All language subtitles for Wayne.Shorter.Zero.Gravity.S01E01.1080p.WEB.h264-EDITH

Há dois grandes eventos na vida de alguém.

Um é nascer.

O outro é... saber a razão.

Acho importante

que a grandeza seja reconhecida
nesta cultura.

Visionários abrem portas,

e elas são abertas não só para eles,

são abertas para todos.

Você conversa com ele

e sabe que está na presença
de alguém sem gravidade,

intemporal e destemido.

Você está em um local
de graça e maravilhamento.

Quando Wayne toca, não há comparação.

Então, é muito difícil categorizar
o que Wayne faz.

SONNY ROLLINS
SAXOFONISTA E COMPOSITOR

É a genialidade dele...

que torna o que ele faz espetacular.

Quando ouço Wayne Shorter,

minhas emoções são levadas a lugares...

NEIL DEGRASSE TYSON
ASTROFÍSICO

...que eu desconhecia.

Ou suprem algo
que eu nem sabia que precisava.

Ele pode ser a pessoa mais influente

na minha vida de ouvinte de música.

Havia uma ferrovia,
a Ferrovia Pensilvânia,

no final do quarteirão.

Diziam pra todos não irem nos trilhos.

Quando me mudei pra cá,
você ouvia os trens todas as noites.

Depois nem conseguia dormir sem ouvi-los.

The Mysterious Traveler.

Os programas de rádio que eu ouvia
tinham a ver com mistério.

Este viajante misterioso o convida
a me acompanhar em outra jornada

no reino do estranho e aterrorizador.

Eu gostava bastante de Lights Out!

NEWARK, NOVA JERSEY
1933 - 1958

Uma voz dizia:
"Apaguem as luzes, pessoal!"

Crescer em Newark...

fortaleceu Wayne.

MICHELLE MERCER - AUTORA DE "FOOTPRINTS"
A VIDA E TRABALHO DE WAYNE SHORTER

Ironbound recebeu esse nome

porque era cercado
pela Ferrovia Pensilvânia por três lados.

A casa em que morávamos,
em South Street,

a fundação era meio inclinada.

Um pouquinho, e minha mãe dizia:
"Nunca tenha vergonha

de trazer alguém em casa.
Não se envergonhe disso."

Dentro, limpo. Imaculado.

Ele cresceu com uma mensagem forte

de que ele poderia ser e fazer
o que ele desejasse.

Minha mãe, ela ia ao centro,

e voltava com surpresas e vários pacotes,

como blocos de argila.

Então, começávamos a fazer coisas
na mesa da cozinha.

A mesa era redonda.

E isso representava o planeta para nós.

Dentro desse rígido bairro,
terra de aço e tijolos,

a mãe de Wayne quase cultivava
a criatividade dele e do Alan

como se fossem flores delicadas.

Tinha um terreno baldio ao lado.

Íamos direto pra lá quando acabava a aula.

Virava o que você quisesse que fosse.

Virava o deserto do Saara.

Virava Marte.

Brincávamos muito de faz de conta,

inventando uma crise para conquistar.

Vamos fazer algo grande.

Meu pai ligava o rádio todas as noites.

Olá, pessoal, aqui é Martin Block.

E era Martin Block.

"Vou tocar algo diferente hoje.

E me digam o que acham.

É um novo musical bebop."

Não estou pensando em música.

Estou ouvindo algo.

O que é isso? O que está acontecendo?

Isso também me fazia lembrar
coisas que ouvi nos filmes.

Ele ia ao cinema com seu irmão Alan,

e, à noite, quando deviam estar dormindo,

eles se sentavam e jogavam.

Nesse jogo, eles tentavam lembrar
o máximo que podiam do filme.

O diálogo, a cinematografia
e especialmente a música.

Eles cantavam um para o outro

o que se lembravam da trilha sonora,

e Wayne disse que isso durava horas.

Cenas de filme se tornaram
próximas de emoções para ele.

DRÁCULA (1931)
UNIVERSAL PICTURES

Ouçam as crianças da noite.

Que música elas fazem.

Com oito anos, comecei a desenhar

personagens dos quadrinhos
usando papel vegetal.

História em quadrinhos é adversidade.

CAPITÃO MARVEL

É superar algo.

CAPITÃO MARVEL ENFRENTA
OS INVASORES DO ESPAÇO SIDERAL!

Fala de se tornar alguma coisa.

KID ETERNIDADE INVADE
O COVIL AÉREO DO GENERAL POSVOKA

O que você faria em uma crise?

CARRASCO

O que você vai fazer?

Essa é a emoção.

ADEUS, RICK

VEJA, RICK, ELE ESCORREGOU DA MINHA MÃO!

Minha nossa! O que é isso?

-De 1949.
-Isso.

Eu vi um filme chamado Da Terra à Lua.

OS MUNDOS
DESENHADO POR WAYNE SHORTER

Três, dois, um, zero.

-Você que desenhou?
-Sim.

-Quadrinhos sobre foguetes.
-Isso.

É.

Que idade você...

Eu tinha 15.

Isso é incrível.

-Sim...
-Não, Wayne.

-Você começava a notar...
-Wayne.

-...a anatomia das garotas.
-Wayne.

Para desenhá-las.

É, há formas bem curvilíneas

-aqui, estou vendo.
-É.

Nem sei o que dizer.
Tenho de dizer seu nome. Wayne.

Meu pai trouxe um amigo
e disse: "Vou te mostrar uma coisa."

Ele tirou o papel vegetal.

Pegou a minha mão
e a guiou de certa forma,

e disse: "Agora tente sozinho."

E eu tentei desenhar o Super-homem
ou algo assim,

sem o papel vegetal e foi fácil.

Um professor falou
de uma competição na escola

e eu fiz um desenho chamado
Jogo de Futebol.

Em aquarela. Ganhei o primeiro prêmio.

PRIMEIRO LUGAR

Foi quando minha mãe
e os professores decidiram

que eu faria Ensino Médio de Artes
depois do ensino fundamental.

Não havia outro ensino médio em Newark

que se comparasse.

NAT PHIPPS
MÚSICO, AMIGO DE INFÂNCIA

Era uma escola especial para as artes.

No segundo ano, comecei a matar aulas.

Comecei a ir ao cinema.

Eu ia ao cinema e depois ia pra aula.

Eu forjava mensagens.

Um médico fictício...

"Wayne não pôde ir à aula, porque..."

Eu passava pela escola
e ia pro Cinema Adams.

Entrava lá.

Eles tinham dois filmes:

Os Últimos Dias de Pompeia
e A Deusa da Cidade Perdida.

APRESENTANDO DE H. RIDER HAGGARD
A DEUSA DA CIDADE PERDIDA

Uma banda subia do piso,

uma vez foi Dizzy Gillespie e Stan Kenton.

Duas grandes bandas juntas no palco.

Todos os trompetes tocando juntos.

Tocavam algo chamado Peanut Vendor.

E me pegaram.

Me chamaram no alto-falante.

Wayne Shorter, apresente-se imediatamente
na sala da vice-diretora,

o quanto antes.

Eu fui e estava parado lá.

Vestido imaculadamente todos os dias,

e nunca pensaram que alguém assim...

Sou quieto e gentil, sabe.

Disseram: "Espere aí.

Antes de decidirmos o que fazer,
aonde foi?"

Respondi: "Ao cinema."

Perguntaram: "Gosta
de shows ao vivo e tal?"

Então, a vice-diretora pegou o telefone

e ligou para Achilles D'Amico,

que era o chefe
do dep. de música instrumental.

Ele veio e ela disse:

"Vamos pôr o Wayne na sua turma
e ver o que acontece."

Sabe?

Fui pra aula dele,

e era o que eu ouvia no rádio.

Charlie Parker e tal.

Achilles tinha três discos na mesa.

Ele disse:
"A música vai seguir três direções."

O primeiro disco era uma gravação
de Yma Sumac do Peru.

O segundo era A Sagração da Primavera
de Igor Stravinsky.

O terceiro era
uma gravação de Charlie Parker.

Consegui um clarinete com a ajuda
da minha mãe e da minha avó.

Por um ano, tive aula de clarinete.

Então, ele disse: "Vamos passá-lo

pro saxofone tenor."

Tinha começado a estudar.

Tive uma prova final

com a chefe de música vocal,
coral e piano,

e muitas das crianças estudavam lá

desde os seis anos de idade.

Ela disse: "Traga sua prova."

Eu levei e...

Quando eu estava saindo da sala,

ela disse: "Espere."

Ela ergueu a prova e disse:

"Turma, é uma prova perfeita.

Quero que pensem nisso."

No corredor,

fiquei matutando uma coisa.

"O que isso significa?

O que é isso?"

É como euforia sem as palavras:

"Melhor não ignorar isso."

Eu vi retratos de Charlie Parker
e Miles Davis em revistas.

NÃO TOQUE O SAXOFONE...
DEIXE QUE ELE TOQUE VOCÊ!

O SINAL DE UM MÚSICO MADURO
É SABER O QUE NÃO TOCAR!

JAZZ É LIBERDADE!

São os caras novos, novo isso e aquilo.

PRECISA SER ORIGINAL!

Percebo que eram o novo Super-Homem
e Capitão Marvel.

HERÓIS DO JAZZ

Eles tocavam

algo contra a corrente do que era vendido.

Música pop. Foram para a música popular.
Ainda o fazem.

Então, bebop virou uma causa.

E as implicações sociais
se tornaram uma causa.

Vamos lutar por isso.

E como vamos lutar por isso?

Descobrindo do que se trata.

Foi o começo da banda chamada The Group.

BAILE DE ADOLESCENTES

Éramos The Group.
Tínhamos nove músicos.

A outra banda que tocava regularmente

nos bailes era Nat Phipps.

Quando conheci Wayne,

ele já tocava melhor do que nós.

Tocávamos coisas convencionais.

As músicas eram da era do swing
dos anos 30 e começo dos 40

para dançar.

Wayne e aqueles caras tocavam músicas

que fugiam do conceito da dança

e falavam de jazz como forma de arte.

Estávamos tentando introduzir
uma nova música chamada bebop.

Não tínhamos pedestais nem partitura.

E meu irmão tocava com luvas.

Amassávamos a nossa roupa,
porque achávamos que o novo bebop

tinha muito a ver com amassado, sabe?

Eles eram um pouco...
Digamos, fora da casinha.

Sabe, estranhos.

DOUTOR ESTRANHO

No estojo do saxofone do meu irmão dizia:
"Doutor Estranho."

SENHOR ESQUISITO

No meu estojo dizia: "Sr. Esquisito."

Usávamos chapéus com a aba cortada

e nos chamavam de Chapéus de Aba Avarenta.

Usávamos sobretudos
que iam quase até o chão,

então, quando andávamos,
parecia que flutuávamos,

sem... Sem mãos.

E o chapéu ia até as nossas orelhas.

Não se via as sobrancelhas,
só os olhos e uma sombra, sacou?

Parecia que íamos a um lugar
aonde ninguém podia ir.

Dois irmãos que eram quase gêmeos

em sua forma de comunicação secreta,

em seu nível de código.

Falavam só meia frase

e você presumia que estavam...
se comunicando

entre os dois.

E quando eles terminavam,
você continuava a conversa.

E voltava ao "normal".

Meu irmão é inconformidade.

Ele diria: "Por quê?"

Queriam ver sua foto
antes de ir pra faculdade.

Ele falou: "Por que querem meu retrato?"

Minha mãe disse:
"Pra saber o quão claro ou escuro é."

Isso acontecia na época.

Isso remete ao tempo da escravatura,

porque um negro de pele clara

era filho de um homem branco
e uma mulher negra.

Assim, a criança teria uma posição melhor,
por causa da cor de sua pele,

mas também refletia
que havia sangue branco ali.

Quanto mais claro, maiores oportunidades,

mais chance de conseguir
um emprego lucrativo.

Meus pais sabiam

que havia segregação por todo lado.

Segregação que atingia a todos.

Mas minha mãe disse
que a cor é uma premissa falsa

para validar comportamento.

Certo ou errado, é uma premissa falsa.

A única cor que determina comportamento
é a verde do dinheiro.

Seus pais mostravam
que havia brancos mais pobres que eles.

Então, a mãe dele dizia: "Viu?

Raça não determina onde você está na vida.

Então, nunca a use como desculpa."

Não peça nada a ninguém.

Aprenda a ser autossuficiente.

Não peça nada a ninguém.

Prefiro ir pra casa andando na chuva

do que pedir dinheiro pro táxi

porque estou sem.

Sabe por quê?

Sempre achei que havia
uma forma criativa de chegar lá.

Entrei na biblioteca.
Eu tinha 12 anos, acho.

Vi um livro.

Dizia: Os Bebês da Água.

Tirei da estante.

Era uma vez, um menino chamado Tom,

limpador de chaminés.

Ele tinha um patrão muito dominador.

O patrão disse ao Tom:

"Quero que limpe esta chaminé,
e a limpe bem."

Ele caiu pela chaminé.

E foi parar no quarto de uma menina,

e ele gritou.

Ela estava dormindo.

A menina acordou, o viu e gritou.

Há uma janela.

Piso térreo, fora da janela,
ele está correndo.

Há um lago e ele cai nele.

Ele não sabe nadar e está se afogando.

Ele desce água abaixo.
Ele sente pequenas mãos agarrá-lo,

seus pulsos e braços,
e então ele sente que, atrás das orelhas,

algo está mudando.
Ele passa a ter guelras, como peixe.

Ele encolhe.

Ele se torna, não pequeno,
mas se torna um bebê da água.

E todas essas outras mãos são
de bebês da água ao redor dele.

A mesma coisa acontece com a menina.

Tenho 12 anos. Me interessa o que acontece
com o menino e a menina.

O romance. Mas no final do livro,
ele está em um rio,

e o rio vai para o mar.

E ele quer ver o que é o mar.

Os Bebês da Água é sobre "o que é vida"?

É como uma grande aventura.

Eu penso, como uma criança,
dentro do conto de fadas,

está o DNA de todo o universo.

Quando eu ia pra escola,
o pátio estava cheio de...

O Selvagem, motocicletas.

Alô?

Você convida pra um encontro,
e ela mora longe.

Ela pergunta:
"Como vai vir até a minha casa?"

E eu caí na armadilha.

"Pego o ônibus três de Bergen
e depois o 25 de Springfield."

E a resposta: "Ainda está a pé?"

Se eu tinha um encontro,

levava a pessoa pro cinema
e depois a levava para casa.

Dava um aperto de mão.

Bem. Tchau.

Elas achavam isso esquisito.

Quando eu ia a uma festa,

falava sobre ir a Marte, ouvir o universo.

Os outros iam dançar, se divertir.
E diziam: "Ele é esquisito."

Terminei o ensino médio
e fui trabalhar um ano em uma fábrica

de máquinas de costura Singer.

Meu pai trabalhava lá,
muitos dos pais trabalhavam lá.

Então, eu via
a máquina de costura sendo montada

com uma peça de cada vez
e ficando cada vez maior.

E cada funcionário de cada parte
fica onde está.

Meu poema pra mim mesmo:

"O trabalhador fica parado,
mas a máquina cresce."

E pensei: "Quero crescer."

Então fiz minha inscrição na NYU.

Não se estudava jazz nos anos 50.

Ele estudou composição clássica na NYU.

Às vezes ele ia a sessões de improvisação
em Lloyd's Manor, em Newark.

SESSÃO DE BEBOP TODA SEXTA À NOITE
NA LLOYD'S MANOR

E não era incomum para os músicos locais,

aqueles que se sentiam à vontade,

querer entrar
e se sentar com as celebridades.

Uma noite, um grande saxofonista de bebop,
Sonny Stitt, veio.

Wayne foi lá com calma,

sem presunção, e esperou.

E Sonny

começou a tocar em tons
que eu não havia aprendido.

Wayne foi lá e começou a tocar,

e Sonny ficou parado e Wayne tocando.

E ele começou a olhá-lo,

e era óbvio que estava dizendo:
"Caramba! De onde veio esse garoto?"

E as pessoas souberam disso.

E acho que foi onde a lenda
do Newark Flash começou.

Sempre tentávamos fazer o Wayne
tocar com eles.

Dizíamos: "Wayne, fulano está aqui.

Vamos lá pegá-lo."

E Wayne queimava o filme deles,
por assim dizer.

Porque eu era rápido.

Isso significava dedos rápidos.

"Lá vem o Dedos Rápidos."

Havia um grande músico saindo de Newark,

acho que foi a primeira vez
que lembro ouvir sobre o Wayne.

Tinha meu aviso de convocação militar
no bolso traseiro

e ia passar
minha última noite de liberdade

ouvindo-os tocar.

Max Roach tocava.

Max Roach, o baterista, veio e disse:

"Você é o flash de Newark, certo?"

Respondi: "Como assim?"

Ele disse: "Venha, traga seu saxofone."

E fui lá com a banda.

E muitos outros músicos,
e disseram:

"Esse é o novo cara chamado Coltrane
que Miles pode contratar."

"Dizzy Gillespie veio pra cidade"
e alguém disse:

"Miles Davis procura
alguém chamado Cannonball."

Então, tudo isso acontecendo
e eu ia pro Exército.

BEM-VINDO A 9ª DIVISÃO DE INFANTARIA

FLASH DE NEWARK EM NOVA YORK
1959 - 1972

Quando eu estava prestes a ser dispensado
do Exército,

recebi uma ligação.

Horace Silver, um grande maestro,
o convidou pra tocar com eles.

Ele tocava poucas datas,
mas tinha um legado duradouro.

Horace Silver deu
um conselho importante ao Wayne:

"Você é um compositor brilhante.

Cuide sempre
dos seus direitos de publicação."

Músicos morreram quase sem um tostão
por não terem esse conselho.

Confiaram nas pessoas erradas.

CIDADE DE NOVA YORK
1954

Na época, a maioria dos principais grupos
de jazz do país

morava em Nova York.

Você sentia a novidade chegando,

adolescentes

sentados lá com roupas de formatura

ouvindo bebop, a nova música,

pela primeira vez, sentados ouvindo,
e não dançando.

CANTINHO DO JAZZ
BIRD LAND

Birdland era o local badalado,
onde você podia ser visto.

Você podia ver
o pugilista Sugar Ray Robinson,

o ator Sidney Poitier,

e Wayne teve a chance de ver
como essas pessoas se comportavam

com elegância e dignidade.

Wayne descreveu como gente vivaz,

gente equilibrada e orgulhosa.

Todos tínhamos um uniforme.
Jeans era para trabalhar.

O que você usaria
se fosse mecânico como o meu pai.

JIMMY HEATH
SAXOFONISTA E COMPOSITOR DE JAZZ

Era uma geração de orgulho,

e eu sei que tínhamos algo diferente.

GREG TATE - AUTOR DE MÚSICA
E CULTURA AFRO-AMERICANA

Tornou-se uma música
que se identifica com sofisticação.

LEMBRANDO JOHN COLTRANE

Ser um homem jovem e elegante.

NO PRIMEIRO SOM, VOCÊ SABE QUE É DIZZY...
NO PRIMEIRO GOLE, VOCÊ SABE QUE É CHAMPALE

HISTÓRIA DE TRISTEZA DE CHET BAKER

BEBOP E ALÉM

O que era da hora
era quando alguém me pedia dinheiro.

Ele pedia: "Pode me emprestar um dólar?"

E eu respondia: "Só tenho 25 centavos."

E ele virava e dizia:

"Por que não me dá um pouco disso?"

Tocávamos no Canadá,

na exposição canadense.

Sarah Vaughan, eu acho que a banda
de Count Basie estava lá.

E The Jazz Messengers.

JAZZ MESSENGERS
DE ART BLAKEY

Eles tinham ternos de corte continental.

Lembro que tocaram Evidence,

algo que Thelonious Monk compôs.

Eles eram o futuro. O futuro estava lá.

Art Blakey tocando no contratempo.

Você não podia fazer isso em Minton's...

DON WAS - MÚSICO, PRODUTOR MUSICAL
PRESIDENTE DA BLUE NOTE

...e não ser retirado do palco.

Cara, era o nascimento do hard bop.
Isso mudou tudo.

Frequentemente havia uma tentativa
dos músicos de evitar...

JASON BIVINS - AUTOR DE "SPIRITS REJOICE"
JAZZ E RELIGIÃO AMERICANA

...o olhar crítico do ouvinte branco.

Perguntaram a Thelonious Monk
o que é jazz.

Monk respondeu: "É liberdade.
Mais do que isso é complicado."

Perguntaram: "Por que compõe
música tão complicada?"

E a resposta de Monk foi:

"Componho música que brancos não entendem.

Assim, eles não podem roubá-la."

Lee Morgan, o grande trompetista.

Ele era fã e amigo do Wayne.

Lee Morgan era como um filho
para Art Blakey,

então ele fazia praticamente tudo
que Lee pedia.

Lee Morgan veio e disse:

"Wayne, quer fazer parte da banda
The Messengers?" Respondi que sim.

Quando você tem 21 anos,
acha que pode dominar o mundo.

A banda tocava A Night in Tunisia.

Na introdução, que era
uns oito minutos de percussão...

HAL MILLER
HISTORIADOR DE JAZZ E AMIGO

...todos escolhiam
um instrumento de percussão.

Wayne costumava pegar claves de madeira.

Wayne só...

Lembro-me de ver um cara dizer:

"Caramba. Dê uma bebida ao cara!"

Mas quando ele tocava,
havia uma transformação,

e era como...

"Veja só."

Aquela natureza fogosa dele
surgia do nada.

No dia que ele entrou,
na minha opinião,

ele foi o melhor músico da banda,
e todos eram excelentes músicos.

Wayne era uma pessoa
que tinha feito o dever de casa.

Você mencionava o nome,

Wayne podia tocar um fraseado
que soava como Prez.

REGGIE WORKMAN - BAIXISTA DE JAZZ
THE JAZZ MESSENGERS (1962 - 1964)

Ele tocava uma frase
que soava como o John.

Ou como Bird.

Mas é o dever de casa que ele tinha feito.

Com 26 anos,
eu achava que era o Super-Homem,

e quando vinha o intervalo,
comíamos e eu bebia.

Eu pedia um conhaque duplo ou triplo.

Nós comíamos, bebíamos mais um pouco
e íamos tocar.

Você toca e perspira.

Os mais velhos diziam:
"A maior parte sai

com o suor."

Lembro uma vez em Birdland,
estávamos tocando,

as pessoas não paravam de conversar,

e Art Blakey parou a banda.

As pessoas estavam conversando,

brindando e tal.

Art pegou o microfone e disse:

"Com licença, cavalheiros,
estamos tentando algo aqui.

E se não quiserem ouvir
o que estamos tentando fazer,

deem o fora daqui.

Vocês não fazem
essa merda no Carnegie Hall."

O lugar ficou quieto.

Trabalhávamos com alguém como Art Blakey,

que era famoso na época.

Art era um incrível artista.

Ele fazia coisas com a bateria.

Ele podia tocar
como se um tsunami estivesse vindo.

Soar dos tambores.
Ele chamava de encruzilhada.

Parecia que ele ia sair voando.

Agora, vamos trazer

o saxofonista, Wayne Shorter.

Art e Wayne

tinham um relacionamento

em que Art, apesar de ser dogmático

e querer as coisas do jeito dele
em cada batida e estribilho,

Wayne sempre estava na frente.

E Art sempre quis
e permitia que ele estivesse na frente.

Eu reconheço Art olhando pro Wayne

e percebendo que havia algo especial ali,

como se houvesse limite do que dizer
a essa pessoa

porque ele tem ideias próprias.

Arrasou! Que bocão!

Ele descobriu
que Wayne tinha uma arma secreta,

e o que é notável
é quão depressa ele se tornou

o compositor da casa
para o Jazz Messengers de Art Blakey.

"Quando tiver uma banda,

assegure-se de ter
alguém que saiba compor."

A banda passou a tocar suas composições
todas as noites, o que era incomum.

Wayne era tão bom compositor

que quase tudo que compunha
fazia sucesso.

Levei a música a sério desde então.

Eu também queria ser como ele.

Queria que minhas expressões demonstrassem
o que queria dizer musicalmente.

Queria que as pessoas soubessem.
É daí que eu venho.

CURTIS FULLER - TROMBONISTA E COMPOSITOR
THE JAZZ MESSENGERS (1961 - 1966)

E ele me ajudou
a enquadrar minha narrativa.

Wayne adorava Lester Young.

Lester, na verdade, era mais como o Wayne,

talvez, mais que os outros músicos,
pois Lester era um solitário.

Lester tinha
seu jeito idiossincrático de falar.

Quando Lester faleceu em 1959,

Wayne compôs "Lester's Left Town".

Lester tinha um jeito de caminhar

que Wayne captou em sua música.

Wayne Shorter não escrevia
músicas simples,

ele compunha.

Se perguntar o que era diferente
nas canções dele?

Quando você ouve,
percebe a diferença imediatamente.

Eu acredito piamente
que cada nota é pensada

e não eram emprestadas.

Provavelmente 40% das composições de jazz
se baseiam em canções populares.

Wayne não fazia isso,
ele escrevia suas próprias mudanças.

Eles faziam
coisas harmonicamente diferentes.

Ele era alguém que te cativava...

BOB BLUMENTHAL
CRÍTICO DE JAZZ E JORNALISTA

...quando o ouvia tocar.

The Jazz Messengers tinha
um claro senso de missão.

Eles criam ter um propósito importante
de pegar a estrada,

e espalhar uma mensagem,
através do jazz...

CENTRO COMUNITÁRIO DA JUVENTUDE DO HARLEM

...de globalismo, unidade...

QUEREMOS IGUALDADE

...e orgulho negro.

Justiça social...

JUSTIÇA

...igualdade, a luta pela liberdade.

LIBERDADE

E bebop ia contra aquilo
que as pessoas aceitavam.

MANTENHA LLOYDS ABERTO
LUTE PRA MANTER MEU PAI EMPREGADO

Wayne começou a viajar para o exterior,

e, na época,
as pessoas não viajavam tanto.

Uma vez, na França,
nos deram bife tártaro.

Alguém da banda disse:

"Cara, que saudade
dos sanduíches da Subway

que temos na Filadélfia."

E Art dizia: "Você não veio até Paris,
na França,

pra falar de sanduíches...

Veio para aprender sobre a cultura, cara."

Não traga sua cabeça provinciana
a um novo lugar.

Pode manter a mente aberta para absorver,

escolher o que gosta
e manter a boca fechada.

A menos que vá falar francês.

Autoridades no Mississippi
ainda não têm pistas

sobre o paradeiro de três voluntários
de direitos civis

desaparecidos há uma semana...

Havia muita raiva na época.

Foi entre a marcha de Selma
e a aprovação da Lei dos Direitos Civis.

Foi um tempo tumultuoso.

Acho que "Free For All"
podia ser as pessoas tocando muito

ou podia ser liberdade para todos.

Que é o que ele queria dizer.

MARCHAMOS COM SELMA!

VAMOS SUPERAR

Se a banda de Blakey, por exemplo,

se apresentasse
em certas partes do país...

SALA DE ESPERA PARA NEGROS

podiam tocar na boate do hotel,
mas não podiam se hospedar lá.

HOTEL PARA NEGROS

CINEMA REX PARA NEGROS

Antes do movimento Black Power...

CINEMA PARAMOUNT
ENTRADA DE NEGROS

...os artistas negros

viviam uma realidade dupla.

Eles eram mais independentes.

Eram trovadores, eles viajavam.

Então, não importava o que encontrássemos
nos EUA segregados,

estava com algumas das pessoas

mais engraçadas, inteligentes e modernas.

HOTEL ASTOR
PESSOAS DE COR

Havia um escape do apartheid americano

com o talento deles.

The Jazz Messengers foi
o primeiro grupo de jazz moderno

a ser convidado ao Japão nos anos 60.

Foram recebidos por centenas
de garotas gritando,

da mesma forma que as americanas
receberam os Beatles.

Quando o avião pousou,

havia jovens com flores
por todo o aeroporto.

Sério, sem brincadeira.

Eles eram celebridades.
Eram como astros do rock.

Tinham fotos de todos da banda.

Todo mundo sabia tudo sobre eles.

Nessa época, Wayne Shorter tinha
alcançado reconhecimento.

Até vendiam paletós Wayne Shorter.

FRANCIS DAVIS
AUTOR, JORNALISTA, CRÍTICO DE JAZZ

Estávamos lá
e orgulhosos de sermos homens negros.

Todos tínhamos o mesmo corte de cabelo,
repartido igual.

Nos tornamos uma entidade.

ART BLAKEY E THE JAZZ MESSENGERS
TÓQUIO 1961 - SHOWS COMPLETOS

Subimos a outro patamar.

Quando viajávamos muito,
eu sentia que cada lugar

era onde vivíamos.

O quarto de hotel era nosso lar.

Eu nunca tive namoradas
nem algo parecido.

Observei muitos dos rapazes

ansiosos pra ir pra Europa
achar uma namorada.

Art Blakey dizia algo assim.

"Quem vier à boate
com uma namorada que não for gata

vai pagar multa,

vai ter dinheiro retirado do salário.

Quando trouxer alguém à boate,

ela tem de ser bonitona.

Cavalheiros, isto é um negócio."

Ele ainda compunha
para The Jazz Messengers,

mas, ao mesmo tempo,

Wayne fazia uma série
de gravações incríveis para a Blue Note.

Wayne compunha
pelo menos uma canção por semana.

Ele nos chamava depois do trabalho:

"Venham ouvir no meu quarto
a canção que acabei de compor."

APRESENTANDO WAYNE SHORTER

A primeira vez que ouvi Wayne,
foi o álbum

que se chamava Wayne Shorter,

e tinha uma foto grande
do seu rosto na capa.

Eu ouvi. Wayne tinha um som próprio.

Ele já tinha seu próprio som.
Desde que me lembro.

Ninguém soava como Wayne.

Em Night Dreamer,
seu 1º álbum com a Blue Note,

ele expressa bem sua filosofia
nas notas da seleção de músicas.

O TÍTULO DO ÚLTIMO NÚMERO
É ARMAGEDOM.

Há uma música chamada "Armageddon".

Ele disse: "A questão não é ter cuidado.
É estar ciente."

As primeiras composições
eram ótimas quando ele as tocava.

Mas ele amadureceu, passo a passo.

Ao tocar uma matinê em Nova York,
alguém me bateu no ombro.

Me virei. Era John Coltrane.

Ele disse: "Você toca saxofone como eu.

Está explorando como eu.

Venha à minha casa."

Me convidou à casa dele.

Ele costumava ir à casa do John
na esquina da 103 e Amsterdam,

e, na época, ele e John eram bons amigos.

Você os ouvia ensaiando
dia e noite por horas.

Ele tinha um piano,
e batia na parte grave do piano,

e conseguia um acorde.

Parecia uma explosão.

Ele me dizia. "Veja o que pode encontrar.

Não importa o som que ouvir,
tente achar um rosto. Um rosto.

Ache a pessoa, ache a história."

E começávamos a falar sobre o tom
como uma forma de te levar a lugares.

Speak No Evil é
o melhor álbum no catálogo da Blue Note.

É a joia da coroa.
Não há uma nota desperdiçada no álbum.

É um lindo álbum. Perfeito.

Herbie Hancock,
mesmo na tenra idade de 22,

já sabia mais
sobre harmonia do que ninguém.

Mas foi o Wayne
que abriu o caminho para eles.

E eu não ouvia as notas.

Não ouvia escalas.
Era uma conversa.

E ele usava a energia desses caras.

E a visão que eu tinha ao fechar os olhos,

eu imaginava Wayne descendo a rua,
e a adversidade vinha ao seu encontro.

Ele contornava os problemas,
permanecendo calmo o tempo todo.

É maneiro.

Esta é uma mensagem universal...

...que permeia seu ser,
permeia a sua alma.

E ele tem mais 50 canções
que podem fazer isso por você.

Conheci minha primeira esposa
ao trabalhar em Chicago.

Wayne descreve como seu primeiro encontro
logo se tornou seu primeiro casamento.

Ela era muito misteriosa para ele.

Não sei
se ela foi um mistério que ele resolveu.

Ela tinha uma irmã gêmea.

Elas mostravam fotos de si mesmas

atrás de arame farpado.

Era o campo de concentração americano
para japoneses americanos.

Wayne tinha
pouca experiência com mulheres.

Ele era muito tímido
quando conheceu Teruko,

e acho que foi uma espécie de redemoinho.

E logo depois que se conheceram,
nasceu sua filha, Miyako.

Ser pai e ser músico

é como um estado de constante evolução.

E essas coisas não acontecem do nada.
Fazem parte de um processo.

MIYAKO SHORTER
FILHA

Quando ele estava casado com Teruko,

Teruko não...

era feliz.

É necessário uma parceria funcional

para manter um casamento.

E um lar.

Mas o casamento
e o lar não estão no vácuo.

É como manter, de certa forma, o mundo.

Ele tinha passado por experiências
que eu sei,

e eu estava com ele
em seu quarto na Filadélfia,

e eu sabia
que ele estava passando por algo,

e meu espírito e coração
estavam lá com ele.

Eles estavam se separando.

E Wayne é um homem de família.

Muito leal.

E isso estava partindo o coração dele.

Havia uma bolha,

como eu pensava que a vida deveria ser.

E aí quando nos separamos,
nos divorciamos, foi...

Teruko precisava partir naquele momento...

KATHY LUCIEN
SOBRINHA DE WAYNE

...e cuidar do que fosse preciso
para se sentir realizada.

E isso deixou Wayne cuidando da Miyako.

Deve ter sido um desafio e tanto,

sendo um músico na estrada o tempo todo.

Perguntei a ele:
"Qual é a ferramenta mais importante?"

Ele respondeu: "Sua imaginação."

MARCUS MILLER - BAIXISTA DE JAZZ
(COM MILES DAVIS 1980 - 1990)

Eu disse ao Wayne
que guardei isso comigo,

mas também, pensando bem,

tão importante quanto a imaginação

é ser destemido
para respeitar sua imaginação.

Art Blakey fez
o melhor comentário sobre ele.

Art Blakey dizia
que ele tinha a imaginação de uma criança.

TERENCE BLANCHARD - TROMPETISTA/COMPOSITOR
THE JAZZ MESSENGERS (1984 - 1988)

O que acredito ser verdade,
porque sua imaginação é ilimitada.

Ele é um cara

que não é preso a tradições.

Vamos lembrar, quer chova ou faça sol,

você tem de se arriscar.

Tem de se arriscar.
Passou do ponto de retorno.

Você é um líder, não um seguidor.

Ele tinha entrado na banda, tocando...

O cara arrasava...

Eles saíam dizendo:

"Nossa... Wayne Shorter, cara...

Caramba, ele toca, mas caramba,
soava como ovos mexidos."

John Coltrane veio por trás e disse:

"É a forma como ele mexe esses ovos."

Ele mesmo costumava dizer
que a tradição de The Jazz Messengers

é criar líderes de banda.

"Precisa estar pronto
pra começar sua própria banda."

Quando fui à casa de Miles,

ele tinha uma composição do Wayne
com a letra do Wayne.

Ele deixava no piano,
como parte da mobília,

entende? E para isso ser

algo que Miles decidiu expor,
devia ser importante.

"Alô."

Ele está tocando o violão...

"O violão é foda, né?"

"Miles?"

"Quer vir pra minha banda?"

Falei: "Acabei de entrar no Messengers.
Ninguém gosta de vira-casaca."

"Entendo o que quer dizer.

Quando estiver pronto,
me avise." Desligou.

Foi em 1963.

Depois de assegurarmos que estávamos
na banda do Miles,

o nome do Wayne surgiu,
e Tony e eu sentimos

que Wayne se encaixava
na direção que estávamos tomando.

Ele e eu conspiramos para ter Wayne
na banda do Miles Davis.

Depois descobri que Miles
também queria o Wayne.

Miles Davis tinha Herbie Hancock,
Ron Carter, Tony Williams.

Mas eles ainda estavam reciclando
o que Miles Davis já tinha feito.

Mais um ano se passou.

E ao tocarmos perto de Nova York,

Lee Morgan estava ao meu lado no palco,

e a música continuava
com Art na bateria.

"Ei, Wayne. Miles está aqui."
Ele disse: "Ele está te checando."

Tivemos um ensaio com Art Blakey.

O telefone toca no ensaio...

e Lee atende e diz bem alto: "É o Miles."

Art está na bateria, e Miles disse:

"Está pronto?" Respondi que estava.

Ele falou: "Então venha."

Art, na bateria, olhando de lá.

Eu parado aqui.

"Ele quer roubar meu saxofonista."

E Blakey pegou o telefone
e ameaçou quebrar

seis ou sete ossos importantes
no corpo do Miles.

Tony e eu pensamos:
"Isso vai ser incrível.

Wayne vem conosco. Que legal."

Ele me deu o endereço do alfaiate dele,
perto da casa dele.

Disse: "Vá ao Victor.
Ele vai te aprontar."

Tocamos naquela noite, tarde.

E foi exatamente como esperávamos.
E mais.

Pra maioria, quando se toca rápido,
perde a profundidade.

Poucos podem tocar extremamente rápido
e incrivelmente profundo.

Sei que Miles estava de olho no Wayne.

Como estava de olho no Coltrane.

Era o Miles.

"Vamos gravar na segunda."

E isso significa...

que ele curtiu.

Ele gosta do que ouve.

Fomos ao estúdio, e ele perguntou
se eu tinha uma música. Respondi que sim.

A primeira música se intitula E.S.P.

Ele olhou e disse: "Vamos tentar essa."

E se tornou o título do álbum.

Daquele dia em diante,
quando me chamava pra gravar,

ele terminava dizendo:

"Te vejo no estúdio. E traga o livro."

Era um encaixe perfeito.

Alcançava o novo território
que buscávamos.

No álbum E.S.P, você percebe

a música indo para um lugar inédito.

O encontro de Miles Davis
com um compositor prolífico.

Trane também era um ótimo compositor.

WALLACE RONEY - TROMPETISTA DE JAZZ
MILES DAVIS QUINTETO (1991)

Ele não era prolífico melodicamente
como Wayne Shorter.

Quando Wayne Shorter chegou,
ele deu muito com que Miles trabalhar.

Miles era o maioral,
era seu nome no cartaz.

Mas nós sabíamos
que eram composições de Wayne Shorter.

Wayne Shorter tirou Miles Davis
da mesmice em que se encontrava.

Sua presença provocou uma virada

que também permitiu Herbie, Ron e Tony

se expressarem ao compor para Miles.

Wayne diz que ficar
ao lado de Miles no palco

faz você querer melhorar.

Disse que foi trabalhoso
se sentir confiante.

Miles se importava

com a natureza de como ele se vestia.

Ele sempre estava elegante.

Na cultura negra urbana dos anos 60,

estilo era mais
do que um modo externo de se vestir.

PAREÇA SEU MELHOR,
FAÇA O SEU MELHOR

Estilo representava a alma de um homem.

Estilo não era apenas ornamentação.

Estilo era o próprio espírito.

Isso é no começo dos anos 60,
e apesar de as coisas estarem mudando,

as bandas se vestiam
de forma bem conservadora

no sentido de não apenas usarem ternos,
mas de usarem o mesmo terno.

Miles comprou paletós para nós,
como um uniforme.

Odiávamos esse uniforme.
Era horrível, certo?

E tinham aplicações.

Não era nada legal.

Miles dizia:

"Se não puder tocar música
que atraia as garotas..."

Ele usava outra palavra, P-I-R-A-N-H-A.

"Tragam as piranhas."

"Achem outra profissão."

Os músicos do Miles contavam

que ele ficava no hotel o tempo todo.

Na verdade, uma vez, Miles mandou Ron

descobrir o que Wayne fazia
no quarto do hotel.

Era um mistério.

"O que Wayne faz durante o dia?

O que ele faz?"

Porque volta e meia,
eu tinha uma música pra tocar.

Wayne era... Pra mim, na época, estranho.

Intrigante. Interessante.
Mas um pouco esquisito.

Eu precisava descobrir
se ele era um gênio ou só maluco.

Lembro-me de ir ao quarto dele,

conversarmos muito,
e eu comecei a entender

os joguinhos que fazíamos

com a linguagem, com formas de pensar.

Era quase como um quebra-cabeça.

Levei horas pra perceber

que Wayne não apenas era um gênio,

mas que achava que todo mundo era.

Quando viajávamos,

Wayne procurava uma livraria.

Nos aeroportos, ele procurava livros...

RON CARTER - BAIXISTA DE JAZZ
MILES DAVIS QUINTET (1963 - 1968)

...e meu trabalho era limitar
os livros que Wayne comprava,

pra não termos muito pra carregar.

Antes de um show
na Plugged Nickel em Chicago,

falando com Tony Williams,

Tony disse: "Está ficando fácil demais.

Preciso tocar coisas inesperadas."

E Tony chamou isso de antimúsica.

"Beleza, vou tocar antimúsica também."

Alguém mencionou isso ao Wayne.

Ele não falou muito,

e Ron Carter entendeu e concordou.

Quando estávamos entrando na boate,

notamos que havia gravadores ali,

porque a gravadora ia nos gravar

e ninguém tinha nos contado.

Então pensei: "Espere aí.
Como vamos tocar antimúsica

quando vamos soar mal no começo?"

Mas Tony disse: "Vou ficar firme."

Falei: "Está bem, Tony, vou ficar firme,

ainda vou tocar antimúsica."

Achamos que seria horrível.

E ninguém contou ao Miles.

Fizemos o oposto.

A tensão aumentava,

e ao invés de resolver na próxima batida
com grande impacto,

ficaria...

vazio.

Ou seria apenas o prato sem o bumbo.

É um método de jogar algo pro outro

para podermos quebrar os hábitos.

Apesar de ser estranho

e tosco, tinha uma certa pureza.

Foi um precursor do que viria.

Mudou o estilo do Miles Davis Quintet.

Depois disso, eles se apresentavam
nesse estilo solto.

Ele explicou como criou
a linha de base para "Footprints".

LENNY WHITE
BATERISTA DE JAZZ FUSION

A linha de base era
como um gigante andando.

Então, você faz...

No último passo, você não pisa. Vai...

Gravei primeiro sozinho.

Eu tinha um contrato de gravação
com a Blue Note. Miles ouviu, quis tocar.

SILÊNCIO - ÁREA DE GRAVAÇÃO

Como se chama?

Com força!

Footprints (pegadas).

Certo, é Woodprints, primeira tomada.

Desculpe, Footprints.

Entendeu?

Ainda não, porque não sei a melodia.

Quer que eu toque isso até o fim?

-Quero que toque como introdução.
-Certo.

E ele começou a tocar, e foi...

A música tem de sair de um momento.

Todos nós tínhamos espaço.

Miles mudava a composição de todos.

Miles nunca teve de mudar
as composições do Wayne.

Sempre eram perfeitas para a banda.

A vida de um músico de jazz nos anos 60

era praticamente nas boates.

Entre apresentações, o que você fazia?

Bebia.

Todos bebiam na época.

Wayne estava em turnê com Miles,

e seus pais foram até a Filadélfia

para ver o quinteto se apresentar.

Na volta para casa em Nova Jersey,
houve um acidente de carro.

E seu pai morreu na hora.

Após a morte do pai do Wayne,

Wayne começou a ficar até tarde da noite
no bar com Miles.

Eles afogavam as mágoas.

E Miles dizia: "Quer voltar
pro quarto de hotel vazio?

Nem eu. Vamos ficar aqui e beber."

Perguntei à minha mãe: "O que gostou
no meu pai quando se conheceram?"

Ela respondeu: "Seu jeito de andar."
Perguntei: "Como assim?"

Ela disse: "Ele sempre parecia
estar subindo uma ladeira.

Andava como se fosse a algum lugar."

Senti que sabia o que ela queria dizer.

Estávamos vivendo um tempo de revoltas

com os direitos civis,
com a Guerra do Vietnã...

APOIEM NOSSOS SOLDADOS
TRAGAM-NOS PRA CASA

Tempos tumultuosos, de desordem.

Por exemplo, fomos todos afetados
pela explosão em Birmingham.

Estávamos cientes
que pediam por identificação

ao entrarmos
em um bom restaurante ou hotel.

Nunca discutimos isso como grupo.

Nunca falamos de nosso sentimento

em termos de tomar
uma posição abertamente.

Esta música apresentava
uma conscientização.

PARTIDO PARA AUTODEFESA
PARTIDO PANTERAS NEGRAS

VALE A PENA LUTAR PELA LIBERDADE

REVOLTA DO ESCRAVO NEGRO AMERICANO
AMÉRICA DO HOMEM NEGRO

LIBERDADE AGORA!
A RECONSTRUÇÃO NEGRA NOS EUA

Miles Davis era a representação
do orgulho negro.

Uma vez, um fotógrafo branco
veio aos bastidores com Miles

e começou a tirar fotos sem permissão.

Wayne disse que Miles derrubou a câmera.

E falou: "Acha que pode vir aqui

e tirar fotos só porque é branco?"

Outra vez, um fotógrafo negro veio
aos bastidores.

Miles derrubou a câmera dele e disse:

"Acha que pode vir

e tirar fotos só porque é negro?"

Havia sempre a sensação
de que a realidade era mais complicada.

A realidade era cinza.

Wayne sempre esteve mais interessado

em fazer declarações políticas
através da arte.

Conheci Ana Maria

quando tocávamos com Miles
em Village Gate.

Fomos pro camarim
depois da primeira apresentação

e Maria disse:
"Esta é minha irmã, Ana Maria."

E foi amor à primeira vista.

MARIA LUCIEN
IRMÃ DE ANA MARIA

Eles eram tão bons juntos.
Foram feitos um para o outro.

Ela falava o que pensava desde o começo.

Ele disse, muitas vezes,
que Ana Maria tinha tudo.

Ela era linda.

Educada. Falava vários idiomas.

E começávamos a falar sobre a vida
e sobre não dar valor às coisas.

Pensei: "Ei, tem algo especial aqui."

Eles têm uma personalidade parecida.

'ANA MARIA'
PINTURA DE WAYNE SHORTER

Wayne conhece tudo, estuda e lê tudo.

E Ana Maria também era muito inteligente.

Ela desafiava Wayne.

E acho que ela o incentivou
e foi uma musa para ele.

Ela me disse que o amava
e que ia se casar com ele.

Era o homem para ela.

Ana Maria conseguiu que Wayne

se reunisse com músicos
em Upper West Side de Manhattan

que eram vagamente associados a Miles.

Eles se reuniam no apartamento
de Walter e Maria Booker

para sessões de improvisação.

Minha casa ficava aberta das 13h

até as 6h da manhã todos os dias.

Herbie Hancock e sua esposa, Gigi, iam lá.

Dave Holland ia lá.

Walter ficava religando as coisas...

DAVE HOLLAND - BAIXISTA E COMPOSITOR
MILES DAVIS QUINTET (1968 - 1970)

...fazendo tudo rolar.

E uma grande jam session acontecia.

Ficavam noite e dia.

Chick Corea aparecia lá.

Eram os músicos grandemente responsáveis

por ajudar Miles na sua evolução
para um som diferente.

Foi nessa época que Miles começou
Bitches Brew, aquela gravação.

Mostrando aonde rock
e blues poderiam chegar.

Com Miles, era penetrante, instigante,

esclarecedor

e surpreendente.

Fazia as pessoas mudarem de ideia
sobre algo,

seu comportamento ou tomada de decisão.

A música tem uma função específica,
que é aquietar a mente

para deixá-la suscetível
à influência divina.

Começamos a ter um entendimento diferente
de como o espaço funciona na música

do Wayne e do Davis, e de certa forma,

o espaço pode também ativar
e animar as mentes.

Wayne está tentando tocar menos música

em vez de mais música
e tentando deixá-la mais aberta.

Perguntei à Ana Maria.

"O que significa 'feio'?"
E ela respondeu: "O que não é belo."

Há composições musicais

saudadas por peritos que estavam
levemente além do meu perímetro.

Lá está no pano de fundo. Tudo está lá.

Estou cozinhando, sei lá.

E aí, um dia, talvez semanas depois,

derrubei a espátula,

porque fui tocado pelo espaço

embutido entre as notas.

Isso me deu a chance
de me levar à música.

Era um portal,
onde eu podia agora ser parte da música.

Porque sabe o que isso fez?

Jogou um momento de volta pra mim.

"Nessa fração de segundo,
ou nesse momento,

se encaixa no que estamos fazendo."
Foi um momento de transformação.

Uma das primeiras conversas
que tive com Wayne foi em um voo.

Ele me disse:

"O que acontece
quando se chega ao fim do universo?"

FIM DO 1º PORTAL

Legendas: Branca Vanessa Nisio

Supervisão Criativa:
Cláudia Santi