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JACQUES RIVETTE
O Vigilante

Jacques, t�nhamos um motivo oculto
ao lhe mostrar os quadros de Fautrier.

Muito foi escrito sobre Fautrier,
especialmente por Paulan,

e o que ele achava importante
era a quest�o do rosto humano.

Fautrier pintava prisioneiros
antes e ap�s a guerra

e sobre a pintura,
foi ele quem disse

que n�o podemos pintar
como faz�amos antes.

E ao mesmo tempo,
no cinema,

gente como Rossellini,
que voc� admirava muito,

dizia coisas do mesmo tipo:
que n�o podiam filmar como antes.

A diferen�a entre
a pintura e o cinema

� que com Fautrier,
era focado no rosto,

no rosto humano,
literalmente desfigurado.

No cinema, continuamos mostrando
rostos e personagens, atores.

Assistindo aos seus filmes novamente,
um ap�s o outro,

uma coisa � not�vel,
e isso pode lhe surpreender.

Voc� n�o � um cineasta
que se concentra em rostos.

Voc� n�o � o tipo
de cineasta

que durante a a��o, num momento
de patos ou fat�dico

ou um momento
dramaticamente importante

diz: "Certo, agora faremos um close-up
na atriz ou no ator."

E isso � t�o sistem�tico,

t�o flagrante,
quer deliberadamente ou n�o,

que eu gostaria de lhe fazer
uma pergunta sem rodeios.

Como cineasta, o que o rosto humano
significa para voc�?

Voc� admirava esse aspecto
no trabalho de outros diretores,

gente como Dreyer ou Bresson
ou Godard, por exemplo,

que continua filmando rostos.

O que � um rosto para voc�?

� algo que exige respeito
por ser muito �ntimo

ou n�o podemos mais film�-los
como Griffith o fazia

e temos de faz�-lo de outra forma?

N�o sei se � uma quest�o
de ter uma forma...

� mais por eu n�o querer
separar... dividir as coisas...

Conhe�o v�rios cineastas que,
deliberadamente ou n�o,

t�m essa no��o de dividir
o corpo em peda�os.

N�o s� o rosto, pode ser a m�o
ou qualquer parte do corpo.

Mas, obviamente, o rosto �
a parte privilegiada do corpo.

Mas eu sei que, quando estou atr�s
da c�mera e olho pela lente,

sempre tenho uma tend�ncia,
de que �s vezes me arrependo,

de recuar de alguma forma,

pois, quando tenho s� o rosto,
quero ver as m�os

e, quando tenho as m�os,
quero ver o corpo.

Sempre quero ver o corpo
na sua totalidade.

E ent�o a pessoa
ou o cen�rio...

os elementos em rela��o a que
esse corpo age, reage, move-se, etc.

Acho que est� simplesmente
conectado ao fato

de eu n�o ter o temperamento,
ou o gosto ou o talento

para fazer filmes
excessivamente editados.

Meus filmes se focam mais
na continuidade dos eventos

tomada como um todo.

N�o � uma recusa a mostrar rostos,
mas �s vezes...

Muitas vezes quero me for�ar
a me concentrar em rostos

e �s vezes eu tento.
Posso me orgulhar

quando funciona de repente
e digo: "Fa�amos um close-up aqui."

�s vezes filmo close-ups
e depois os rejeito na edi��o

porque acontece
de serem incongruentes

ou n�o terem nada a ver com
o resto da cena ou do filme.

Talvez o �nico filme que seja
uma ligeira exce��o a isso

seja A Religiosa.

N�o ficou tentado a faz�-lo
com Karina?

N�o, porque com Anna,
como com Juliet ou Bulle,

- citando s� tr�s
quando poderia citar outros -

o que gosto nessas atrizes
e tamb�m em outros atores

como Jean-Pierre L�aud
ou Jean-Pierre Kalfon,

� a totalidade de seus corpos,

a maneira geral que o corpo
se move e reage da cabe�a aos p�s.

E � isso que quero
capturar no filme.

Sei que o que estou dizendo
� apenas uma meia-verdade.

Porque um cineasta como Jean-Luc,
que filma muito aproximadamente,

sabe que quando est� filmando
um detalhe em particular,

o que n�o est� sendo filmado
ser� vislumbrado.

Se ele est� filmando o rosto
ou outra parte do corpo,

voc� pode sentir as partes do corpo
que voc� n�o v�.

Eu n�o tenho essa confian�a.
Sou um tanto t�mido a esse respeito.

Prefiro manter
uma certa dist�ncia.

Mas quanto a Fautrier,
fiquei impressionado quando li...

- pois n�o o conhecia -
um pequeno texto de Malraux.

N�o sabia que Malraux
havia escrito sobre Fautrier.

Ent�o eu li no cat�logo,
onde ele diz

que o que interessava Fautrier,
e acho que ele est� certo,

n�o era...

Quando ele pintava rostos,
ou mulheres ou nus,

n�o � o corpo, � a carne.

Quando ele pinta paisagens,
n�o � a paisagem,

� a ideia humana da vegeta��o...

� estritamente a mat�ria
que conta.

Os seus prisioneiros
n�o s�o retratos,

s�o carne com uma inscri��o
que diz "prisioneiros".

N�o sente que, de certa forma,
voc� seguiu os passos de Fautrier?

Nos seus filmes,
sente-se frequentemente que...

se voc� tivesse de filmar
o corpo de verdade, filmaria a carne.

Por exemplo, uma coisa que � muito
flagrante nos seus filmes

- que n�o s�o particularmente
pudicos ou puritanos -

� que h� uma grande franqueza
nas cenas de sexo quando elas surgem.

O que voc� filma � a sexualidade.

A sexualidade e nada mais.

N�o a aproxima��o
e as preliminares,

nem a sedu��o
ou a expectativa...

Da� a minha pergunta
sobre os rostos.

N�o vemos o amor
despertado por um olhar.

N�s vemos corpos
agindo um contra o outro

e, de vez em quando, algo...

�s vezes me pergunto, n�o se �
uma decis�o premeditada,

mas se � um dos seus
firmes princ�pios

lutar para que os desejos sexuais
sejam demonstrados,

como em A Religiosa,
por exemplo,

mas n�o havendo necessidade de entrar
na sedu��o entre os corpos.

Como posso respond�-lo?

Isso tudo n�o faz parte
da mesma ideia

de que voc� n�o pode simplesmente
desvendar a vida das pessoas?

Digo em termos de olhares,
rostos, sexualidade...

H� um tipo de lei,
a lei do meio.

As pessoas est�o encasuladas em algo
que est� al�m delas

e reagem da melhor forma que podem,
usando seus recursos humanos.

� mais que as cenas
a que voc� se refere

- em L'Amour Fou,
em Wuthering Heights -

s�o cenas que filmei sem nenhum
prazer em particular

porque senti que elas eram
indispens�veis � l�gica

de intera��o entre as personagens.

Eu n�o queria filmar essas cenas,

eu as filmes porque eram
realmente necess�rias.

Ent�o n�o tive
nenhum prazer com elas.

O que talvez d� a elas
um aspecto...

de serem puramente f�sicas,
como voc� diz.

N�o sei se chegarei a faz�-lo,
mas faz muito tempo

que quero fazer um filme
sobre corpos,

a maneira que as pessoas veem
o corpo e tudo que isso implica.

Mas, ao mesmo tempo,
tenho muito medo de faz�-lo,

pois � muito dif�cil.

� algo que eu gostaria de me for�ar
a fazer pelo menos uma vez.

Mas eu ainda n�o achei o m�todo
que me permitiria faz�-lo

de uma maneira
que pareceria correta.

Por exemplo, em um artigo
para a Cahiers h� algum tempo,

voc� escreveu sobre Rossellini.

Voc� disse que gostaria de ver
uma foto de um filme de Rossellini

mostrando o pintor defrontando
a sua modelo.

Isso n�o seria o fundo? Tintoretto,
Suzanne et les Vieillards, etc...?

... Atr�s da cena primitiva,
a cena reprimida?

Certamente.
Exatamente isso.

O que lhe impede de faz�-lo
voc� mesmo agora?

� saber qual deve ser
o status do pintor.

Ele deve fazer parte da fic��o?

Isso que n�o consigo resolver.

Voc� sente que o pintor deve estar
na fic��o, do contr�rio ele � um voyeur...

Sim, mas por outro lado,
o que ele est� fazendo?

Ele � realmente um pintor?
Ele � um ator fazendo um pintor?

N�s o vemos pintando ou n�o?

Focamos no seu rosto
e dizemos a n�s mesmos

que a pintura est� fora de cena?

Ao mesmo tempo, isso requer
uma imod�stia

que at� agora tenho hesitado
em aplicar.

Tenho de achar o...

... n�o a mod�stia da imod�stia,

mas a abordagem certa
para a imod�stia.

Do contr�rio, � pornografia,
ou poderia se tornar pornografia.

DIA

Quando voc� sabe que um filme
tem os ingredientes para o sucesso,

um enredo certeiro,
voc� chega a saber disso?

Por exemplo, L'Amour Fou.

Desde o come�o voc� sabe
que � um sucesso.

Desde o primeiro dia de filmagens
as coisas pareciam fluir naturalmente.

Imediatamente Jean-Pierre
j� ensaiava com os atores

e come�amos a filmar o material
da reportagem por dois dias

e, gradualmente, inserimos
a fic��o nisso tudo.

Depois aproveitamos ao m�ximo
o nosso bom come�o.

� �timo quando isso acontece.

Na entrevista sobre L'Amour Fou,
voc� disse algo que pareceu estranho.

Voc� disse que tinha
de fazer as coisas f�ceis

e deixar as coisas dif�ceis
para os pedantes.

Ainda penso o mesmo, mas �s vezes
� dif�cil achar as coisas f�ceis!

A quest�o �, o que voc� acha f�cil,
outros acham dif�cil.

Voc� queria dizer
f�cil para si mesmo?

Se � f�cil para todo o mundo,
ent�o n�o � boa coisa.

N�o, f�cil pode significar
o que fal�vamos a respeito ontem:

trabalhar com uma certa pessoa
em uma certa �poca...

Cinco anos antes, seria dif�cil,

cinco anos depois, seria imposs�vel.

Por exemplo, Piazzolla e os le�es
em Pont du Nord

que continua sendo,
segundo seus crit�rios,

uma das raras facilidades
que voc� se permitiu.

Eu achei incrivelmente produtivo,
euf�rico e magn�fico.

Foi f�cil porque t�nhamos lacunas...

N�o hav�amos gravado
nenhum som do tr�nsito.

Ent�o t�nhamos lacunas no material,
o que era um aborrecimento.

N�s aceitamos o primeiro disco que
Catherine, a assistente, trouxe,

a primeira faixa do lado A.

N�s a inserimos e ela
encaixou, ent�o a deixamos.

Voc� � de Rouen, voc�s dizem
"subir" ou "descer" para Paris?

Nenhum dos dois.
Dizemos apenas "ir a Paris".

� t�o plano entre Rouen e Paris.

Voc� n�o suportava Rouen, ou via
Paris como a Cidade Luz?

N�o, se voc� quisesse fazer filmes,
era a �nica maneira.

E ainda � a �nica maneira
trinta anos depois.

Era um fato.

Voc� vivia em Rouen,
voc� queria fazer filmes...

Era o ano de 1949.

E voc� veio, armado com o qu�?
Um endere�o, um n�mero de telefone...?

Eu n�o tinha nada.

Havia um sujeito
que conheci em Rouen

com quem perdi o contato
logo ap�s...

... e ele marcou de me encontrar
em uma livraria, na Place St Sulpice.

Ent�o cheguei em Paris de manh�.

Uma amiga que vivia nos sub�rbios
me ofereceu hospedagem,

ent�o deixei minha mala
na sua casa,

em Noisy le Sec
ou um lugar do tipo,

e retornei a Paris para
esse encontro �s tr�s horas.

O gerente da livraria
era na verdade um jovem ator

chamado Jean Gruault, que ganhava
a vida cuidando da loja.

Suzanne Schiffman era
uma cliente habitual da livraria.

E Jean disse:
"A cinemateca local

est� exibindo
As Damas do Bosque de Boulogne

e Maurice Scherrer o apresentar�.

Ent�o, �s 6 horas, eu estava
na cinemateca do Quartier Latin

para ver esse filme que s� tinha visto
uma vez, de f�rias em Millau.

E havia uma tempestade
naquela noite,

a proje��o era interrompida
pelos cortes de eletricidade.

Era �timo,
acrescia suspense ao filme.

Ent�o assisti Les Dames de novo.

Foi a primeira vez na minha vida
que vi a primeira vers�o.

As pessoas reclamavam de duas cenas
que Bresson havia cortado.

Esta era uma c�pia remanescente
dessa primeira vers�o

que eu s� conhecia de ler
os cr�ticos da �poca.

Eu nunca mais vi as tais
duas cenas provocativas novamente.

Voc� j� conhecia Maurice Scherrer?

Eu o conhecia porque
ele escrevia artigos.

Ele havia escrito dois ou tr�s
artigos para Les Temps Modernes,

o que pode parecer estranho,

mas Les Temps Modernes era
a �nica revista de verdade na �poca...

E ele escrevia todo m�s
para o Combat...

que tinha uma p�gina semanal
sobre cinema todo s�bado.

Havia a Objectif '49,

em que havia artigos de
Bazin, Lennhart, Doniol Valcroze...

E Scherrer havia escrito
alguns artigos que me impressionaram

por serem muito diferentes
do que Bazin escrevia,

apesar de ele ser merecidamente visto
como o maior cr�tico da �poca.

Ent�o Scherrer era,
na verdade, Rohmer.

Sim, ele se tornou Rohmer
no ano seguinte.

Acho que Rohmer partiu a existir
durante a Gazette du Cin�ma.

Quanto tempo demorou para...

- mesmo antes da exist�ncia
da Cahiers du Cin�ma -

para haver a turma dos quatro?
Truffaut, Rohmer, Godard e voc�.

Aconteceu rapidamente, pois...

eu conheci Scherrer-Rohmer
s� para dizer ol� naquele dia.

Mas Jean-Luc e Fran�ois,
eu conheci alguns meses depois.

Gruault era conhecido
de Fran�ois.

Lembro-me de ir assistir
A Regra do Jogo no Studio Parnasse

2 ou 3 semanas depois,
em uma ter�a-feira.

Toda ter�a-feira havia um filme
seguido por um debate.

Ent�o fui l� com Gruault...

E apareceu um maltrapilho

e Gruault disse: "Nossa, voc� est�
usando gravata."

E ele disse: "Sim, em honra
do Renoir." E era Fran�ois.

Mas eu o vi depois
na Cin�math�que,

onde tamb�m conheci Jean-Luc,
que j� conhecia Suzanne.

Suzanne Schiffman, que conheci
na Livraria Palmes,

conhecia Jean-Luc da Sorbonne,
do Filmologie,

o tipo de coisa que era
muito recente na �poca.

Jean-Luc fingia fazer um curso
para agradar seus pais.

Acho que Suzanne realmente
queria se formar.

Voc� cursou literatura.

Comecei o curso em Rouen
s� para me manter ocupado.

Mas eu n�o pretendia ler
latim e grego!

E voc� queria fazer filmes...

Arrependo-me agora, pois gostaria
de saber ler latim e grego,

mas na �poca eu ainda
estava focado no cinema.

Mas a IDHEC j� existia.
Considerou a ideia de ingressar?

Eu pensei sobre, especialmente
porque era uma op��o reconfortante.

Era o tipo de coisa
que agradaria os meus pais,

porque era uma faculdade s�ria,
com um exame de admiss�o.

Ent�o me inscrevi,
me preparei para o exame

por um ano na biblioteca de Rouen.

O que significa que tive de ler
v�rios livros interessantes.

Ent�o passei na prova escrita,
mas falhei na oral,

porque n�o consegui responder
umas perguntas estranhas.

Disse a mim mesmo que seria diferente,
apesar de n�o saber como.

Que eu seguiria outro rumo,

mas no meio tempo
tocaria a vida.

Ir assistir a filmes,
ir � Cinemath�que...

Ent�o, quando a Gazette du Cin�ma
saiu, e a Cahiers...

"Vamos escrever o que pensamos",
n�o para nos tornarmos cr�ticos,

essa nunca foi minha inten��o,
eu n�o era um cr�tico...

Fran�ois era, e um grande,
mas eu n�o.

Mas �s vezes era um bom exerc�cio.

A dif�cil tarefa de escrever
o que pens�vamos de um certo diretor

ou um certo problema
que se relacionava a tal e tal filme.

Deus sabe que n�o era pelo dinheiro,
pois a Cahiers pagava mal,

se chegava a pagar!

A Cahiers decolou depois,
por volta de 1952-1953,

e se tornou o lugar
onde nos encontr�vamos diariamente.

Isso muitos anos depois.

Formamos um grupinho...

"os HitchcockHawkianos"
como Bazin nos chamava.

Isso foi em 53, 54.

Ent�o, quando voc� chegou
em Paris

o meio cr�tico e intelectual
estava muito bem estruturado.

Direita e esquerda p�s-guerra,
marxistas e crist�os...

E entre os cr�ticos havia Scherrer,
um pouco mais velho que voc�,

que � uma for�a motriz,
e a figura de Bazin.

Como voc� se posiciona
em rela��o a tudo isso?

Para come�ar, voc� era
de esquerda ou direita?

Sendo honesto, eu n�o fazia
essa distin��o na �poca.

Era um per�odo em que
eu costumava ler o Combat,

que era um jornal de esquerda.

� dif�cil descrever...

Uma esp�cie de Lib�ration dilu�do
daquela �poca,

menos devotado
� pol�tica de esquerda,

n�o se adequando a nenhum partido.

E eu diria que aquela
era uma �poca

em que as coisas
ficavam mais dif�ceis.

Havia o decreto de Stockholm...

que deve ter ocorrido
por volta de 1950,

ao mesmo tempo
da Guerra da Cor�ia.

Ent�o era um per�odo
em que eu ia com frequ�ncia

assistir a filmes
banidos pela censura.

Eles os exibiam nos encontros
do Partido Comunista.

Eles atra�am mais gente
exibindo filmes banidos.

Durou pouco, mas vi
Mitchurim v�rias vezes.

Geralmente filmes de Ivens
e coisas do g�nero.

Eu n�o diria que fui seduzido
pelo Partido Comunista,

mas conversei com Gruault
a respeito

e ele disse para eu deixar
de tolice.

Ele foi seminarista
antes e ap�s o Partido Comunista.

Ele tornou-se um ator...

Mas fizemos dele um roteirista!

Mesmo sendo um �timo ator!

� uma pena que
n�o tenha continuado,

mas ele perdeu
o gosto pela coisa.

Depois de se casar e ter filhos

a ideia de representar
o tolo toda noite

perdeu o seu encanto!

E ent�o a pol�tica se tornou
a pol�tica dos autores, � verdade.

Havia rixas com a Positif.

A Positif vendia-se como
uma revista de esquerda

enquanto a Cahiers
pendia mais para a direita.

Mais uma vez, acho que
Kast, Bazin e Doniol

n�o precisam se envergonhar

por terem se oposto
aos agitadores da Positif,

mas tudo isso fazia
eu e o Fran�ois rirmos.

Como voc� via Bazin?

- Voc� refere-se...
- O que ele representava?

Refere-se a conhecer os seus escritos
ou conhecer a pessoa?

Quando voc� o conheceu,
� dif�cil falar dele.

Eu o via como a �nica pessoa
que conheci

que me dava a impress�o
de santidade,

apesar da palavra poder
parecer tola.

Ele era um santo laico.

Primeiro, pela maneira
que era com as pessoas,

a maneira com que recebia
qualquer um que vinha v�-lo.

O seu tempo era ocupado
vendo quase todo o mundo.

Talvez n�o todo o mundo,
mas ainda assim...

E a maneira que tinha

de sempre apoiar a pessoa
com quem falava...

Isso era fundamental para ele,
n�o era apenas uma atitude,

era a maneira dele de ser,
de verdade,

a maneira que ele vivia
a sua vida.

Voc� s� podia respeitar e amar
algu�m como ele.

Bazin continua sendo
uma refer�ncia

porque foi o primeiro
a examinar verdadeiramente

a ontologia do cinema,

usando o seu termo,
e o que ele dizia mant�m-se genu�no.

Voc� disse que n�o queria
ser um cr�tico,

mas, ao mesmo tempo,
voc� escrevia num estilo

que era de longe o mais vigoroso
de qualquer um que escrevia � �poca.

De onde veio essa rigidez?

Era um desejo de separar
o trigo do joio

ou de buscar uma defini��o?

Voc� tendia a dizer:
"Cinema � isso! Cinema � aquilo!"

Buscar uma defini��o, sim,

e o aspecto assertivo correspondia
� minha natureza na �poca.

Eu tinha uma reputa��o,
certa ou erroneamente,

de ser o Saint-Just do grupo.

Eu preferia a ideia de ser

um �minence grise
ao inv�s de Saint-Just.

Mas acho que Saint-Just foi
o �minence grise de Robespierre.

- Quem era o Robespierre, ent�o?
- Ah, era o Fran�ois.

E havia um Danton?

Acho que nos faltava um Danton.

Tivemos de fazer
umas vers�es baratas,

mas ru�ram sob o fogo!

E quem Jean-Luc teria sido
na Revolu��o Francesa?

N�o sei...
talvez Camille Desmoulins!

N�o, isso n�o foi gentil!

Mas ele tamb�m era um jornalista!

Acho que a Nouvelle Vague
no cinema

foi como o Impressionismo
na pintura em todos os aspectos.

Primeiro, pela prontid�o
em sair para o exterior...

- na verdade, Renoir foi um dos primeiros
a usar esta alegoria -

de, de repente, simplificar tudo,

de aproveitar ao m�ximo
os avan�os t�cnicos...

Como Renoir disse, e ele falava
sobre o seu pai,

porque a tinta de repente
era dispon�vel em tubos,

voc� podia sair, parar em frente
ao seu tema e pintar.

Foi o mesmo conosco.
N�s usamos novos recursos...

Eles n�o eram realmente perfeitos
em 58-59, mas houve progressos.

As t�cnicas foram aperfei�oadas
3 ou 4 anos depois.

A pel�cula de r�pido processamento
surgiu por volta de 61-62.

N�o a t�nhamos para
Paris nos Pertence.

Os gravadores de som port�teis
da Nagra surgiram em 60-61.

Era por isso que nossos filmes
ficavam estagnados na p�s-produ��o,

pois voc� pegava sons de caminh�es
passando, o que era horr�vel.

N�o havia outra forma.

Mas � verdade, h� esse
ponto em comum...

Mas considerando tudo,
os nossos filmes

- digo "nossos"
muito pretensiosamente -

os filmes da Nouvelle Vague
trouxeram a mesma nova abordagem

nas suas hist�rias e anedotas,
como o Impressionismo...

- essa forma de apurar o olhar -

... comparados aos filmes convencionais
feitos em est�dios,

tanto em termos das hist�rias
que eram contadas

como do ponto de vista visual,
os filmes eram depurados.

A minha vida era bem diferente
antes de entrar no cinema.

Eu era preso a meus pais,
estudos e assim por diante.

Ent�o me meti no cinema e encontrei
Rivette, Truffaut, etc...

entre os guias,
os pais adotivos naturais.

Na �poca, eu achava Truffaut
muito enrolado em detalhes

e que Rivette se aborrecia
por nada,

e eu esperava fazer filmes
de verdade.

A vida seguiu em frente...

e em frente...

E quando me recordo disso tudo,

de Rivette, quando ou�o
seu nome mencionado,

penso comigo mesmo
que fui muito rude.

Para mim, tudo parecia natural
quando trabalh�vamos com Rivette

ou Rozier ou Truffaut ou Godard.

Tudo isso soa muito Nouvelle Vague,
o que � aborrecido,

parece coisa de cin�filo,
mas voltamos a tudo isso em 1990.

Quando penso de repente em Rivette,
ele � como o comandante,

o caub�i solit�rio,
o Clint Eastwood do cinema.

Ele aparece, cercado
por um ex�rcito de pessoas,

que... � engra�ado,
mas enquanto falo, posso v�-lo.

Ele vestido no seu blazer azul
habitual e tudo mais...

Eu o via como um intelectual
na �poca,

mas passei a ach�-lo um dos sujeitos
mais sensuais que conheci.

N�o porque ele v� muitos filmes,
mas porque ele come!

Lembro-me dele se empanturrando
de lagostas

e eu n�o podia superar o fato
que Rivette comia!

Desde ent�o, conheci muita gente
que come, mas poucos que fazem filmes.

Pessoas que eu achava que n�o
se importavam com atores...

Truffaut est� entre eles,
Godard tamb�m, Rivette...

Rozier...

Eram pessoas que lhe dirigiam.

N�o dando ordens fixas,
mas apontando a dire��o.

� uma outra forma de dirigir,
e Jacques o fazia primorosamente.

Muitas vezes os atores se sentem
frustrados enquanto filmam,

pois sempre querem fazer melhor,
mas esse � o problema deles.

Eles se encontravam
num territ�rio desconhecido.

Eles surfavam numa esp�cie
de fragilidade

do momento de arrebenta��o...

que segu�amos...

tentando alcan�ar
o que Jacques queria.

Lembra-se da sua primeira apari��o
em Out 1? Foi bem pesada...

Para mim, foi o dia quando a terra
come�o a girar do outro lado.

Era uma pequena cena
no Caf� Nation, na Bastille...

Eu tinha uma cena
com Juliet Berto

que me achava parecido
com Brando.

E l� estava eu,

usando boina e �culos no estilo
Meu �dio Ser� sua Heran�a.

Eu era t�o fracassado
que nem podia guiar uma moto.

Cheguei na garupa
com um sujeito chamado Val�zy

que depois morreu num acidente
bizarro em Montparnasse

e cujo irm�o era um incr�vel
poeta-eletricista...

Ent�o foi...
"Voc� sobe na moto, voc� entra"...

Eu cheguei na garupa,
entrei no caf�,

e as luzes brilhavam,
era uma cena sem cortes

com o grande Glenn na c�mera...

Eu pensei: "Ou a vida para enquanto
passo por essa porta ou continua."

Ela continuou,
e isso ficou no filme.

E fiquei impressionado...

n�o por ningu�m ter dito
que estava bom,

mas por continuarem
falando comigo!

Esse foi o dia em que realmente
parti em outra dire��o.

Ol�, Marlon.

Quer uma bebida?

Ent�o saiu da pris�o.
Como foi l�?

Ent�o � um frequentador aqui.

Parece que est� se cuidando!

Bela m�quina.
Quer me levar para uma volta?

Na Indian tamb�m.
Aquela Indian � sua?

Agora est� se exibindo!

Escute, querida...

N�o sou o Marlon. O Marlon est�
na orla*. (*On the Waterfront)

Entendeu? Esque�a isso.

Escute, falo a s�rio!

Deixe de goza��o.
Preciso de dinheiro.

Me ouviu?
Preciso de dinheiro agora!

- Precisa de dinheiro?
- Sim, e r�pido.

- H� dinheiro por toda parte.
- Sei disso.

- Ent�o pegue o dinheiro.
- Um lance r�pido.

Voc� mesma pode achar.

Quer que eu mostre como?

Voc� chama um t�xi, diz ao motorista
para lhe trazer aqui...! Olhe!

H� dinheiro no caixa.
Quando o patr�o sair, sirva-se!

Fica fria!

Ou voc� acha uma senhora
voltando do mercado,

voc� a ajuda a subir as escadas,
entende o que digo?

N�o � dif�cil, fa�o isso
todos os dias, sabe?

Sim, mas e depois?

Voc� est� muito tenso, Marlon.

Espere, j� sei.

Vadia, h� muita gentinha
como voc� por aqui.

Voc� n�o � a primeira.

Quem voc� acha que �?

Ent�o est� tentando
me superar, �?

Cretino!

Um scotch, gar�om.

Ele � louco!

Jacques � exatamente
como Clint Eastwood.

Ele tem aquele
andar c�rsego esquisito.

A parte superior do corpo
n�o se move, s� as pernas...

9... 5... 3... 6...

2...

Temos neg�cios pendentes, Pierrot.

Voc� ter� o que quer,
mas preciso dela.

Ceda, e ter� tudo.

Em nome da Salamandra...

Sabe o que Deleuze escreveu
sobre Godard?

"Ele � solit�rio, mas extremamente
povoado interiormente."

Essa frase foi um sucesso,
pois o resume muito bem.

Ela descreve a todos n�s um pouco,
e a classe dos cineastas.

Poderia ser aplicada a voc�,

voc� v� filmes,
voc� � altamente povoado

por todas as personagens
dos filmes de outras pessoas.

Voc� prefere a companhia de filmes
ao mundo dos filmes.

Mas voc� tamb�m �
um tanto recluso...

Por escolha ou imposi��o?
� dif�cil dizer.

Sempre soube que seria assim
ou voc� disse:

"Apenas seguirei meu pr�prio
caminho, mesmo que sozinho"?

N�o me sinto t�o sozinho
quanto voc� me faz parecer!

A princ�pio, houve
os meus primeiros filmes...

O primeiro foi Paris nos Pertence.

S� o fiz porque Fran�ois

e depois Claude Chabrol
realmente insistiram.

Especialmente Fran�ois.

E eles persistiram
at� que eu o terminasse,

do contr�rio o filme
nunca teria sido feito.

Depois, n�s - cada um
da equipe da Cahiers -

mais ou menos seguimos
nossos pr�prios caminhos

... e mesmo com as disputas
e os mal-entendidos,

n�o perdermos contato
um com o outro.

A grande rixa ou disputa,
seja l� como eu o chame,

entre Jean-Luc e Fran�ois

era um sinal de respeito m�tuo.

A indiferen�a m�tua
teria sido muito mais grave.

Nunca me senti sozinho,
mesmo em termos de produ��o.

Eu trabalhei com poucos produtores.

Primeiro, fiz dois filme
com Beauregard

e ent�o quatro ou cinco
com St�phane Tchalgadjieff.

Entre houve Barbet
para C�line e Pont du Nord

e Martine Marignac
para todos os mais recentes.

Cada vez, eram pessoas
com quem...

- quer Beauregard,
St�phane ou Martine -

n�o somos muito pr�ximos...

N�o nos vemos com
muita frequ�ncia, mas...

Acho que h� um verdadeiro...
Sempre senti que eles tinham

a aten��o certa
para o que tent�vamos fazer.

Ent�o voc� encontra as pessoas
quando trabalha com elas?

Quando o trabalho termina,
ningu�m sabe onde voc� est�,

voc� n�o quer v�-los realmente,
n�o h� esse conv�vio...

Quanto o trabalho termina...
acontece muito frequentemente,

mas n�o creio que isso
seja especificamente meu

ou especificamente particular
� ind�stria do cinema.

Acontece com novelistas,

pessoas que trabalharam em algo
durante um longo per�odo,

h� um tempo de...

Uma esp�cie de intervalo.

H� dois tipos de cineastas:

os que eu invejo, que s�o
capazes de programar projetos

um ap�s o outro,
como Fran�ois fazia,

que sempre tinha temas
mais ou menos preparados

em v�rios est�gios de avan�o...

apenas esperando
a hora certa de filmar.

Mas no meu caso, um projeto
leva tudo de mim

e ent�o h� um per�odo
de vazio

que nem sempre gera apreens�o.

� apenas um per�odo de v�cuo.

Falando em solid�o,
acho que para cineastas

� algo um tanto particular,

j� que o cinema � uma arte que usa
muitos recursos da sociedade:

m�quinas, pessoas, dinheiro, tempo
e especialmente contatos sociais.

No seu caso, quando voc� faz um filme,
voc� est� no mundo real

e quando o filme termina, voc�
n�o tem carro, tem poucos bens...

Voc� tem livros e discos...

� como se voc� deliberadamente
deixasse a sociedade,

o que as pessoas chamam
de roda social.

E acho isso, para um cineasta,

especialmente por voc� n�o ser algu�m
que faz filmes sobre reclusos

- quase n�o h� nenhum solit�rio
nos seus filmes -

� como se voc� misturasse
a vida e o trabalho,

como se o seu trabalho fosse tudo
que voc� n�o experiencia na vida.

N�o acha isso perigoso?

Essa � a sensa��o que voc� tem
por volta das tr�s da manh�

e � dif�cil voltar a dormir!

Mas durante o dia,
quando voc� sai e v�...

� por isso que n�o se deve
ficar muito em casa, e n�o fico.

Eu saio para ver filmes...

Gosto de pegar o metr�
pelo contato superficial que voc� tem

com a sociedade, com a cidade.

E � de fato um contato.

Voc� n�o pode pegar o metr�
sem olhar para as pessoas.

�s vezes as pessoas...

falam ou se comportam de forma
que lhe convidam a observ�-las.

H� muitos comportamentos
exc�ntricos no metr�.

� um lugar repleto de drama,

tanto que acho dif�cil...

Ningu�m ainda conseguiu
represent�-lo num filme.

Vecchiali, ligeiramente, na cena
do metr� de Once More.

E isso obviamente n�o mostra
um profundo conhecimento da vida social.

E h� outros...

Eu creio mais na consci�ncia
diagonal, na permea��o,

nos jornais, pois gosto
de ler jornais.

Passo muito tempo fazendo isso.

O mundo dos cineastas

� um pouco como
uma sociedade secreta.

Voc� sabe que h� pessoas no mundo
que viram os seus filmes

e os acharam importantes,
gente nos EUA, R�ssia...

Eles tornaram-se parte
da constitui��o deles,

eles foram afetados por eles.

Voc� j� pensou, afinal,
que h� um tipo de efeito Rivette?

Isso parece um tanto exagerado.

N�o, mas o que acontece,
como acontece a outros cineastas,

� que eu recebo cartas
dos confins da terra

que s�o muito surpreendentes,

�s vezes muito depois
da estreia nacional.

Claro que isso � muito agrad�vel.

� uma prova que o filme
foi visto.

Independente do que
as pessoas escrevem,

� o fato de terem se sentindo
motivadas a escrever das ant�podas...

Fiquei muito feliz ao receber
uma carta de uma jovem

- houve apenas cartas de garotas
para esse filme -

que veio da Calif�rnia,
Berkeley ou algo assim,

e atr�s da carta, havia
a marca da m�o dela em vermelho.

N�o precisei abrir para saber
que era sobre C�line et Julie.

Sinto que essas pessoas
que foram afetadas

e que t�m essas formas individuais
de demonstr�-lo...

Eles constituem um tipo de
sociedade secreta difundida.

Obviamente, n�o falamos
sobre muitas pessoas,

infelizmente para os produtores!

Mas isso ainda mostra
o aspecto positivo da conspira��o.

Out foi um filmes
sobre uma conspira��o positiva...

Era uma utopia, inteiramente
sonhada por Jean-Pierre L�aud.

Mas n�o era... conspira��es n�o s�o
necessariamente negativas.

Filmes s�o sempre... Talvez
isso j� tenha sido dito, mas

todo filme � uma pequena
conspira��o envolvendo pessoas

que funciona ou n�o funciona.

H� um aspecto...
- o som passa -

todo filme tem esse aspecto
de sociedade secreta.

Diretores s�o obcecados pela ideia
de que voc� nunca filma o que v�.

H� muitas coisas nesta paisagem,
� muito bela, muito "Rivette"...

Lembra Pont du Nord
e ao mesmo tempo,

quando voc� a v�, � invadido
- como diz�amos -

tanto por admira��o quanto
por apreens�o, e voc� se pergunta:

voc� segue uma personagem
por aqui

ou procura por um marco
ou limite?

A sensa��o que eu tinha
frequentemente

enquanto rod�vamos
Pont du Nord

era que cheg�vamos nesses lugares,
n�o se pode cham�-los de cen�rios

- que �s vezes n�o eram
t�o incr�veis quanto este -

onde voc� podia girar 360 graus,
onde h� uma vastid�o,

uma riqueza para o que quer
que aconte�a aqui e uma certa unidade

na decora��o, nos sentimentos...

E o que voc� pode inserir
neste lugar?

Como voc� pode capturar
esse vasto espa�o,

sem mencionar os personagens
da hist�ria e o que fazem,

em um pequeno ret�ngulo?

N�s us�vamos
lentes grande angular...

Mesmo assim,
eu sentia que algu�m

havia colocado uma teleobjetiva
na c�mera!

Alguns cen�rios t�m suas
pr�prias dire��es,

suas pr�prias linhas.

Aqui as linhas s�o dadas
pelas linhas f�rreas.

Mas �s vezes,
quando film�vamos...

nos matadouros demolidos
de Vaugirard,

eu passei uma hora tra�ando
linhas arbitr�rias

num vasto terreno baldio
onde h� uma torre,

uma esp�cie de farol
que continua l�.

Mas n�o havia necessidade

de filmar de um �ngulo particular,
era completamente arbitr�rio.

Ap�s a primeira tomada,
as outras seguiram naturalmente.

Mas o cinema � uma m�quina
destinada

a transmitir a ideia da paisagem?
Eu n�o acredito.

� dif�cil imaginar um filme
onde voc� se posiciona numa paisagem

como um pintor se posicionaria
em frente de uma colina

ou do Mount St Victoire
ou uma muralha de �rvores...

Algo que voc� escrevia muito
quando era um cr�tico

era: "Meu Deus, o cinema
n�o � uma linguagem!"

N�o, o cinema n�o �
uma linguagem.

N�s fal�vamos disso
h� alguns dias.

Isso foi algo que me surpreendeu
quando eu descobri

os grandes filmes mudos, os de
1915-20, n�o os posteriores.

Griffith e Stiller
ao inv�s de Lang e Murnau.

Eles mostravam uma forte
perspectiva da realidade

que parecia poss�vel na �poca,
mas depois...

Como se houvesse
um estado de inoc�ncia

que desapareceu posteriormente.

Esse foi o primeiro texto
que escrevi.

O t�tulo era:
"N�o somos mais inocentes",

o que eu sentia fortemente.

Quanto mais o tempo passa,
menos inocentes nos tornamos.

Aqui poder�amos fazer uso
da famosa frase de Kleist:

"O �nico caminho para a Inoc�ncia
� o longo percurso pela Sabedoria."

Voc� viu algum filme recentemente
que tenha lhe dado a impress�o

de que anda assistindo coisas
boas, fortes e inesperadas novamente?

Sim, vi v�rios.

Um filme que me impressionou...

Era um filme que eu queria ver

ent�o tinha medo de me...

Eu queria gostar dele.

Foi o Peau de Vache,
de Patricia Mazuy.

Queria gostar dele simplesmente
por causa dos atores que o faziam.

Nunca a conheci.

O filme me comoveu
por uma s�rie de raz�es.

As rela��es entre as pessoas...

Desde o come�o, voc� sente que o filme
est� seguindo para algum lugar

e quando mais ele se desenvolve,
melhor fica,

mais as rela��es tornam-se

tanto mais intensas
quanto misteriosas.

E, de repente, chega uma cena

que achei extraordin�ria,

t�o devastadora que fui v�-lo de novo
na semana seguinte

pelo prazer e tamb�m
para conferir essa cena

e ver o que aconteceu
e como ela foi filmada.

Da primeira vez,
quase tive a impress�o

daquelas cenas que voc� sonha,
o que me acontece muito.

Sonho que estou no cinema
assistindo a um filme

e vendo coisas maravilhosas,
mas ent�o acordo

e desaparece. Mas nesse caso,
estava na tela, eu n�o tinha sonhado!

� a �ltima cena de Jean-Fran�ois...
N�o me lembro do nome da personagem.

Como todo o mundo, eu falo sobre filmes
usando os nomes dos atores!

Jean-Fran�ois segue por uma estrada.

� o primeiro plano da cena.

No plano seguinte...

vemos Sandrine Bonnaire
correndo at� ele.

Ela o alcan�a, tenta impedi-lo,

e eles continuam caminhando
e falando por um tempo

at� que caem nos bra�os
um do outro e se beijam.

E Jean-Fran�ois vira para
Sandrine Bonnaire e diz:

"Traga a garota
e venha embora comigo."

Isso tudo num plano,
com a c�mera na m�o, acho,

um tanto sacolejante,
mas seguindo o movimento.

Ficou bom, a c�mera
acompanha os personagens.

De repente, h� um close-up
em Jean-Fran�ois

que me chocou da primeira vez
que vi o filme.

Pois vem ap�s
o incr�vel plano-sequ�ncia

e o mostra observando
Sandrine Bonnaire ap�s a proposta.

� um plano curto,

seguido por um close-up contr�rio
em Sandrine Bonnaire

que n�o responde,
ela apenas o olha.

Ent�o o seu rosto
come�a a se mover,

ela come�a se mover

e entendemos pelo seu movimento

que ela vai ao seu encontro,
mas ele n�o est� mais l�.

A c�mera continua
a segui-la por tr�s.

N�s a seguimos,
a c�mera move-se atr�s dela

e vemos Jean-Fran�ois
entrando na estrada, parando um caminh�o

que vem em nossa dire��o,
e subindo nele,

tudo nesse plano
que come�ou no rosto dela.

Tudo acontece,
da rea��o de Jean-Fran�ois

ao fato de ela
n�o ter respondido

e a sua partida,
tudo acontece fora de cena,

s� vemos o rosto de
Sandrine Bonnaire

e ent�o seu movimento, e � isso,
est� terminado, ele partiu.

�, na verdade, a �ltima cena
do filme.

Achei uma cena m�gica,

muito bem filmada
e ao mesmo tempo

ela transmite emo��o

atrav�s do uso inventivo
da c�mera.

Voc� quase tem de ser um cineasta
para apreci�-lo.

Foi feito de forma muito simples.

JACQUES RIVETTE
O Vigilante

NOITE

No seu primeiro filme,
Paris nos Pertence,

h� imediatamente
uma frase dizendo

"Paris n�o pertence a ningu�m,"
de Charles Peguy.

- Sim.
- Em quem devemos acreditar?

Ambas s�o de Peguy. Ele diz
"Paris nos pertence" antes,

ponderando que Paris
n�o pertence apenas

a quem cedo madruga,
como diz o velho prov�rbio,

mas tamb�m �queles
que ficam para o ver�o

e que preparam
o pr�ximo inverno.

Fiquei feliz em come�ar com
essa afirma��o-nega��o

que foi um impulso dial�tico,
usando uma palavra pretensiosa,

que eventualmente seria
assumido pela narrativa.

De qualquer forma, cinema � dial�tica,
afirma��o-nega��o,

pois a imagem � alternada
com o negro da tela.

Alternando dia e noite.

Mas no t�tulo h�
a palavra "pertence".

O que lhe pertence?

O que pertence a qualquer um?

Fora a nossa pele,
e at� mesmo assim,

temos realmente certeza
que ela nos pertence?

Podemos sentir que sim,
mas n�o o tempo todo.

Voc� fez filmes, voc� diria
que eles lhe pertencem?

N�o, eles n�o me pertencem,
pelo contr�rio.

Se h� uma coisa
que n�o possu�mos

s�o as coisas que fizemos,
que acreditamos que fizemos.

S�o coisas que nunca nos pertencem,
nem antes, durante ou ap�s.

Acho que o mesmo se aplica
aos escritores.

E a pintores que �s vezes
observam longamente seus quadros.

Tenho a impress�o que
um autor escreve um livro

que talvez...

ele gostaria de ler, apesar
de n�o achar que funcione assim...

E ele n�o pode l�-los.

Os �nicos filmes que n�o posso ver
s�o os meus pr�prios!

Pois h� muitas mem�rias
de todo o processo,

tudo que aconteceu,
cada momento...

Imagino que escritores n�o suportam
ler seus livros, pois...

eles incitam mem�rias...

H� mais hist�rias
envolvendo um filme

por causa de todas
as pessoas envolvidas.

Acho que isso que � t�o fant�stico
em fazer filmes.

Voc� encontra muitas pessoas.
Os atores, claro,

mas tamb�m as pessoas fora de cena,
que tamb�m s�o importantes.

N�o s� as pessoas que trabalham
no roteiro, nos di�logos...

Mesmo entre os membros da equipe,

�s vezes os mais importantes
n�o s�o os mais vis�veis.

E isso � formid�vel.

Mesmo sendo dif�cil �s vezes,

pois a filmagem de um filme
n�o � sempre id�lica!

E assistir a um filme ap�s...

Para mim, e para todos os cineastas,
� imposs�vel ver um filme

sem todos os fantasmas
voltando para lhe assombrar.

E s�o mesmo fantasmas?
Pois as pessoas est�o l�,

voc� fica feliz em v�-los...

Voc� quer ver alguns deles.

Trabalhar com Bulle
em L'Amour Fou

foi totalmente diferente
da Bulle de Pont du Nord.

Pois as personagens eram diferentes,
era uma �poca diferente,

nosso relacionamento era diferente,

houve v�rios filmes
entre esses dois...

N�o tenho as mesmas mem�rias
de modo algum.

� por isso que fico feliz
de ter feito cinco filmes com Bulle

e espero ter a chance
de fazer mais, pois...

H� uma continuidade.

Cada vez n�s t�nhamos
um relacionamento diferente.

H� a Bulle de 60,
L'Amour Fou,

H� a Bulle de 70,
de Duelle, por exemplo...

Mas cada vez
com personagens diferentes.

H� a Bulle de 80,
a partir de Pont du Nord

ao �ltimo filme,
La Bande des Quatre.

Ela � uma atriz especial,
muito importante para voc�,

que trabalhou com voc�
por tr�s d�cadas...

H� momentos...

da nossa vida privada, tamb�m.

Quando filmamos L'Amour Fou,
Pascale era uma garotinha.

Ent�o essa garotinha cresceu
e tornou-se uma atriz

que trabalhava com a sua m�e
em p� de igualdade.

No �ltimo filme,

mesmo n�o sendo referido,
� muito �bvio

que Bulle e eu sent�amos
a presen�a de Pascale fortemente.

Era imposs�vel fazer aquela hist�ria
sem pensar nela o tempo todo.

� formid�vel.
� a resposta de Sur�na.

� muito famoso,

mas � espl�ndido.

Quando voc� pensa que �
a �ltima pe�a de Corneille

e que ele a escreveu com
praticamente setenta anos...

"Como n�o tenho mais olhos
para virar para ela..."

� lindo.

"De que importa, senhora,
que tudo morra comigo."

� isso mesmo?
Leio mal.

"Quem pisar�, ap�s a minha morte,
nesta terra que me suporta?

"Ir� algum fragmento perfur�-los,
estes ilustres antepassados

"� noite, em seus t�mulos?

"Inspirar�o eles o ar
e assim reviver�o?

"Estes sobrinhos talvez lamentem
o seu despertar

"Talvez apenas para desonr�-los

E honrarem seu sangue degenerado..."

Ent�o h� esses quatro
versos extraordin�rios.

"Quando perdemos a luz
que nos ilumina

"Este tipo de vida
torna-se por demais imagin�rio

"E o menor instante
de uma almejada felicidade

� melhor do que
uma fria e v� eternidade."

Na sua �ltima pe�a

ele diz � posterioridade
o que ela merece ouvir.

Que ele n�o espera nada dela.

A ideia de que, em Corneille,

a felicidade � mais forte
do que a ideia dela

perpassa todas as suas pe�as,
da primeira � �ltima.

� uma felicidade muito furtiva.

A que o her�i obt�m, sim,

mas n�o a que eles aspiram.
Eles realmente aspiram

uma felicidade verdadeira,
profunda,

que os elude.

Ela os elude porque
s�o her�is tr�gicos!

H� muitas pe�as de Corneille
com final feliz,

feliz, mas...

solene.

H� algo em Sur�na
que me faz pensar nos seus filmes.

A curiosidade,
no sentido estrito da palavra,

tem um grande papel,
h� cenas inteiras com:

"Diga-me quem �.
Se n�o � ele, ent�o � ele."

Podemos deduzir quem ama quem.

Vejo isso como algo
constante nos seus filmes.

A curiosidade, simplesmente,
que � tanto um p�ssimo v�cio

quanto algo que deixa
tudo interessante.

- N�o � um v�cio, n�o mesmo.
- N�o, n�o.

Eu o disse apenas
para provocar.

� o que eu vejo
como curiosidade.

Voc� a v� como
a rainha das virtudes.

Absolutamente.

O dia em que
a curiosidade desaparecer,

� hora de se deitar
e esperar o �ltimo suspiro.

Penso que a curiosidade
� a �nica coisa

que faz as coisas se moverem

em todas as �reas.

Sim, � claro.

Eu pensava na curiosidade
no sentido simples do termo...

"O que vem depois?"

Ou, "O que ele est� escondendo?"...
e s�.

N�o os segredos do universo.

Apenas: "O que h� atr�s?"

Por um lado, h� um sentimento

que queremos
que a audi�ncia tenha

para que ela permane�a atenta
e veja o que vem em seguida.

Esta cena pode n�o interess�-los,
mas eles querem ver a pr�xima.

Isso � dramaturgia.

Mas a dramaturgia � importante.
Quando voc� l� os Exames,

os tr�s grandes exames
que Corneille escreveu

como um pref�cio
para a sua edi��o

dois ter�os da sua vida antes
de escrever as �ltimas pe�as,

� esse tipo de quest�o
que ele faz nos Exames.

Quest�es sobre a estrutura,
como manter o interesse...

Sim, � claro...

Essa � a obriga��o de
ter o tempo ao seu lado.

Todos os contadores de hist�rias
fazem isso.

Podemos citar Scheherazade.

Sim, temos uma teoria sobre
a s�ndrome de Scheherazade.

Scheherazade conta hist�rias
para adiar duas coisas:

a sua morte e um relacionamento
demasiado pr�ximo

com o seu comandante.
- Qual � o nome dele? Char...

- Me esqueci.
- N�o importa.

Ent�o o problema �,
a curiosidade leva

� prorroga��o,
como no futebol.

Ter o tempo ao seu lado,
ganhar tempo,

mas n�o muito

pois voc� n�o saberia
o que fazer com ele.

E �s vezes sentimos que voc�
� um tipo de Scheherazade.

Mesmo se come�amos
com Corneille!

Acho que esse � o caso
de todos que tentam

brincar com a fic��o.

Parece imposs�vel...
Acho que Scheherazade

� nossa santa padroeira,
se podemos usar esse termo.

Voc� n�o diria isso
sobre Fritz Lang, contudo.

Sim, diria.

Refiro-me a qualquer cineasta

em que haja mais que curiosidade.

Os trabalhos de Fritz Lang
t�m morais.

� verdade, quando o conheci
- eu o vi apenas uma vez

para uma entrevista com Lloyd Eisner
como nosso int�rprete

porque o meu ingl�s
n�o era bom o bastante -

e o que mais me impressionou foi
que ele s� falava de morais.

S� morais, e o efeito
que tinham na audi�ncia.

N�o acha que a moral � uma forma
de obter, da audi�ncia,

algum tempo extra,
tempo de fic��o,

que nasce da curiosidade,
de sempre haver algo ap�s,

mas que � inofensivo,
em que n�o h�

uma curiosidade como o voyeurismo,
como a viola��o,

um terr�vel segredo freudiano
e coisas do g�nero?

N�o � nesse tipo de coisa
que voc� p�e morais?

As morais de Scheherazade...

Para permanecer num certo...
como dizer...

Para ganhar tempo
sem roub�-lo de ningu�m.

Sim, e ao mesmo tempo,

ter escr�pulos excessivos
talvez me impe�a

de ser muito...
- �s vezes me reprovo por isso -

de ser mais cru e �spero,
talvez,

mais concreto, �s vezes,

de n�o falar diretamente
de certas coisas �ntimas,

de ter um senso de propriedade
que pode ser excessivo

com rela��o aos segredos de outras
pessoas, segredos das personagens

que talvez, por fim, gostariam
de ser... se n�o violadas

ent�o ao menos mais desveladas
de suas barricadas.

E sou extremamente t�mido
a esse respeito...

Porque a personagem diz:
"E quanto a mim?"

e, atrav�s dela, o ator...

E voc� diz n�o, que a hist�ria,
a din�mica geral que conta.

Voc� tem de escolher entre
a hist�ria e a personagem

e a personagem quer algo.

Para mim, a personagem
� sempre associada ao ator

e n�o quero violar o ator.

O que talvez me impe�a

de fazer as personagem
dizerem coisas que...

Pois o relacionamento profissional
n�o vem da fic��o pr�-escrita

mas da fic��o que toma forma
durante as filmagens

onde h� um tipo de contrato
com o ator.

Talvez seja o pre�o que eu pago
por este contrato...

o que significa
que h� certas coisas

que n�o me sinto capaz
de abordar,

pois seria um tipo de viol�ncia.

Ent�o deixo isso para
as pessoas adivinharem.

Ou talvez o ator decida

dar � audi�ncia
um vislumbre de um segredo

que n�o ser� desvelado.

Acertaria o alarme?

Ligue e pe�a uma chamada
de alarme �s dez da manh�.

O que �?

Por que voc� fica comigo?

O qu�?

Por que n�o me deixa?

Seria f�cil, sou louca.

Por que diz isso?

Tenho pensado, S�bastien...

� melhor nos separarmos.

Talvez s� por umas semanas,
o tempo para pensar.

Talvez depois volte
a ser como antes.

Talvez.

Acha necess�rio?

S�bastien, estou partindo
amanh� de manh�.

N�o precisa se preocupar comigo.

� a �nica coisa a se fazer.

Temos de faz�-lo.

Temos.

N�o, n�o temos.

Temos de faz�-lo.

N�o.

Eu n�o quero.

Pare.

Pare, S�bastien.

Essa maneira t�o pr�xima
de trabalhar

analisando as personalidades
das pessoas nos aproxima.

Jacques Rivette
n�o � o tipo de pessoa

com quem voc� sairia
para uma tarde na cidade,

dando tapinhas nas costas...

A sua vida � muito secreta.

N�o tenho ideia do que ele faz,
s� o vejo quando filmamos

ou �s vezes no cinema

ou �s vezes
no Champs Elys�es,

quando comemos juntos.

Mas ele n�o � meu camarada.

Temos uma rela��o estranha

dentro do nosso
relacionamento de trabalho,

o nosso relacionamento criativo,

nosso relacionamento art�stico.

N�o h� raz�o
para nos encontrarmos.

�s vezes o encontro
nas livrarias.

Ou no metr�.

Eu o conheci

em 1967,
no nosso primeiro filme.

Eu o respeitava enormemente.

Ele era um adulto
e eu ainda uma crian�a.

Agora estamos em p� de igualdade.

N�o h� mais diferen�a de idade.

Quando ele diz: "Desculpe, Bulle,
n�o tenho atendido o telefone,

nas �ltimas semanas
as liga��es t�m me agredido."

Posso me identificar exatamente
com esse tipo de neurose que ele tem

sobre ser incomodado pelo
toque do telefone, algu�m ligando,

pois eu tenho as mesmas ansiedades.

Sinto que agora,
entre Jacques e eu,

n�o h� mais diferen�a
de gera��o, estamos igualados,

atravessamos as mesmas apreens�es,
as mesmas inquietudes,

os mesmos buracos negros,
os mesmos abismos.

Isso nos aproxima,
n�o precisamos nos falar muito.

H� uma cumplicidade branda.

Ele atravessou vinte anos
da minha vida,

� um longo tempo,
especialmente entre os 28 e 48,

sem ser muito precisa...

Foram os melhores anos
da minha vida.

Anos em que passei
por diversas coisas

e ele tamb�m.

Ent�o fiz parte de 20 anos
da vida dele

e 6 filmes em 20 anos � normal.

Um diretor s� faz um filme
a cada dois ou tr�s anos.

Ent�o fazer 6 filmes n�o � ruim.

Dado o jeito que temos
de trabalhar juntos

� verdade que �s vezes
me sinto pr�xima dele

mesmo que n�o
nos encontremos muito.

� dif�cil falar
de Jacques Rivette

pois ele � t�o secreto

que se voc� diz algo
sobre ele

ou sobre os seus filmes ou da forma
que ele trabalha ou vive,

voc� se sente terrivelmente
indiscreto, indelicado.

Ent�o eu n�o me atreveria
a dizer tudo que penso.

Tenho as minhas opini�es sobre Jacques
como pessoa e como diretor

mas n�o quero lhe falar
sobre elas.

Seria de mau gosto.

Uma trai��o, quase.
Pode ser tolo, mas � como �.

Isso vem dele.

N�s fal�vamos sobre
a dura��o de filmes.

Voc� diz com frequ�ncia

que os filmes que v�
s�o muito curtos.

Que seriam melhores longos.
Voc� fez filmes muito longos.

Voc� ainda tem essa ideia
sobre a dura��o...?

Tenho a impress�o que

os filmes de cinquenta anos atr�s
dominavam a arte

da brevidade,

de condensar eventos e ideias

de uma forma que era estonteante,
mas que agora foi perdida.

Diferentes eras

produzem coisas diferentes.

Pois estamos numa era,
como Deleuze diria

- e ele o diria
melhor do que eu! -

em que o tempo j� n�o...

... tem a mesma velocidade
nem a mesma densidade

nem o mesmo ritmo.

Como se houvesse um per�odo
pr�-Antonioni e p�s-Antonioni...

Eu menciono Antonioni porque
ele foi um dos primeiro realizadores

que, enfaticamente,

demarcou essa reorienta��o

do tempo de dura��o.

E atualmente,

nos filmes contempor�neos,

voc� precisa de tr�s horas quando
h� 50 anos voc� precisava de uma.

Tr�s horas para contar a mesma hist�ria
ou para contar uma hist�ria

com sucesso?
- N�o a mesma hist�ria.

Por exemplo,
h� dois meses eu vi

um filme antigo
do Frank Capra de novo,

It Happened One Night
(New York - Miami).

Fiquei impressionado com esse filme,
- a minha recorda��o dele

era agrad�vel, mas confusa -

primeiro, pela sua modernidade...

Modernidade porque, de certa forma,
� o primeiro road movie.

� sobre uma viagem,
n�o de Nova York para Miami

mas de Miami para Nova York,

cheia de incidentes,
quer no �nibus, pegando carona

ou seja l� onde eles se metam,

com uma progress�o nos sentimentos
das personagens

e com

enormes par�nteses
onde a hist�ria para.

Havia me esquecido completamente
da cena do �nibus

com a m�sica sobre o jovem audaz
no trap�zio voador

com todos os versos...

E Capra acha uma ideia nova
a cada verso,

cada uma mais incr�vel.

Ele tem 90 minutos.

Talvez 100 minutos.

Agora estou convencido que, para ir
de Miami para Nova York num filme

que tivesse a mesma densidade
de situa��o

e personagens,

um diretor s�rio n�o poderia faz�-lo
com menos de tr�s horas.

Para a mesma viagem.

Ent�o os meios de transporte
s�o na verdade mais lentos atualmente...

do que h� cinquenta anos!

Leva muito mais tempo agora
para ir de Miami a Nova York

do que em 1934.

A diferen�a � que
algu�m como Capra

sabia como sua hist�ria terminaria
quando ele come�ava.

Ent�o o fim n�o apresentava
nenhum problema e com base nisso

ele podia inventar
muita coisa no interm�dio,

tanto digressivamente
como elipticamente.

Mas chegou uma dada �poca em que,
por certas raz�es b�sicas

que n�s mencionamos,
raz�es morais,

era imposs�vel para um diretor
p�s-antonioniano como voc�

come�ar um filme sabendo
exatamente como terminaria...

Se terminaria bem, ou mal,
se o mal triunfaria sobre o bem...

O final feliz tornou-se imposs�vel.

Sem um final feliz,
o tempo se tornou c�clico ou circular

e os filmes podem durar 1 hora,
2 horas, 3 horas, 10 horas...

A hist�ria seria menos problem�tica
do que o fato de que perdemos

vista da palavra "FIM". Talvez s�
os americanos a tiveram de fato.

Jornalistas n�o se casam
com milion�rios t�o facilmente

como nos dias de Clark Gable
e Claudette Colbert.

Quando voc� voltou � terra
com Pont du Nord

no come�o dos anos 80,
foi com o sentimento de que

n�s nos adaptamos �s coisas
como elas s�o,

paramos de desafiar o destino

ou brincar de Prometeu

e voltamos ao mundo real.

E recordamos que o come�o
dos anos 80 foi estrondoso,

euf�rico, l�dico...

Muito explosivo, na verdade.
E os seus filmes abordam isso.

Podemos sentir algo
bastante intencional

no processo

que forma Le Pont du Nord
e lhe permite abordar os anos 80.

� um momento em que sentimos
que uma decis�o foi tomada.

Assim como Bulle diz no fim:
"Estou viva."

Na minha opini�o,

e eu tenho a impress�o que,
estranhamente, isso diz respeito

- n�o direi todos,
h� sempre exce��es -

a muitos cineastas
da minha gera��o

e gera��es subsequentes...

Ap�s Out, parecia
imposs�vel falar,

nos meus filmes,

do mundo contempor�neo,
que chamamos de mundo real

e naquela �poca eu queria
mais do que qualquer coisa

trabalhar com fic��o,
filmes de fantasia.

N�o filmei todos eles
porque o primeiro projeto foi

ap�s Out e C�line et Julie,

era um filme que quer�amos fazer
com Jeanne Moreau.

- Phoenix.
- ...e Juliet Berto

e Michael Lonsdale

que era uma hist�ria baseada
no mito de Sarah Bernhardt

vagamente misturada com

O Fantasma da �pera
de Gaston Leroux.

E o que veio em seguida

foram hist�rias que eram
todas diferentes

mas com uma coisa em comum:
a total recusa

da Fran�a na d�cada de 70.

Era algo que eu repentinamente
n�o queria mais ver.

E depois...

de uma s�rie de eventos,
filmes mais ou menos bem sucedidos,

- alguns estiveram longe
de ter sucesso -

filmes desastrosos, como pelo menos
Noroit e Merry Go Round,

que quase n�o foram vistos
em lugar nenhum...

Foram filmes prec�rios, � verdade.

Quando fui ver Bulle e disse

"Temos que fazer
outro filme juntos

e quero faz�-lo com voc�"...

Foi com a ideia de que

n�o hav�amos deixado
esses maus tempos para tr�s,

que eles podiam
muito bem perdurar

e que t�nhamos de aceit�-los,
mas para faz�-lo

ter�amos de transform�-los em fic��o,
coloc�-los num filme.

E � por isso que, em Pont du Nord,
h� essa insist�ncia

- que pode parecer aned�tica
dez anos depois -

em casos e esc�ndalos

do fim da d�cada de 70,
como o caso Debreuil

ou o suic�dio
ou n�o-suic�dio de Boulin

ou o assassinato de Mesrine,
esse tipo de coisa.

Como sintomas,
mas fortes sintomas.

E rodamos o filme...

Ao menos do meu ponto de vista,
eu comecei o filme

n�o nessa atmosfera de euforia
dos anos 80 que mencionamos

mas com a impress�o
de estar em um pa�s,

a Fran�a, estagnado.

Estagnado por causa
de v�rias coisas

que n�o adentraremos aqui,

todos se lembram.

Mas tamb�m aconteceu
dessa sensa��o

de estar estagnado
ser t�o forte

que ela ocasionou
um certo desbloqueio.

Talvez a morte de Bulle

tenha sido, muito inconscientemente
da minha parte,

o que Renoir fazia alus�o

quando disse que � preciso
matar um inocente

para que as coisas possam...

prosseguir novamente.

Depois de fazer o filme,
de rodar o filme,

voc� � o capataz,
voc� � o respons�vel por ele.

Mas ainda h� esse tema
da curiosidade.

Como as duas coisas
andam juntas?

Voc� � o primeiro a ver
o nascimento de algo

e ao mesmo tempo � o respons�vel
pelo nascimento.

O sentimento que tenho
nessa ocasi�o

� talvez

de n�o estar no controle
de tudo de forma alguma.

Que uma m�quina � colocada
em funcionamento

- falando objetivamente,
talvez -

mas h� uma l�gica

- real ou imagin�ria,

poder�amos discuti-lo -

no filme, que � preeminente
e deve ser respeitada

e voc� realmente n�o pode fazer
o que quiser.

Voc� n�o pode fazer
como deseja,

o que � bom, pois voc� sente
que est� sendo guiado.

Voc� diz:
N�o, isso n�o funciona,

isso pode funcionar...

Por qu�? Como?...

Funciona...

por instinto.

�s vezes com Pascal,
tentamos

falar a respeito racionalmente,
mas n�o com muita frequ�ncia.

Se alguns sentem
que algo n�o funciona,

ent�o deve-se ir junto.

�s vezes n�o entramos
todos num acordo...

Sinto que � quando
fica interessante.

Um filme n�o tem chance
de existir

a menos que voc� se d� conta
muito rapidamente

que algumas coisas s�o poss�veis
e outras s�o necess�rias...

Que algumas coisas
s�o poss�veis

e outras s�o totalmente
imposs�veis

e s�o descartas.

H� um est�gio posterior
em que o filme existe,

mesmo se...

- esta n�o � uma met�fora
que acabo de inventar,

j� foi vastamente usada,
n�o s� para o cinema -

como se houvesse...

um objeto, uma est�tua
por exemplo, ou um vaso,

at� mesmo um velho acess�rio
estilha�ado, que est� enterrado,

e, por acaso, um pequeno peda�o dele
� descoberto.

Ent�o voc� tem de tentar tir�-lo
sem danific�-lo muito.

Isso pode parecer absurdo
�s pessoas de fora,

porque � verdade que,
de certa forma,

n�s fazemos o que queremos.

Isso ajuda muito,

lhe ajuda a avan�ar,
apenas ter...

mesmo que de uma maneira
totalmente absurda...

- como dizer? -
um modelo imagin�rio.

Isso lhe ajuda a progredir,
especialmente quando n�o est� escrito.

N�o h� uma palavra em franc�s
para isso.

Eu lhe contava sobre
algo que havia lido,

uma edi��o de Edgar Allan Poe
que saiu recentemente

em que o comentarista

menciona que Baudelaire
sempre traduz...

- em textos como G�nesis de um Poema -
ele traduz como "plano"

o que Poe escreve
como "plot*". (*Trama)

Trama sugere intriga,

tamb�m significando "plano",

mas h� um elemento subversivo
na "trama"

que n�o � reproduzido
por "plano".

A "trama" j� sugere um assunto.

� uma palavra que eu gostaria
de naturalizar para o Franc�s

para expressar esse sentimento...

Sim, sim.

Me pergunto se "plot" e "compl�"
n�o s�o etimologicamente conectados.

� claro.

H� sempre algo pr�-existente,

tanto nocivo,
que seria a trama,

ou ben�fico,
que seria o filme...

A trama que precisa
ser desenrolada.

N�s a chamaremos
de pelote.

Uma palavra nova!

H� algumas coisas
poss�veis ou imposs�veis

de um ponto de vista t�cnico?

Por exemplo, n�o usando
cenas de campo/contracampo

pois n�o combinam com o filme...

� claro,
e pelo que sei,

cada filme tem suas pr�prias regras,
suas pr�prias t�cnicas...

Algu�m como Oshima
leva isso a extremos.

Cada filme tem
suas pr�prias t�cnicas.

Alguns t�m cortes constantes,
outros t�m planos-sequ�ncia...

� menos sistem�tico

no meu trabalho,
mas � verdade que h�...

Isso depende principalmente
do equipamento.

Um filme como Le Pont du Nord,
n�s rodamos em 16 mm,

com um pequeno or�amento,
sem maquinista,

com uma pequena c�mera
e um trip�.

Ent�o fizemos planos fixos,
pans,

�s vezes Willie segurava
a c�mera para certas tomadas...

E s�.

Temos Val�ry para nos aquecer...

Talvez seja uma dura escolha
entre a arte e a santidade...

Nunca senti ter nenhuma
aptid�o para a santidade!

Ent�o preferi escolher a arte,
independente do qu�o imperfeita.

O santo n�o se contenta
com o que tem?

Ele aceita as pessoas como s�o,
ele faz uso do que houver.

Ele faz o que pode
ao inv�s do que quer.

H� similaridades com artistas,
com um certo tipo de cineasta.

Acho que os artistas
s�o muito impuros.

H� uma frase
que sempre me impressiona

que citarei

imperfeitamente,
uma frase de Bernanos...

Ele dizia frequentemente
que havia tr�s...

que tr�s tipos de pessoa
o comoviam de verdade:

crian�as, her�is e santos.

Tr�s formas de inoc�ncia.

E um artista nunca � inocente.

Os artistas tem uma por��o
de perversidade b�sica,

at� os maiores deles.

Talvez sejam eles que conseguem
superar a perversidade,

a manipula��o...

Voc� se refere � perversidade
para com outros, ou...

N�o, acho que at� um pintor
� algu�m que...

ou um m�sico...

At� os maiores deles.

Nem mesmo eles!

Eles est�o longe da santidade.

Pois eles n�o se esquecem
de si mesmos.

Como as crian�as fazem.

Elas s�o totalmente abertas
ao mundo exterior.

Ou o her�i enquanto ele executa
um ato de hero�smo.

O her�i Cornelliano,

o Cid, n�o os her�is Cornellianos
posteriores...

O her�i definitivo.

Tradu��o por Sleepy.joe