All language subtitles for Vaslav.Nijinski.une.ame.en.exil.2000.720p.LEGENDADO.WEB-DL.x264-gooz_Track03

"Sou Deus e Touro.

Sou um hindu.
Sou um índio.

Sou um negro.
Sou um chinês.

Sou um japonês.
Sou um estrangeiro.

Venho de outro lugar.

Sou um pássaro do mar.
Sou um pássaro da terra.

Quero dançar, quero desenhar,
quero tocar piano.

Quero compor balés,
quero amar todo mundo.

Eu sou um homem.
Eu sou um homem."

"Sou Nijinski,
o que morre se não for amado."

No final de 1917, exausto
por uma turnê, na América do Sul,

Vaslav Nijinski,
a estrela dos Balés Russos,

o "Deus da dança",
voltou para a Europa

e escolheu a Suíça
para descansar.

Instalou-se, com a família,
em uma casa,

na cidadezinha de Saint Moritz.

Com instabilidade psíquica,
desde a adolescência,

Vaslav viveu, nessa casa,
o início de sua agonia mental.

Consciente da loucura
à espreita,

começou a escrever os cadernos
que redigiu em 6 semanas.

"Minha mulher dorme, ao lado.

Estou sem sono.

Escrevo, à noite.

Sei que meu sofrimento
é necessário,

por isso sofrerei."

"Não quero dançar,
em Saint Moritz,

pois as pessoas
não gostam de mim.

Elas querem que eu viva
como elas vivem.

Sei que pensam que estou doente.

Mas estou com saúde.

Amo a vida."

Em 19 de janeiro de 1919,
Nijinski aceitou dançar

para um evento beneficente,
no Suvretta House,

um palácio,
à saída de Saint Moritz.

Foi sua última dança
em público.

Ele disse à mulher que queria
mostrar a angústia da criação.

Na plateia, sobretudo,
ricos desocupados.

Privilegiados que a guerra
ainda não havia arruinado.

Vaslav estava muito nervoso.

Não dançava em público,
havia mais de 1 ano.

Entrou na sala,
pegou uma cadeira e sentou,

diante da plateia, a qual encarou,
por minutos intermináveis.

Como em um transe.

O público parecia hipnotizado.

"A noite toda, eu senti Deus.

Ele me amava.
Eu o amava.

Nós éramos casados.

No carro, eu disse a minha
mulher que esse dia

era o dia
do meu casamento com Deus."

Então, ele se levantou.

Com pedaços de tecidos
branco e preto,

formou uma grande cruz
que cobriu o chão.

E anunciou
que dançaria a guerra.

Diante de espectadores
atônitos, improvisou

o que a mulher Romola chamou

de "dança da vida
contra a morte".

"Ele fazia viver, sob
nossos olhos", escreveu Romola,

"uma Humanidade sofredora
e dominada pelo horror.

Era trágico."

"Seus gestos tinham
uma dimensão épica.

Como um mágico, ele nos dava
a ilusão de flutuar

sobre uma multidão
de cadáveres."

"O público, horrorizado,
parecia tomado de estupor."

"Eu estava nervoso,
queria agitar o público.

Eu dançava coisas assustadoras.

O público não gostou de mim.
Quis partir.

Então, comecei a dançar
coisas alegres.

O público começou a rir.

Eu ria, na minha dança.

Eu queria dançar mais,
mas Deus me disse: 'Chega.'

E parei."

"Nasci de mãe e pai
poloneses,

mas sou russo,
pois é lá que fui criado.

Gosto da Rússia.

Eu sou a Rússia."

Nascido em Kiev, em 1989,

Vaslav Nijinski foi o segundo

de três filhos de Thomas Nijinski
e Eleonora Breda,

um casal de bailarinos,
ambos nascidos em Varsóvia.

Artistas itinerantes,
exerceram sua arte, na Rússia,

que apreciava dançarinos
da escola polonesa.

Vaslav tinha só 7 anos
quando o pai abandonou a família.

Sua mãe foi
para São Petersburgo

e inscreveu o filho
na Escola Imperial de Balé.

"Eu amava minha mãe,
infinitamente.

Minha mãe não sabia
como nos sustentar.

Decidi trabalhar a dança,
ainda mais.

No teste de seleção,
os professores da escola

já se interessaram
pelo menino desengonçado,

que parecia de saúde frágil.

Graças ao pai, Vaslav
já tinha uma boa técnica.

Sua aptidão para o salto
era fenomenal.

A disciplina da escola
era a de uma academia militar:

os meninos usavam uniforme

e as aulas duravam
o dia inteiro.

Quando internos, os alunos
viviam no local de estudo

e dormiam em camas espartanas,

num dormitório
com paredes caiadas.

Rapidamente, os pedagogos
Nicholas Legat e Mikhail Obukhov

reconheceram o imenso
talento do aluno

e Vaslav atravessou,
rapidamente,

as etapas da sua formação.

Na virada do século,
a dança clássica

viveu uma época de ouro,
na Rússia.

São Petersburgo tornou-se
a capital europeia do balé.

Um francês, nascido em Marselha,
Marius Petipa,

reinava no Teatro Mariinsky.

Suas obras românticas,
"O Lago dos Cisnes"

"A Bela Adormecida"
ou "La Bayadère",

levaram ao teatro um público
de aristocratas elegantes.

Influenciado pela dança livre
de Isadora Duncan,

o dançarino e coreógrafo
Michel Fokine

quis reformar
o vocabulário coreográfico

e fazer uma síntese harmoniosa

entre a dança,
a música e a pintura.

Ele criou, para a grande
bailarina Anna Pavlova,

um dos seus mais famosos
solos: "A Morte do Cisne".

"Acordei muito tarde,
às 9h da manhã.

A primeira coisa
que fiz foi escrever.

Quero escrever,
por muito tempo, hoje,

pois quero dizer muitas coisas.

Sei que todo mundo dirá:
'O Nijinski está louco',

mas não me importa,
pois já fui o louco, em casa.

Todos pensarão isso, mas não
me colocarão num hospício,

pois danço muito bem."

"Comecei a dançar como Deus.

Todo mundo começou
a falar de mim.

Nos jornais, me chamavam
de 'menino prodígio'.

Não gostava do que
escreviam sobre mim,

pois sentia
que eram só elogios."

Logo, as "prima ballerinas"
do Teatro Imperial

queriam esse "deus"
como parceiro.

Entre elas, a famosa
Matilda Kschessinskaya

e Tamara Karsavina,
com a qual Nijinski

criou uma sólida amizade.

Sua fama crescente
permitiu a Nijinski

entrar na alta sociedade
de São Petersburgo

e frequentar pessoas totalmente
diferentes do seu meio familiar.

Durante um jantar, no Cubat,

um dos cabarés mais famosos
da capital,

Nijinski conheceu
Serge de Diaghilev,

homem que mudou
seu futuro e o da dança.

"Odiei Diaghilev,
desde o primeiro dia,

pois sabia do poder
que ele tinha.

Ele me chamou ao Hotel Europe,
onde morava.

Eu o odiei por sua voz
muito confiante,

mas fui tentar a sorte.

Fiz sexo com ele,
imediatamente.

Eu tremia como
uma folha de árvore.

Eu o odiava, mas fingi.
Sabia que, se não o fizesse,

minha mãe e eu
morreríamos de fome.

Foi por isso que o sacrifício,
para mim, tanto fazia."

Quando conheceu Vaslav,

Diaghilev já ocupava
um lugar proeminente

no meio artístico
de São Petersburgo.

Empresário hábil, formou
um grupo de balé de vanguarda

e organizou
uma grande turnê europeia.

Assim nasciam os Balés Russos,
dos quais Nijinski foi a estrela.

Eles iriam deixar
o mundo de joelhos.

Em Paris, Gabriel Astruc mandou
reformar o Teatro do Châtelet

para receber
a companhia de Diaghilev.

No dia 18 de maio de 1909,
quando a cortina desceu,

no ensaio geral
dos Balés Russos, Nijinski,

até então desconhecido,
já estava famoso.

Ele estava
em "O Pavilhão de Armide",

em cima de uma escada,

com um colar de diamantes
e de esmeraldas, bem alto.

Ele tinha um pescoço comprido.
E penas, na cabeça.

E uma roupa que lembrava

os escudeiros, de Luís XV.

E não se mexia.
De branco.

O público só olhava para ele.
Só para ele.

Ele tinha uma parte
pequena, no balé.

Mas, a partir desse dia,

tornou-se o ídolo

de todos os parisienses.

Uma nova dança está na moda:
"A Nijinskette."

Os Balés Russos são comentados.

E aparecem nos salões
onde há dança.

Usando trajes que lembram
os que Bakst desenha

para a companhia
de Serge Diaghilev,

nossos honestos dançarinos
tentam o impossível:

parecer as estrelas do grupo,
Karsavina e Nijinski.

Ele era bem curioso.
Era um macaquinho,

com pouco cabelo
caindo sobre as orelhas.

Suas mãos eram muito curtas.

Seus músculos eram bem grandes
e deformavam suas calças.

Não dava para imaginá-lo,
no palco.

Era outro personagem, no palco.

Aliás, ele dizia que o dançarino
deveria medir seu tamanho

quando está na ponta.

De repente,
viram um homem pular

e voar para o alto!

Um saltador prodigioso.

Com um aspecto físico
impressionante.

Ele parecia meio... asiático.

Diziam que era um chinês,
mas não era chinês.

Ele era polonês,
para ser exato... o Nijinski.

Mas era um garoto.

Depois de Armine, vieram
as danças do príncipe Igor.

Não sei se você viu,
com os Balés Russos.

Era algo espetacular,
com a bela música de Borodin.

Era o grande balé,
o grande sucesso.

Foi um triunfo.

TEMPORADA RUSSA
A ÓPERA BALÉS

A TEMPORADA DE DANÇA

"Eu amava os Balés Russos.

Dava-lhes toda minha alma.

Trabalhava feito um boi.

Vivia feito um mártir.

Sabia que Diaghilev
tinha dificuldades.

Ele sofria
por causa do dinheiro."

Diaghilev nunca tinha dinheiro.
Parecia um buldogue,

com o dente
no canto do sorriso.

Pintava os cabelos de preto
e deixava uma mecha branca.

Por isso, as dançarinas
o chamavam Chinchila.

Ele ficava no fundo do camarim,
com o monóculo de madrepérola,

sem dar nada aos dançarinos.
Era feroz. E sem dinheiro.

Sua máquina Kodak
continuava penhorada.

Ainda vejo o Nijinski,
pronto para entrar,

no papel do negro de Sherazade,
com as mãos nos joelhos,

para não manchar,
estragar a maquiagem, dizendo:

"Não entrarei se, amanhã,

não pegar a minha Kodak,
no prego."

Diaghilev disse "Não",
pois tinha um péssimo gênio.

Como Nijinski não entrava,
Diaghilev acabou cedendo.

"Diaghilev tem dentes falsos,
na frente.

Reparei, pois quando se irrita,
os toca com a língua.

Eles mexem e eu vejo.

Ele parece
uma mulher velha, má."

"Eu gostava
das meretrizes parisienses

quando estava com Diaghilev.

Ele achava que eu ia passear,
mas eu ia vê-las".

Em Paris, eu procurava
as de preço baixo,

com medo de ser descoberto.

Eu sabia que tudo
que eu fazia era horrível.

Eu tinha 20 anos.
Tinha medo da vida.

Não sabia que era Deus.

Não sabia o que fazer.
Tinha medo da vida."

"Tenho vontade de chorar,
mas não posso,

pois minha alma dói tanto
que tenho medo por mim.

Estou doente da alma
e não do espírito."

Petrushka é a história
de alguém que se perde,

num palácio de miragens,

e que, além disso,
usa máscaras.

No final, ele não sabe

se é seu reflexo,
ele mesmo ou outro.

Enfim, é um pouco

o problema do ator.

O ator que interpreta papéis,
que usa máscaras

e que, às vezes, pode
não saber bem quem é

e continua interpretando
seu personagem.

No fundo, Petrushka é Nijinski.

Foi ele quem o criou assim.

Ele, de tanto se encarnar
no personagem, ficou louco.

Acho que ele dizia
que era Petrushka.

Acho que ele soube imprimir,
segundo tudo que li,

pois é difícil saber,
de certa maneira...

Ele soube imprimir humanidade,

uma alma a esse fantoche russo

que é Petrushka.

E isso se vê muito,

nas fotos e nos textos
que existem.

A um objeto, ele deu uma alma.

É um conto de verdade.
Isso me faz sonhar.

O balé "Petrushka"
foi a obra extravagante

de um trio inspirado:
Igor Stravinsky fez a música,

Michel Fokine, a coreografia,

e Alexandre Benois,
o cenário e o figurino.

O fantoche Petrushka,
submetido a um mágico tirânico,

talvez seja, para Nijinski,
a representação simbólica

de sua dependência
de Diaghilev.

Ele se torna
seu papel preferido.

Em seu diário,
Stravinsky escreveu:

"Em Petrushka, ele foi
a pessoa mais emocionante

que já contemplei, num palco."

"Eu vivo onde Deus quer.

Viajarei a vida toda,
se Deus quiser.

Desenhei o Cristo
sem barba nem bigode.

De cabelos compridos.
Pareço com ele.

Só que o olhar dele é calmo
e o meu, salta por toda parte.

Sou um homem saltitante,
não um homem sentado.

Por isso, escrevo o balé
'O Entardecer de um Fauno',

com meu sistema de notação.

Foi um longo trabalho."

Encorajado por Diaghilev,
Nijinski coreografou

"O Entardecer de um Fauno",
com música de Debussy,

num cenário de Léon Bakst.

Essa primeira obra do jovem
coreógrafo de 23 anos

foi um dos balés fundadores
da dança moderna.

O que mais me impressiona

e causa admiração
e maravilhamento,

no coreógrafo Nijinski,
é que conhecemos muitos

grandes dançarinos
que, num certo momento,

decidiram se tornar coreógrafos,
quando ainda dançavam.

Muitas vezes, sinceramente,

fazem isso para se exaltar
como dançarinos

Mas o impressionante,
com Nijinski, é que ele era

um astro...

de um modo difícil
de imaginar, hoje.

Além disso, quando ele
decidiu ser coreógrafo,

isso era totalmente diferente.

Era um conceito
totalmente diferente para ele.

Não tinha a ver com ele,

mas sim com uma
determinada coisa.

Quando ele fez o fauno,

todos esperávamos que Nijinski

fosse pular, girar
e ficasse no ar,

mas ele não fez isso.

Ficou em duas dimensões,
da direita para a esquerda,

mas com uma intensidade
assombrosa.

Desafiador de todas as leis
do balé clássico,

"O Entardecer de um Fauno" tomou
mais de cem horas de ensaios

para uma peça que devia
durar só 12 minutos.

Após uma longa pesquisa,

um grupo coreográfico,
o Quatuor Albrecht-Knust,

remontou o balé de Nijinski,
na sua notação original.

Assim.
Combinem o movimento.

Agora, os punhos desenrolam

e o braço direito,
vertical, embaixo.

Andem. O braço fica vertical.

Andem.

Andem e virem.

Vertical, braço esquerdo.

Quatro, quatro, quatro...

Essa mão vai virar?

Não. Ela também fica aí.

-Entendi.
-Ela é reta.

-Ela é reta, mas apoia...
-Mesma posição das mãos?

-Não. Aí...
-Essa fica assim.

-Isso, essa é aí.
-Uma mão nunca fica

geométrica
e a outra, largada?

-Não.
-Ou solta, aqui, ou embaixo.

Nijinski sempre queria
que houvesse

uma espécie
de postura das mãos.

Ou seja, diferentemente
das mãos do balé clássico,

que são mais suaves.

Os braços devem incluir a mão.

Todas as posturas
influem nas mãos.

Elas não estão tensas,
mas os dedos são solidários

e as mãos alongam o braço.

Era uma posição
dificílima de manter.

Hoje em dia, há tantas
técnicas adicionais ao balé,

no trabalho contemporâneo,
com Isadora Duncan,

Ruth Saint Denis
Martha Graham e outros.

Mas, naquela época,
só tínhamos aprendido

a técnica clássica, então,

foi espantoso o Nijinski

conseguir pensar em uma nova
posição na qual queria

fazer o movimento e realizá-lo,
não apenas mostrar.

Já seria uma grande
conquista realizá-los.

Mas ele realizava.
Ele fez o balé todo.

O polegar.

Agora, é mais rápido. Vamos.

A ação e a dança,
de repente, se juntam.

Então, esse gesto é o drama.

O movimento

é a própria situação emocional.

E Nijinski foi o primeiro
a dizer

"tem que ser desse jeito".

Não pode ser feito
de outra maneira.

Tem que ser desse jeito.

No trabalho de Fokine,
havia muita emoção

e muitos movimentos lindos.

Mas muito disso era livre
e o Nijinski disse:

"Isso não é coreografia.

Coreografia é uma ciência
muito exata,

baseada em emoção

e na escolha de uma específica

linguagem de movimento

para uma específica
situação emocional."

Na estreia,
no Théâtre du Châtelet,

em 29 de maio de 1912,
o aspecto erótico da última cena,

na qual o fauno finge
um orgasmo no cachecol da ninfa,

fez escândalo.

Diaghilev exultou: o sucesso
do balé estava garantido.

"Quero dançar.
Quero desenhar.

Quero tocar piano.
Quero escrever versos.

Quero compor balés.

Quero amar todo mundo.

Esse é o meu objetivo, na vida.

Quero amar, amar.

Eu sou um homem."

"Um dia, peguei uma estrada

que levava a uma montanha.

Eu queria gritar, da montanha
para a cidade de Saint Moritz.

Não gritei.

Fui mais longe
e vi uma árvore.

A árvore me disse:
"Aqui, não pode falar,

pois as pessoas
não entendem o sentimento."

Fui embora e subi
a uma altura de 2.000m.

Senti uma voz e gritei,

em francês: "Palavra."

Continuei. Andei depressa,
descendo a montanha.

Passei em frente
ao Hotel Chantarella.

Achei que todos os nomes
eram importantes,

pois as pessoas
farão o caminho que fiz.

Eu passeava com Deus.

Eu me afastei do hotel.

Senti lágrimas,
pois entendi que toda a vida,

no Hotel Chantarella,
era a morte.

Os homens se divertem
e Deus se entristece."

Em 1913, a plateia
do Théâtre des Champs-Élysées

assistiu, siderada, à criação
de "A Sagração da Primavera",

coreografado por Nijinski,
com música de Stravinsky.

Há poucos vestígios
da coreografia que fez escândalo,

mas a reconstituição desse balé
permite imaginar o impacto.

Nijinski insistia para
que cada nota da música

fosse marcada
com um movimento e tal.

E Stravinsky chegou.

Ele se sentou ao piano.

Acho que havia assistido
ao ensaio. Estava consternado.

Ele disse "isso não é o tempo.

Isso tem que ser mais rápido
e isso, devagar."

E Nijinski: "Isso não pode
ser mais rápido e tal...

Sei o que os dançarinos
podem fazer."

Foi uma batalha épica,
entre eles.

Stravinsky sentou ao piano
e tentou fazer o ritmo.

Ele batia com os pés.
As mãos, no piano.

Gritava e tudo mais.

Mas não lembro quem venceu.

Existe um sentimento externo.

Sentimento
do que acontece no mundo,

as vibrações, naquela época.

Claro, a Primeira Guerra
Mundial estava chegando.

É o que sentimos,
em "A Sagração da Primavera",

em sua coreografia,
pelas descrições

e pela reconstrução
do que foi visto.

É esse horror que...

Que ele previu

e, instintivamente, criou.

E o balé causou um enorme
escândalo, por vários motivos.

Foi extremamente difícil
ouvir a orquestra,

por causa do barulho
causado pela plateia.

E Nijinski fazia o ritmo:

um, dois, três, um, dois,
um, dois, três.

Quando começou a segunda parte,

o sacrifício da donzela,

ela teve de ficar de pé,

talvez num compasso
17/2 ou 13/4,

nesse lugar, de pé,
com as mãos no queixo,

tremendo desse jeito.

Então, alguém da
plateia gritou:

"Um médico!"

E outro: "Um dentista!"

E mais alguém:
"Dois dentistas!"

Agosto de 1913.

O grupo dos Balés Russos
embarcou em turnê

pela América do Sul.

Diaghilev, a quem uma cigana
previu que morreria, na água,

não os acompanhou.
Essa ausência encheu de alegria

uma passageira:
Romola de Pulszky,

moça da alta sociedade húngara.

Apaixonada por Vaslav, após
vê-lo dançar como "Arlequim",

na Ópera de Budapeste,
ela achou um jeito de ir junto.

"Eu a conheci, no navio Avon.

Eu a amava e amava.

Não pensava no futuro.

Dei-lhe rosas que custavam
5 francos, cada.

Eu adorava dar-lhe
rosas brancas.

Eu sentia as rosas.

Dei-me conta que meu amor
era branco e não vermelho."

Romola e Vaslav
não falavam a mesma língua.

Ela falava húngaro,
francês, inglês, alemão.

Ele só conhecia o russo,

mas ela usou todo seu charme
para seduzi-lo.

O CASAMENTO DE NIJINSKI

A notícia do casamento
do amante

mergulhou Diaghilev
num estado de fúria e desespero.

Sem rodeios,
dispensou-o da companhia.

Para Vaslav, foi uma ruptura
afetiva e artística,

que o fragilizou ainda mais.

Em 19 de junho de 1914,
em Viena, Romola deu à luz

uma menina que ganhou
o nome de Kyra.

Desde pequena, a menina
era muito parecida com o pai.

Laços estreitos se criaram,
entre os dois.

Adulta, Kyra Nijinski
foi dançarina e atriz.

A vida toda, foi habitada
pelo espírito do pai.

Em 1920, nasceu
a segunda filha, Tamara.

Última testemunha
da história familiar,

Tamara vive, hoje,
em Phoenix, no Arizona,

onde criou a Fundação
Vaslav e Romola Nijinski.

Ele não deveria
ter se casado.

Mas ele tinha uma grande

adoração, admiração

pelas mulheres.
Ele adorava a mãe.

Ele adorava as mulheres,
as moças, como sabemos,

quando estava em Paris.

Ele devia estar apaixonado
pela minha mãe,

se não, por que teria pedido

sua mão em casamento?

Talvez fosse uma pessoa

de outro mundo.

Após seu casamento,
abandonado por Diaghilev,

Nijinski montou
sua própria companhia

e aceitou um negócio,
em Londres.

Mas ele não era
do mundo dos negócios.

"Fiz um negócio, em Londres,

no Teatro Palace, e fracassei.

Ainda estou num processo
contra esse teatro.

Adoeci, por excesso de trabalho,
e tive febre.

Minha mulher chorava.

Eu já sentia a morte.

Compreendi que havia cometido
um erro e ele era irreparável.

Eu havia me posto nas mãos
de uma pessoa que não me amava.

Minha mulher me amou
mais que as outras,

mas ela não me queria.

Ela queria o dinheiro
e o sucesso.

Ela me amava pelo meu sucesso
e pela beleza do meu corpo."

Vaslav fez sucesso
com "O Espectro da Rosa",

em que dançou
para plateias entusiastas,

na Metropolitan Opera
de Nova York.

Relutante, Diaghilev
voltou a contratar Nijinski,

consciente de que
só ele garantiria

o sucesso da longa
turnê americana de 1916.

Vaslav recupera
as benesses da glória

e coreografa seu último balé,
"Till Eulenspiegel",

com música de Richard Strauss.

"Till ficou bom,
mas saiu do forno muito cedo

e estava pouco assado.

O público americano gostava
do meu balé pouco assado,

pois ele era bom.
Eu o havia preparado bem.

Eu fiz um balé engraçado,
pois pressenti a guerra.

Todo mundo estava farto
da guerra,

por isso, era preciso divertir.
Eu os diverti."

Os Balés Russos começaram
a turnê, em 52 cidades dos EUA.

Mal organizada,
foi um fracasso comercial,

mas um imenso
triunfo artístico.

Vaslav sonhava
em voltar à Rússia,

mas a Revolução de Outubro
o impediu e o separou

da mãe, do irmão e da irmã,
que haviam ficado lá.

O exílio, os rompimentos,
as esperanças traídas

exacerbaram
seu desequilíbrio interno.

A sombra da loucura era
cada vez mais ameaçadora.

Romola convenceu Nijinski
a ficar em Saint Moritz.

Esperava que o ar
da montanha fosse benéfico.

Minha mãe esperava que fosse
uma permanência curta.

Que Vaslav pudesse
continuar dançando

e que a guerra acabaria.

Mas, já nessa época,

viam-se sinais

de que Vaslav havia se tornado

não muito equilibrado...

E ele fazia longos passeios,
na neve,

e usava uma cruz grande.

Ele falava com as pessoas
sobre Deus.

Foi nessa época
que ele recebeu a notícia

de que seu irmão, Stanislav,
havia morrido.

"Meu irmão morreu,
num hospício.

Minha mãe está nas últimas.

Tenho medo de não revê-la."

"Sei que, no outro mundo,
não há luz.

Por isso, tenho medo
do outro mundo.

A morte é uma vida extinta.

Uma vida extinta:

é assim que chamam as pessoas
que perderam a razão.

Tenho medo que me coloquem,
num hospício.

Escondi meus cadernos,
atrás do armário.

Gosto muito deles
para perdê-los."

"Pintei muito e melhorei muito.

Quero desenhar mais,

mas não aqui,

pois sinto a morte."

"Minha filhinha Kyra
não fala russo,

mas canta em russo,

pois eu canto para ela
canções russas."

Meu pai era
como um conto de fadas.

Não precisei de livros de
contos de fadas, quando criança.

Eu tinha meu pai. Seus balés
eram contos de fadas.

Mas ele ficou doente
quando eu tinha 6 anos.

Foi algo muito dramático.
E eu lembro.

A minha mãe foi
ao andar de cima.

Ela tinha medo
de me deixar com o meu pai,

que agia de modo estranho.

Houve uma discussão.
Ele ficou bravo

e deu um chute na minha mãe.
Eu e ela rolamos escada abaixo.

Tenho outra lembrança:
havia um policial baixo,

um policial suíço de uniforme
e chapéu verdes.

Eu sabia que ele
tinha ido buscar meu pai.

"Minha mulher veio me ver
e mandou eu dizer à Kyra

que não voltaria.

Minha mulher sentiu as lágrimas
e disse, com emoção,

que não me abandonaria.

Irei para Zurique,
antes das 7h da manhã.

Por isso,
me deitarei mais cedo,

pois quero que o doutor de nervos
me veja em boas condições."

Pensei no professor Bleuler,

chefe do hospital
psiquiátrico, em Zurique.

Então,
descemos para Zurique.

Eu levei Vaslav até ele

e eles conversaram,

por cerca de 10 ou 20 minutos.

Ele me disse:

"A senhora precisa
ser muito forte."

E eu: "Por quê?"

Ele, então: "A senhora deve
se divorciar do seu marido.

Tem uma filha de 3 anos

e ele se tornou
um louco incurável.

Infelizmente, não há
o que eu possa fazer.

Há 40 anos, tento descobrir
que doença é essa,

mas só conhecemos os sintomas,
não podemos curá-la."

Eu lhe disse: "Não,
nunca me divorciarei."

Eu saí e Vaslav me olhou.

Eu tentei sorrir...

Mas tinha sofrido
um choque tão horrível

que, provavelmente,
não escondi a emoção.

Então, ele disse:

"Esposa, você está trazendo
minha sentença de morte."

"Tenho medo da minha mulher,
pois ela não me compreende.

Ela acha que sou louco ou mau.

Não sou mau, pois a amo."

"Sou mau e um animal feroz.

Tenho garras afiadas.
Eu me sinto mau.

Não quero o mal,
mas me querem mal.

Não sou Nijinski, como pensam.

Sou Deus em forma de homem."

O professor Bleuler
diagnosticou confusão mental

de natureza esquizofrênica
e recomendou um tempo na clínica.

Em 10 de março de 1919, Nijinski
foi para o Sanatório Bellevue,

perto do Lago de Constança.

Instituição psiquiátrica
exemplar,

Bellevue parece
um hotel de luxo

cujos empregados
se dedicam aos doentes.

No sanatório, o estado
de Nijinski se agravou,

com crises
e depressões psicóticas,

acompanhadas
de estado catatônico.

Os pacientes tinham
uma forma estranha

de rigidez muscular.
Como se estivessem paralisados.

Falavam, na época,
em estupor catatônico.

Após dias de mutismo,
os pacientes explodiam

em violentos
acessos de loucura.

Arrancavam as roupas,
diziam coisas incoerentes,

berravam obscenidades.

Relatório do enfermeiro.

"30 de junho de 1919.

O paciente Nijinski
recusou, por 2 dias,

que fizéssemos sua cama
e o lavássemos.

Ontem, grande excitação:
ele subiu em sua cama

e começou a respirar
fortemente,

deixando escapar um assovio,
como um animal feroz,

revirando os olhos,
jogando travesseiros.

Atacou-me, selvagemente,
quando eu limpava seu quarto."

"Por que estou trancado?

Por que as janelas
estão fechadas?

Por que nunca
me deixam sozinho?

Não posso trabalhar, aqui.

Pertenço a Richard Strauss
e à grande ópera."

"21 de julho. O paciente
entra na banheira, hesitante.

Após 30 segundos na água,
dá um pulo e sai,

se precipita no quarto,
se joga na chaise-longue,

onde fica sentado, muito tenso.
Tento colocá-lo na cama.

Ele pula no chão
e começa a andar de quatro,

a comer como um macaco,
até ir sentar-se, no canto."

"23 de julho.

Desesperado,
terrivelmente angustiado,

ele arranca os cabelos.

Temos de intervir
para que pare.

Em seguida,
consegui acalmá-lo,

falando e afagando-o."

"24 de julho.

O paciente está
calmamente deitado na cama.

Às 10h da manhã, dá um pulo

e recomeça
a arrancar os cabelos,

resmungando,
de modo ininteligível:

'Estão me assassinando.'"

Ao ler os cadernos,
descobrimos

o sofrimento, a luta

e quem era esse homem,

essa criatura de Deus

que recebeu esse dom
de ser um grande dançarino,

um grande artista.

E sinto que essa paixão

pelo grande dançarino,
pelo astro,

se transformou em compaixão

por esse homem
que tanto sofreu.

Ele escreveu que somos

uma parte infinita

do Universo e de Deus

e que, se criamos

alguma coisa bonita,

então, refletimos Deus.

"Deus está em mim e estou nele.

Eu o quero, eu o busco.

Vaslav Nijinski
tinha só 30 anos,

mas havia entrado
no caminho das trevas,

do qual sairia,
em breves clarões.

Os anos seguintes foram
o longo vaguear de um ser

que parecia ter sido
abandonado pelas benesses.

Na esperança de minar
o curso da sua doença,

durante 30 anos,
médicos de várias clínicas

por quais passou receitaram
tratamentos. Alguns, brutais.

Nenhum teve efeito duradouro.

Romola teve de ganhar dinheiro
para pagar o tratamento de Vaslav.

Seu zelo não a impediu
de abandonar o marido,

por longos períodos,
nos quais ele parecia piorar.

Um amigo de Romola
se lembra do olhar de Nijinski.

"O olhar de uma pessoa",
escreveu,

"que é forçada a viver,
aqui embaixo,

mas cuja alma voou
para regiões tão distantes

que pode ser incapaz
de reencontrá-la.

Essa alma errante,
mas existente,

mantinha, nesses olhos,
um olhar calmo e triste."

Romola não perdia
as esperanças de Vaslav

voltar a ser
"o Deus da dança".

Convidou Serge Lifar
para dançar, diante dele,

esperando que a arte
reavivasse sua memória.

Nesse dia, havia um fotógrafo.

Por um instante,
em uma fotografia,

Nijinski pareceu reviver.
Foi seu último salto.

Manhã de 8 de abril de 1950.

Um dia cinzento e chuvoso.

De repente,
o rosto de Vaslav iluminou-se.

Ele se aprumou,
olhou para o céu

e chamou a mãe: "Mamacha!"

E se extinguiu.

"A morte veio de improviso,
pois eu quis.

Pensei que
não queria mais viver.

Vivi pouco.

Disseram que eu estava louco.

Eu achava que estava vivo.

Sou um louco
que ama as pessoas.

Minha loucura
é o amor da Humanidade.

Tradução:
PASCALE PFANN