas as respostas,

que a vida vai ser
mais excitante

e cheia de surpresas
do que imagina.

Vendo Elias e Ismael chegando,
penso como a vida � estranha.

Eu amei quatro homens,
matei dois deles,

e isso n�o significa nada,
n�o sinto remorso.

Meus outros dois homens
v�m para mim.

Sei que sobreviver�o a mim,
issoj� me faz feliz.

O ciclo da infelicidade acabou.

Foi tudo bem?

N�o sei.

At� logo.

Tchau, rapazinho.

- At� logo.
- At� logo.

Lembro de uma poesia

que Ismael recitava quando
viv�amosjuntos,

e eu adormecia nos bra�os dele.

Ponha seus tesouros aqui dentro.

"A �gua se aprende pela sede.

A terra, pelos mares atravessados.

O �xtase, pelas agonias sofridas.

A paz, pelas batalhas vividas.

O amor, pelosjazigos da mem�ria."

J� n�o tenho sede.

Estou com os dois p�s no ch�o.

Finalmente estou em paz.

Esse � Simon, mas
n�o tenho foto dele.

Esse � Claude.

Essa � a tia Chlo�.

Essa � Nora Cotterelle,
a namorada de Pierre.

legenda ripada por davidonato
Movimento Cinema Livre