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Legendas: Lu�s Filipe Bernardes

As pessoas imaginam um romance
como que um cubo,

uma face do qual � retirada

para que o autor nele insira
as pessoas que conhece.

Por�m, � mais como um vasto cemit�rio

onde na maioria dos t�mulos

os nomes se apagaram, tornando-se ileg�veis

at� mesmo para o autor.

C�leste possui muitas virtudes.

Uma das quais sendo que,
nos dois anos em que est� comigo,

jamais perguntou se faz parte do livro.

Recebi uma carta de Odilon, monsieur.

Como vai ele?

Bem, monsieur.

Mandou lembran�as.

Ele est� no front agora.

Onde fica o front, monsieur?

Cada vez mais pr�ximo.

Bom apetite, mademoiselle.

Madame.

Boa noite, monsieur.

Bom dia, madame.
Bom dia, Claudine.

N�o h� como descrever a vida

sen�o envolta pelo sono
em que mergulha noite ap�s noite.

O sono em que deixamos
de ser uma pessoa.

Como se explica, ent�o, que, ao acordar, retomamos
nossa pr�pria identidade e n�o outra qualquer?

Por que, dentre os milh�es de seres humanos
que poder�amos ser,

voltamos sempre para a pessoa que �ramos?

Dinheiro.

Len�os.

N�o tem planos para a noite?

Planos, monsieur?

Podia sair. Talvez um Caf�?

Sou uma mulher casada.
Paris est� repleta de soldados.

Sim.

Mesmo assim, a guerra n�o deixa de ter
suas vantagens.

Soube que o Sr. Rivi�re est� lendo meu livro
no campo de deten��o.

Nunca viu um cavalheiro antes?

Com licen�a, desculpe incomod�-lo.

Preciso dizer que apreciei imensamente
sua apresenta��o,

embora "apreciar" n�o seja o termo mais apropriado

para uma m�sica que tanto
me comoveu e emocionou.

Mais precisamente, se me permite apontar,

sua sublime interpreta��o de C�sar Franck,
que me pareceu...

Perd�o, monsieur. Com sua licen�a, mas...

preciso sentar-me.

Est� doente? Sua perna.

Feri-me no front.

Ainda estou em licen�a.

� um soldado.

Est� p�lido, monsieur.

Tamb�m est� doente?

Sente-se.

Muito bem.

N�o.

Devo ser breve por conta desses
l�rios terr�veis.

Tenho um favor a pedir-lhe
em forma de proposta de trabalho.

Um soldado ferido.

A dor estava no roteiro.

Agora devo bater em retirada...

diante do meu inimigo particular.

Monsieur?

Essas flores insuport�veis.

Ao revoir.

Estou melhor agora.

Havia l�rios no concerto.

Flores terr�veis.

Sinto-me melhor agora.

Acenderei a lareira.

Para dissipar a fuma�a.

Obrigado, C�leste.

Posso ver os tr�s primeiros manuscritos,
por favor?

Mestre!

Inspire, aspire...

Inspire, aspire...

No caso de asma, aspirar n�o � dif�cil.
O problema reside em expirar.

Acho que � neur�tico.
N�o concordo. Se fosse, voc� saberia.

Por qu�?

Se um mal � capaz de enganar o m�dico,
por que n�o enganaria o paciente?

Costuma jantar fora?

�s vezes, mas n�o por op��o.

S� por insist�ncia de Madame Bize.

As pessoas lhe falam dos seus males,
consultam-no � mesa?

Sempre.

Conte-me.

Algumas v�em em seus sintomas
um t�pico de conversa.

"Isto vai interessar-lhe", � o que dizem.

Interessar-me...

Outro dia uma mulher sentada a meu lado
instou-me a olhar sua garganta.

Nada de mal nisso, na verdade.
S� me preocupa o que mais haver�o de pedir-me.

� isso, o que mais haver�o de pedir-me.

Ele est� se alimentando?

Tanto quanto de costume.

N�o est� mal... no seu caso.

Tem feito um bom trabalho.

Deve estar em boa forma
para trat�-lo no estado em que est�.

Foi um ataque s�rio.

Disse que foram as rosas.

L�rios.

L�rios, rosas. Qualquer outro mandaria que
mudasse seus h�bitos.

Espero que realmente seja um
grande homem

a fazer-nos de tolos, caso contr�rio.

A senhora como est� passando?
Esse sistema de vida n�o � para todos.

Ele troca o dia pela noite, � s�.

Acaba-se por se acostumar.

Aconselho-o ent�o a manter dist�ncia dos l�rios.

Um quarto amplo e, a pedido,
nada de flores.

Seria in�til recomendar um sistema de vida
mais sensato.

Caro doutor, qualquer sistema que adotarmos
resultar� nada menos que do nosso temperamento.

Deveria ele ser mais sensato?

Ar puro n�o faz mal a ningu�m.

Pelo contr�rio. Foi em busca de ar puro
que me deparei com os l�rios.

Janelas cerradas, cortinas fechadas,
voc� a trabalhar como um campon�s.

Como pode viver assim?

N�o fosse assim, n�o trabalharia,
pergunte � C�leste.

Mestre.

Como um campon�s, C�leste.

Trabalho como um campon�s.

Entre, Odilon.

Deixei um programa de concerto aqui
com um endere�o anotado, C�leste.

Lembro perfeitamente
de o ter colocado aqui.

H� cerca de duas semanas.
Deve t�-lo tirado.

N�o, monsieur.
Aqui est�, monsieur.

Claro.

�timo.

Sairei hoje � noite.

Sim, senhor.

N�o precisa dizer-lhe que estou aqui.

Tenho que dizer.

E se ele entrar na cozinha?

Ele nunca entra na cozinha.

N�o vim aqui para v�-lo.

S� tenho 24 horas.

Ele quer v�-lo.

Se me vir, h�-de querer que o conduza
a algum lugar.

N�o. Querer� saber sobre a guerra.

Como eu saberia? Sou apenas um soldado.

Odilon.
N�o...

Odilon.
Monsieur Marcel.

Que oportuno.

Preciso sair � noite e eis que
voc� aparece.

Como est� a guerra?

Estamos ganhando, monsieur, n�o h� d�vida.

Outra vit�ria ontem.
Sim.

Embora essas vit�rias sejam um tanto curiosas.
D�o-se cada vez mais perto.

Na verdade ainda estou
na reserva.

Se a situa��o piorar,
suponho que venha a ser convocado.

Dificilmente este trabalho seria considerado
de relev�ncia nacional.

Imagino que as condi��es n�o sejam
as ideais.

N�o, monsieur.

O front deve ser muito �mido.

Para mim seria dif�cil.

O que achou da sua mulher?

Linda, monsieur.

Ela � um paradigma.

At� mais tarde, ent�o.

Monsieur Marcel, parece os velhos tempos.

Primeiro ao Ritz.

Agora 1, Rue Clovis.

Sim?
Boa noite.

Monsieur Massis est�?

A esta hora?

Certamente que n�o.

� a m�e de Monsieur Massis?

� poss�vel.

Quem � o senhor?

Um admirador, madame, do seu talento.

Um aficionado de sua arte.

Quem �, m�e?
Boa noite, Monsieur Massis.

Lembra-se que nos conhecemos
em seu �ltimo concerto?

Agora seria inconveniente?

Agora, monsieur?

Mas...

O que est� acontecendo?

Vai sair? Mas j� � meia-noite.

Monsieur, meu filho recupera-se de um
ferimento de guerra. Precisa dormir cedo.

Quem � esse homem?

Encantadores. Encantadores.

N�o se preocupe, madame,
tenho um carro � espera.

Bem, onde moram seus colegas?

Meus colegas?
Sim, claro.

Diz que falou com voc�
ap�s o concerto.

Voc� nunca mencionou isso.

Quando me pediu que tocasse em seu apartamento
pensei que fosse sozinho.

Estou exausto.

O que significa isso?

Um grupo de peso.
L� vamos n�s.

S�o expoentes m�ximos
dos compositores modernos.

Sim.
Somos?

Gaston... Monsieur Poulet � amigo
de D�bussy.

Nem que fosse o pr�prio Racine.

N�o tem direito de nos procurar de madrugada.

O que tem a� dentro?
Pur� de batatas.

Tenho interesse especial por C�sar Franck.

Como todo verdadeiro artista,
s� foi reconhecido � beira da morte.

Na minha opini�o, sua �ltima e melhor obra

foi apresentada na Salle Pleyel h� 25 anos

e foi seu �nico triunfo, aclamado
em p�blico.

Devo desculpar-me pelo elevador.

� anterior � inven��o de elevadores.

Seu casaco.

Acompanhem-me.

E n�o toquem em nada.

Perdoem-me se me sento aqui,

mas, para mim, � a melhor posi��o
para escutar m�sica.

Monsieur deseja o quarteto de Franck?

Bravo! Sublime.

J� tocamos melhor.

N�o � uma hora da madrugada.

Far-me-iam ent�o a gentileza
de tocar de novo?

Agora?

Tem raz�o.

Um entreato.

Monsieur n�o est� comendo?

Preciso tomar cuidado. � tarde demais.

Compreendo.

Tamb�m eu pade�o.

N�o vai comer o seu?

Importa-se se eu comer?

Sim.

Monsieur.

Est�o � sua espera, monsieur.

O que o Sr. Proust faz?

Apenas escreve?

� um cavalheiro.

O que ele tem?

Est� doente?

J� disse, � um cavalheiro.

� delicado.

Bela casa.

Quase nunca a usamos.

Este tapete foi dado ao pai do Sr. Proust
pelo X� da P�rsia.

Monsieur, o que � isso na parede?

Corti�a. Por causa do barulho.

Da rua, das crian�as.

N�o conseguiria trabalhar.

� perfeito para a m�sica.
Nunca soamos t�o bem.

Ah!

Nossa �ltima viola.

Parem.

Parem. A �ltima se��o.

Toquem novamente.

Monsieur Massis.

Faria a gentileza de pegar
a caixa em cima da c�moda?

Esta?

Sim.

Mas, monsieur...

� demais.

N�o.

Tiveram muito trabalho.

Sou-lhes grato.

E espero poder contar com seus servi�os
novamente.

Boa noite, senhores. Sua condu��o os aguarda
na sa�da.

Que grupo agrad�vel, n�o achou?

Sim, monsieur.
E t�o talentosos.

Reparou no que mancava?

� um soldado. Est� em licen�a m�dica.

Providenciarei sua bandeja, monsieur.

Pode ir dormir, C�leste.

N�o consigo ficar confort�vel.

Deseja que ajeite a cama?
Hmm.

Querida C�leste.

C�leste.
Monsieur.

Talvez fosse melhor a princesa
permanecer com seu casaco.

Tem raz�o. A lareira n�o estar� acesa.

N�o? Que peculiar.

Verei se monsieur est� pronto.

Como ela �?

Baixa, de pesco�o delgado.

Pesco�o delgado?

Como uma boneca. Creio ser mais velha
que Monsieur Morand.

N�o!

Vejamos.

A princesa pensa em fechar sua casa
e mudar-se para o Ritz.

Ser� mais seguro durante os ataques a�reos.

Na verdade ser� mais em conta.

A guerra tornou tudo t�o mais caro.

A guerra, a guerra.

N�o consigo pensar objetivamente.

Ela permeia tudo.

Como os santos viviam em Deus,
assim n�s vivemos na guerra.

Paul lhe contou que, ao come�arem as hostilidades,

fui chamado para um exame m�dico?

Que absurdo!

Nem tanto, na verdade.

Estou na reserva.

A gra�a � que chamaram Marcel
�s 3:30 da madrugada.

Julguei que as autoridades haviam sido informadas
acerca dos meus hor�rios alternados.

Que estavam sendo atenciosos.

Enfim, tratava-se apenas de erro de anota��o.

J� perdemos tantos amigos
e sentimos muito com isso, claro.

Mas a morte de dezenas de milhares
todos os dias...

� a mais insignificante das sensa��es.

Dir-se-ia t�o desagrad�vel quanto um
golpe de vento.

Sente algum vento, monsieur?

Como?

Oh, n�o, n�o.

Uma morte significa mais que mil.

Ao morrerem como moscas,
� como moscas que os homens morrem.

Um agasalho nos ombros, talvez?

N�o.

Mais caf�, talvez.

Ela tem uma boa apar�ncia.

Uma j�ia. � do interior.

Ozillac, no Loz�re.

Ela o adora, obviamente.

Quando come�ou a trabalhar para mim,

tive que explicar que Napole�o e Bonaparte
eram a mesma pessoa.

Ah! A bela C�leste.

Outro dia esteve aqui um
jovem ador�vel, um m�sico.

Toca no Quatuor Poulet.

N�o os conhe�o.

S�o expoentes m�ximos em
Franck e D�bussy.

N�o conhe�o Franck.
Est� no ex�rcito.

Franck?

O jovem.

S� pode tocar quando em licen�a.
Um desperd�cio.

Tocou aqui. Todos tocaram.

Disseram que jamais sua m�sica
soara t�o bem.

A ac�stica � espl�ndida.

A comida tamb�m n�o � m�.

C�leste, monsieur Morand est� elogiando-a.

Monsieur.

A m�sica parece estar assumindo um lugar
mais importante

do que eu originalmente imaginara
no livro.

Tenho tanto que fazer.

Temos que ir.

Estava saindo da �pera.

E voc�, onde estava?

Na cama de novo.

Enquanto aguardamos Monsieur Massis,

que tal se nos aquec�ssemos tocando em trio
para Monsieur Proust?

Apenas tr�s chegaram, monsieur.

O outro est� a caminho.

Qual deles?

O do violino grande.

Perguntam se gostaria que tocassem
um trio.

Um trio?

N�o, n�o.

Um trio...

de nada me serviria.

Desculpem-me.

Onde estava?

Perguntamos at� a Isabel.
O qu�?

Disse-lhe que estava ensaiando com voc�s.

Com quem voc� estava ensaiando?

Est�o prontos, senhores?

Ela n�o o suportaria nem cinco minutos.

Nem eu quereria.

Pois eu a acho muito atraente.

Pode passar, Victor.

N�o, deixe Louis ir primeiro.

Louis?

O quarteto novamente.

Por favor.

Foi de grande ajuda, Monsieur Gentil.

Monsieur Ruyssen.

Monsieur Poulet.

Monsieur Massis.

Monsieur Massis.

Monsieur?

Possui pe�as para saraus?

Apresenta��es suas como solista.

Sim, todos n�s temos.

Sim, mas voc� tem?

Sim.

Depois trataremos disso.

Monsieur.

Ataque a�reo.

N�o. � o aviso de que o perigo j� passou.

Houve um ataque a�reo.

Enquanto est�vamos l� houve um bombardeio.

Ele � corajoso.

Mas eu n�o.

Outro dia vi um dos seus livros.

Sobre o que era?

Amor, esse tipo de coisa.

Com licen�a, monsieur.

Voc�s n�o s�o competitivos,
j� reparou?

Competitivos?
Voc� e seus colegas.

Criticam-se sem, contudo, se ofenderem.
Colaboram uns com os outros.

Naturalmente.

N�o tem nada de natural.

Em quartetos �.

Ent�o que sirvam de exemplo para todos n�s.

Um dia gostaria de ter um Amati.

N�o um Stradivarius?

N�o.

O Stradivarius �...

um instrumento para concertos.

O Amati � mais...

�ntimo.

O Stradivarius � para orat�ria.

O Amati para conversa��o.

E ambos s�o muito caros.

Seu romance � sobre m�sica, monsieur?

A m�sica ocorre e � recorrente.

Uma obra em especial.

De C�sar Franck?

N�o precisamente.

Embora tamb�m sirva.

Mas os romances s�o assim.

Os leitores interpretam uma m�sica
como sendo outra.

V�em uma personagem como se fosse inspirada
em quem quer que seja,

outra ainda retratando uma terceira.

N�o � assim.

A arte n�o corresponde � vida.

Ela � a vida.

Por exemplo, h� um violinista no meu romance.

Poderia, contudo, ser um violeiro.

Como ele �?

N�o creio que se pare�a com voc�.

Chama-se Morel.

Tamb�m � um jovem sem recursos.

Filho de um valete.

Faz amizade com um homem de posses
que o patrocina...

e creio que o abandonar�...

Ainda n�o se decidiu a tal,

mas percebo que h�-de acontecer.

Ser� muito cruel com ele...

insens�vel.

Onde se conheceram?

N�o foi num concerto.

Numa esta��o de trem.

Local prop�cio para encontros fortuitos.

Monsieur Massis.

Sua flor.

Monsieur Massis. Por favor.

J� esteve em Veneza?

Infelizmente, n�o.

O que me ajudaria imenso
no meu trabalho

seria ouvir voc� e seus colegas

tocarem algumas pe�as de minha escolha,
sob o luar...

� espera do alvorecer.

Em Paris?

Em Veneza.

Num palazzo no Gran Canal, possivelmente.

Todos n�s?
Claro.

Bem...

� uma tarefa e tanto.

Para come�ar, as autoridades
n�o permitiriam que f�ssemos � It�lia.

Por que n�o?

A guerra.

As fronteiras.

Meros detalhes. Tenho amigos poderosos.

Como lhe parece artisticamente?

Excetuando a parte pr�tica

faria alguma obje��o ao plano?

Imagine...

O sol...

a levantar-se por sobre a lagoa
enquanto a lua se ofusca.

Existe outro problema.

N�o pretendia mencion�-lo.

De nada adiantam meus conselhos.

Continua fazendo como bem quer.

Gosto de voc�, monsieur Bize.

Antes de ser m�dico,
acredito que tenha sido um paciente.

Vou lutando.

Tenho um amigo... tocador de viola...

Um jovem de imenso talento, galante e encantador.

Est� convalescendo de um ferimento no front.

Contudo, tamanhas s�o as exig�ncias
do esfor�o de guerra

que est� amea�ado de retornar � ativa.

N�o posso acreditar que o destino da guerra

dependa de algo t�o sutil

quanto a volta de um �nico e alquebrado
instrumentista de cordas.

Com os contatos que possui no
Conselho de Medicina

seria demais que escrevesse uma carta
intercedendo a seu favor?

Falarei com Potsy,
que tem um cargo formal no Conselho,

mas achei que se voc� tamb�m pudesse...

Claro, mestre.

Mas preciso v�-lo.

Claro.

Claro. � um rapaz encantador.

Isso deve acontecer ami�de.

Ami�de.

Parece estar melhor.
Pelo menos n�o piorou.

Est� na mesma, o que j� � muito.

Quem � esse violeiro?

Esses jovens. S� fazem aproveitar-se.

Dinheiro, favores.

E s�o mal-agradecidos.

Tem um cora��o mole demais.

Gostaria que o deixassem em paz.

Quando se pensa em todos os outros,

ca�dos em campo qual folhas de outono...

Acabar� por aborrecer-se.

Da� trabalhar� com mais ardor
e acabar� adoecendo.

Devia ter mais ju�zo.

O que disse que era?

Uma granada.

Um estilha�o de granada.

Meu companheiro morreu.

Nossa.

Sente dor?

N�o.

Apenas rigidez.

Mas est� melhorando, n�o?
Sim.

�timo.

N�o?

Tinha problemas pulmonares antes de se ferir?

N�o.

Mas outras pessoas na fam�lia tinham.

E toca violino.

Viola.

Ser� que os nervos da perna sofreram algum
dano permanente?

Acha poss�vel?

Dif�cil dizer nesse est�gio.

Gostaria muito de mant�-lo em observa��o.

Ainda mais devido aos problemas pulmonares.

Por prud�ncia, sua volta imediata � ativa
deve ser adiada.

Darei um jeito nisso.

Escreverei para o Dr. Potsy.

Quem � ele?

Faz parte do Conselho.
Tamb�m � amigo de Monsieur Proust.

Obrigado.

Teve sorte de encontrar um protetor.

Como?

Monsieur Proust. Parece t�-lo adotado.

Ele gosta de mim, senhor.

Claro.

N�s j� tocamos para ele.

Mestre Proust � um homem sens�vel.
Vive para seu trabalho.

Chama-o de mestre.

J� leu seus livros?

Na verdade, n�o. Mesmo assim,
� um grande homem.

Escreverei para agradecer-lhe.

Pelo qu�?

Por isto.

N�o � necess�rio.

N�o fiz mais que lhe dar
um parecer cl�nico honesto.

Diria o mesmo caso estiv�ssemos
diante de um tribunal militar.

Se agradecer a Monsieur Proust

far� com que esta carta pare�a um favor
que fa�o a ele.

Amanh� viajarei para o interior.

Tenho que lhe escrever.
Monsieur Massis, n�o � preciso.

Estarei com ele pessoalmente.

Transmitirei seu agradecimento.

N�o, eu prefiro...
Eu prometo.

Obrigado.

Monsieur Massis.

Sua bengala.

O tribunal o dispensou.

Claro. Conhe�o todos os membros
pessoalmente.

Ele � jovem, tem outras coisas em que pensar.

Acaba por esquecer-se.

Parecia um jovem t�o cort�s.
Estava certo de que escreveria.

Monsieur � bom demais.
Acabam aproveitando-se.

Sempre digo isso ao senhor.

Sabemos o que diz a ele, C�leste.

Que impress�o teve dele?

Pareceu-me bastante simp�tico.

Um m�sico espl�ndido.

Egoc�ntrico, talvez.

� um artista.

Acham mais que natural o que faz por eles.

Obrigado.

Obrigado.

Quem nunca amou

s� concebe que se possa
ficar triste

por algu�m que o valha.

Se assim fosse, seria o mesmo que nos surpreendermos
por condescender de morrer de c�lera

v�tima de uma criatura t�o insignificante

quanto um simples bacilo.

Precisarei de inserir algumas coisas
mais tarde, C�leste.

C�leste.

Ningu�m me procurou?

N�o, monsieur.

Leia para mim.

�s vezes, quando escrevemos o esbo�o
de um trecho doloroso

e n�o conseguimos prosseguir,

um novo sentimento de afei��o e tortura
nos invade,

o que nos permite conclu�-lo,

dar-lhe subst�ncia.

E, do saldo dessas grandes, por�m �teis, dores

pouco podemos reclamar.

Elas abundam e � raro esperarmos demasiado
para que sobrevenham.

Acho extremamente interessante observar
como os rostos envelhecem.

Aquela mulher ali.

Julguei ser a m�e de algu�m que
outrora conheci.

Podia muito bem ser filha dessa mulher.

Mas agora percebo:
m�e e filha s�o a mesma mulher.

Ela � a mulher que outrora conheci.

Ela est� no seu livro?

As pessoas v�em um romance
como que um cubo,

uma das faces do qual foi retirada

para que o autor possa inserir
as pessoas que conhece.

Como est� seu quarteto?
Houve mais apresenta��es privadas?

Ultimamente n�o.

Infelizmente.

N�o imagino nada mais rom�ntico.
M�sica no seu pr�prio quarto.

Gostaria de ouvi-los?

N�o de madrugada.

N�o, aqui. Agora.

Irei peg�-los.
Marcel!

Por favor. Eu insisto.

T�o cedo, Monsieur Proust?

Espero que n�o esteja enfermo.
De jeito algum.

Pensamos num pequeno concerto.

Estou saindo para chamar os m�sicos.

Um concerto?

Mas estamos em guerra, Monsieur Proust.

Monsieur Poulet, como posso desculpar-me?

Nem se d� ao trabalho de negar.
Eu o acordei.

J� estou acordado mesmo.

Encantador.

Encantador.

Perd�o, mas estou com uns amigos e
estava contando-lhes da sua arte magn�fica.

N�o sossegaram enquanto n�o sa� pela noite
em busca dos meus guerreiros.

Ousaria contar com sua boa vontade
s� mais esta vez?

Antes pudesse atend�-lo, mas ser� imposs�vel.

No momento, o quarteto se dispersou.

Monsieur Ruyssen est� mal do est�mago.

No momento est� no hospital com apendicite.

N�o me diga.

Por mais talentoso que seja Monsieur Ruyssen,
deve haver outros m�sicos.

N�o a esta hora da noite, monsieur.

Al�m do mais, falta-nos tamb�m o violeiro.

Ah, sim, Monsieur Massis.

O que houve com ele? Com certeza
n�o foi chamado para o front.

Oh, n�o, monsieur. As autoridades
concederam-lhe licen�a por tempo indefinido

ent�o eles foram convalescer no interior.

Eles?

Sua noiva, Monsieur.

Sinto muito, monsieur. Tem sido t�o generoso.

N�o tem import�ncia.

Foi apenas uma ideia.

Eu o incomodei.

N�o.

Perd�o, Monsieur Poulet.

Mande lembran�as minhas para seus colegas.
Sim, monsieur, adeus.

Encantador.

Encantador.

Ah! N�o teve sorte.

N�o faz mal. Est� ficando tarde.

Lembre-se, Paul, ao se verificar a conta,
nunca se perde a estima do ma�tre,

contanto que se o fa�a n�o por pobreza
mas por avareza.

Faria a gentileza de emprestar-me
50 francos?

Claro, monsieur.

N�o, n�o, pode ficar.

Na verdade era para o senhor.

Ningu�m me procurou, C�leste?

N�o, monsieur.

Nenhuma carta tampouco.

N�o, monsieur.

Esperava alguma coisa?

N�o.

Alguma not�cia de Odilon?

Uma carta chegou pela manh�, monsieur.

Ele est� bem?

Est� seguro, monsieur.

Mais n�o se pode esperar.

Sente sua falta, C�leste?

Um pouco, monsieur.

Mas ele sente a sua.

Ah, sim, monsieur.

E assim deve ser.

L� romances, C�leste?

�s vezes, monsieur.

Por qu�?

Para sair de mim mesma, monsieur.

Deveriam faz�-la entrar em si mesma.

Todo leitor, ao ler, l� a si mesmo.

Um livro nada mais � que um instrumento �tico.

Uma lente que o autor oferece ao leitor

para que ele possa discernir aquilo que,
sem o livro,

nunca teria percebido em si mesmo.

Eu estou no livro, monsieur?

Gostaria de estar?

Se lhe ajudar de alguma maneira, monsieur.

H� uma criada, com certeza,
mas voc� n�o � ela

e eu n�o sou ele.

Pode-se dizer qualquer coisa,
contanto que n�o se diga... "Eu".

Ao ler um livro, um romance,
digamos,

quando se depara com algo familiar,

este ser� um pensamento ou emo��o
que j� experimentou mas julgou secreto...

...at� vergonhoso...

mas que � inerente a si.

E a� est�.

Escrito no livro.

� como se...

uma m�o se estendesse e tomasse a sua.

Seu livro � assim, monsieur?

Escrever assim requer coragem, C�leste.

Aud�cia.

Tudo de si.

Olhe seus dedos.

Esse � outro problema de escrever.

� um trabalho imundo.

Monsieur Proust est�?

N�o, monsieur.

Por favor...

v� ver.

Sou Monsieur Massis.

Sei quem �. Ele n�o est�.