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ESTA � UMA HIST�RIA VER�DICA

O artista Louis Wain

tornou seu o gato.

Ele inventou um estilo de gato,

uma sociedade de gatos,

todo um mundo de gatos.

Os gatos que n�o parecem nem
vivem como os gatos de Louis Wain,

t�m vergonha de si pr�prios.

Mas isso n�o � o mais importante.

O que � importante � que
Louis Wain dedicou a sua vida

a fazer as vidas de todos
n�s mais felizes,

e mais como as dos gatos.

E ao faz�-lo, ele indubitavelmente
elevou o gato na sociedade

e mudou o nosso mundo para melhor.

Para al�m dos seus bizarros
preconceitos sociais

e do facto de que tudo
tresandava a merda,

a Inglaterra Vitoriana era tamb�m
uma terra de inova��o

e de descoberta cient�fica.

Muitas das mais brilhantes
mentes mundiais

estudavam a fundo
a natureza da electricidade,

para dominar o seu poder
para um uso pr�tico.

Mas para o jovem Louis Wain,
a electricidade era outra coisa,

era algo t�o extraordin�rio
e estranho,

que a mente humana mal era
capaz de sequer compreender.

Uma for�a misteriosa e elementar,
que por vezes

ele conseguia sentir
a vibrar no �ter,

e a chave para todos
os mais profundos

e alarmantes segredos da vida.

FESTIVAL RURAL ANUAL
DE ANDOVER

Por favor, mantenham
os vossos animais controlados.

Desculpe.
Muito... muito obrigado.

Obrigado.

� ilustrador?

Sim, fa�o ilustra��es
a troco de dinheiro.

E tamb�m estou a trabalhar
em v�rias patentes, actualmente.

Presumo que venha do Festival Rural?

Est� bastante enlameado.
Envolveu-se numa luta, ou algo do g�nero?

N�o, fui atacado por um touro
de uma tonelada e meia.

Ent�o foi o senhor?

Sim, ouvi falar disso.

Quanto cobraria por
um desenho da Cleopatra?

Eu.. eu n�o desenho pessoas.

N�o, desculpe.
Da Cleopatra.

Bom, ent�o isso
posso fazer-lhe de gra�a.

Isso � extremamente generoso.

A minha irm� costuma ficar com ela,
mas n�o se estava a sentir bem,

por isso, hoje coube-me a mim.

Pensei que a pudesse alegrar.

Dan Rider, j� agora.

Ol�.

Pois. Muito bem.

Descubra o ponto fraco dele,
mas n�o lhe mostre o seu.

Mexa-se. Pense.

Muito bem, Wain, j� chega.

Vai chegar atrasado �s suas reuni�es,
seu pateta idiota.

Deixe-me s� tentar
mais uma vez, senhor.

A Manobra de Bendigo.
Vamos l�. � agora.

Esquerda, direita,
ou direita, esquerda.

Lamento imenso. Desculpe.

J� tive not�cias das suas tropelias
idiotas no Festival Rural.

Um rol completo de queixas

acerca de um indiv�duo estranho,
a agir perigosamente,

subindo despreocupadamente
para a jaula do Chifr�o,

e pondo-se a menos de tr�s metros

do maior e mais feroz animal
de todo o evento.

Eu queria v�-lo mais de perto,

e, bom, ele n�o tinha l�
muito sentido de humor,

-digamos assim.
-Obrigado.

N�o costumam ser muito conhecidos
pelo seu sentido de humor,

-pois n�o, os touros?
-N�o costumam?

Sempre que eu lhe encomendo
a ilustra��o de uma hist�ria para n�s,

o senhor consegue criar
uma esp�cie de caos rid�culo.

Porque � que atirou
amendoins a um touro?

Ouvi dizer que eles gostavam
de amendoins e que isso os acalmava,

mas n�o resultou.

� o problema destes bovinos
de exposi��o, os egos gigantes.

A sua sorte � saber
desenhar, Sr. Wain,

ou j� nos ter�amos separado
h� algum tempo.

E n�o pense que n�o reparei
no estado da sua face.

Isto n�o foi por causa
do touro, 'Sir' William.

Eu venho agora de uma aula de boxe
com o grande Jem Mace.

Boxe?

Ent�o quando � que desenhou isto?

No comboio. De mem�ria.

Todos?

Mas afinal, a que velocidade
� que trabalha?

Eu mostro-lhe...

Vou ser franco consigo, Sr. Wain.

Um dos nossos mais r�pidos
e mais prol�ficos ilustradores

foi-nos roubado
por uma publica��o rival.

O senhor acha que estaria
� altura do lugar?

Claro, obviamente.
Quero dizer...

Eu n�o considero este trabalho
muito dif�cil, 'Sir' William.

Eu s� o fa�o para pagar as contas

e para sustentar as cinco esfomeadas
e precoces irm�s com quem vivo.

At� elas se casarem, � claro.

Para dizer a verdade,

eu at� acho isto tudo
um bocado inconveniente.

Eu acho que n�o me percebeu bem.

Tendo por base a sua rapidez
e a qualidade do seu trabalho,

e com a condi��o de que
consiga moderar

o seu comportamento mais imbecil,

eu estou a oferecer-lhe
um emprego permanente

na equipa do
"Not�cias Ilustradas de Londres".

� muito gentil da sua parte,
mas n�o posso.

Tenho v�rias patentes
el�ctricas para terminar

e, ali�s, j� estou bastante atrasado

para uma reuni�o com Henry Wood,
o aclamado compositor.

-Henry Wood?
-Eu escrevi uma �pera.

Isto n�o � uma �pera, Sr. Wain.

Pelos padr�es convencionais,
quase nem chega a ser m�sica.

E isto n�o � um enredo.

S�o s� alguns dos seus pensamentos.

Eu aplaudo o seu entusiasmo,

mas primeiro, precisa de dominar
o b�sico da harmonia.

Eu inventei as minhas
pr�prias harmonias.

Sim, e parte do problema � isso.

Se lhe serve de consola��o,

achei que a ilustra��o que fez
na capa � bastante encantadora.

Nos 18 meses desde que
o seu pai tinha falecido,

Louis passara a ser, apenas
no papel, o chefe de fam�lia.

Ele n�o estava minimamente apto

para suportar essas novas
responsabilidades mundanas,

mas sendo o mais velho e o mais
masculino da prole dos Wain,

infelizmente, esse era
agora o seu dever.

-Boa noite, Louis.
-Sim, boa noite.

-Boa noite!
-Louis!

Sim, ol�. Como est�o?

-J� voltaste?
-Sim, voltei, Josephine.

Claro que voltei.
Como assim?

-Ele voltou, Caroline!
-Louis, conheceste uma jovem

solteira com posses, em Hampshire?

N�o, n�o conheci, mas conheci
algumas cabras, alguns gansos,

e um touro bastante irasc�vel.

Isso n�o serve, n�o podes casar
com uma cabra, pois n�o?

Muito melhor preparada
estava a sua adorada irm�, Caroline,

que, frustrada com a sua
muito caprichosa e bo�mia m�e,

assumiu desde tenra idade
o papel de matriarca da fam�lia.

Andaste outra vez no boxe?

J� te disse, Caroline,
ele mal me acerta

porque eu lhe dei aquele
desenho do Bendigo.

Louis, podes praticar comigo a dan�ar
a quadrilha, depois do jantar?

Vieste assassinar-me, por fim!

-Felicie, defende-me, depressa.
-'En garde'!

Parem! Temos de falar de finan�as.

Como correu a tua reuni�o com
'Sir William'? Ele ficou satisfeito?

'Sir' William ficou, no m�nimo,
demasiado satisfeito.

Ele ofereceu-me o cargo
de ilustrador permanente.

Eu preciso mesmo de ir
para o meu quarto.

Meu Deus, meu Deus!
Disseste ilustrador permanente?

Sim, ilustrador permanente,
mas eu n�o aceitei.

Desculpa?! Porqu�?

As nossas despesas j� s�o
o dobro daquilo que tu ganhas,

e n�s acab�mos de contratar
uma governanta.

Eu disse-te para deixares aquele quarto
para os meus projectos secund�rios.

E para al�m disso, eu posso ensin�-las.
Sou perfeitamente qualificado

em todas as mat�rias relevantes.

N�o, n�o podes!
Louis, tu precisas de ir trabalhar!

Ela tem toda a raz�o.
Tu precisas de ir trabalhar, Louis.

Governanta!
Receio que n�o precisemos

-dos seus servi�os, no presente.
-Louis!

Lamento qualquer inconveniente.

Governanta? Governanta?

N�o entres no quarto dessa mulher!

Governanta?

Onde est�?

-Ela n�o est� a�?
-Onde est�?

Governanta?
Est� a� dentro?

Menina Richardson,
se estiver no roupeiro,

isso vai deixar-nos
muito desagradados.

N�o precisa de ficar assustada,

mas eu vou ter de abrir a porta.

Oh, foda-se...!

Vou contar at� tr�s.

Tr�s, dois, um...

Certo, pois.
N�o, eu percebo que...

Quero dizer, no que diz respeito
a primeiras impress�es...

Como est�, Sr. Wain?

Menina Richardson, saia do roupeiro!

Sim, claro. Gostaria de saber
o meu nome, Sr. Wain?

Para n�o ter de andar pela
casa a gritar "governanta".

Penso que a sua m�e est� a dormir a sesta.
N�o � muito atencioso, pois n�o?

Menina Richardson,
porque estava no roupeiro?

Estar em espa�os confinados
ajuda-me a concentrar.

E com algo como Shakespeare,
que j� conhe�o de cor,

consigo bloquear o mundo
e l�-lo no meu pensamento.

Isso � muito bonito, mas o que se
passa � o que eu estava a dizer,

eu sou perfeitamente versado
em matem�tica e qu�mica...

Ent�o, n�o v�o precisar
dos meus servi�os.

-Eu vou andando.
-N�o!

Menina Richardson, por favor.
Ele s� estava a ser um asno.

No fundo, at� fico aliviada por n�o ter
de me levantar todos os dias �s 4h30

-para preparar as li��es.
-�s 4h30?!

E estava um pouco preocupada
com a Gr�cia antiga.

A m�trica usada por Homero
nos seus poemas

torna essa mat�ria
bastante dif�cil, n�o �?

Todas aquelas cesuras femininas.

N�o tenho qualquer d�vida
de que elas ficar�o muito melhor

nas suas talentosas m�os.

Ali�s, eu estava a pensar,
eu prometi a mim mesmo submeter

a minha patente de ciclo
cont�nuo at� final do m�s.

Se eu tiver de ensinar as cenouras
femininas �s minhas irm�s...

-Cesuras.
-Exactamente isso.

...n�o vou ter tempo.

Ent�o quer que eu fique?

O meu pobre marido
William foi expulso

pela pr�pria fam�lia,
em Staffordshire.

-Eles eram todos protestantes, sabe?
-Ai sim?

-Alho-porro (leek).
-H� uma cidade chamada Leek,

Menina Richardson, n�o � engra�ado?
-� hilariante!

Eles l� falam assim.

Ele queria ser cat�lico, sabe,

mas o pai n�o o deixava, claro,
e por isso, ele fugiu.

Ele era cato�lico.
-Calada, Marie.

-Como � que o conheceu?
-Eu achei piada.

Foi atrav�s da Igreja.

Eu desenhava tape�arias para a...

- est�s pesada! -
...para a igreja,

e ele vinha de uma fam�lia
que trabalhava com seda.

Fazia cortinas.

E o meu pai...

- eu sou francesa, sabe -

...entrou ilegalmente em Inglaterra

disfar�ando-se de mulher.

Somos uma fam�lia
que s� faz travessuras,

Menina Richardson.

Mais valia chamarmo-nos Trapalh�es.

Vai ter muito que fazer,
com estas tr�s.

E quanto a voc�s as duas,
j� era altura de terem arranjado

uns maridos jeitosos, n�o acham?

Vamos faz�-lo, M�e, a seu tempo.

Bom, hoje recebi um olhar daqueles,

de um homem de chap�u
e com bigode, no autocarro.

Um bigode absolutamente gigante

e uma fronte muito proeminente.

Sim, muito proeminente.

Parecia uma c�pula. Mas...

Bom, foi um olhar daqueles.

Foi embara�oso.

-Ele parecia ser rico, Josephine?
-M�e!

A Josephine vai casar com um homem
com um grande bigode.

Caroline, talvez ele tenha um irm�o.

Menina Caroline.

Est� tudo do seu agrado,
Menina Richardson?

Perfeitamente.

Porque pergunta?

Por nada.
Eu ia s� dizer

que se o quarto n�o fosse
do seu agrado,

eu n�o me importaria nada
que trocasse comigo.

Isso n�o ser� necess�rio.
Eu estou muito confort�vel.

Claro, mas eu n�o queria que
se sentisse... pouco � vontade.

Por partilhar o mesmo andar...

...com um homem.

E porque � que isso me faria
sentir pouco � vontade?

Muito bem.

Por favor, mantenha os seus
pertences arrumados.

A menina est� aqui para ser um
exemplo para as minhas irm�s.

Claro. E j� agora, a senhora
tem muito jeito com elas.

Deve ser esgotante
ter de ser a adulta.

Bom, eu sou adulta,
por isso, n�o � esgotante.

Porque tem uma pedra na m�o?

Eu viajo muito,

por isso, gosto de trazer comigo algumas
pedras de Shrewsbury, onde cresci.

Ajuda-me a sentir em casa.

Porque n�o fica com esta?

Durma bem...

...Menina Richardson.

-Bom dia.
-Bom dia.

Louis tinha aprendido a controlar
o caos na sua mente

estando sempre em movimento,

e durante muitos anos
tinha andado muito contente

a perseguir freneticamente
os seus m�ltiplos interesses,

como professor de arte falhado,
m�sico falhado,

aspirante a inventor, entusiasta
de m�ltiplos passatempos,

e, � claro, ilustrador em 'part-time'.

Mas a �nica coisa que ele
nunca tinha considerado,

apesar da press�o constante para
encontrar uma eventual jovem esposa,

era a possibilidade de alguma vez
ter algum tipo de vida amorosa.

E por isso, � medida que um estranho
formigueiro surgia no seu peito

e percorria as suas entranhas,

penso que se poderia dizer
que o inocente Sr. Wain

n�o fazia ideia de que raio
se estava a passar.

Ele tinha um pressentimento, claro.
Mas como poderia ter a certeza

de que estes sentimentos
seriam rec�procos?

Ent�o e o desagrad�vel l�bio leporino

que ele prontamente disfar�ara
com o seu bem-cuidado bigode?

Ap�s um escrut�nio mais cuidado,

ela certamente iria reparar
nesta infeliz deformidade

e p�r-se a milhas.

Ou talvez ela n�o ficasse t�o
impressionada ao descobrir

que apesar do seu exterior
deveras divertido,

a sua mente era um
furac�o escuro e berrante

de ansiedades incapacitantes
e de pesadelos recorrentes.

Para n�o falar, � claro,
dos vizinhos bisbilhoteiros

que considerariam chocante
uma simples governanta

envolver-se neste jogo
burgu�s de ser cortejada.

A atitude ligeiramente pouco
convencional de Emily Richardson

para com a privacidade do seu patr�o,

j� tinha atra�do a aten��o
da metedi�a Sra. Du Frayne,

que era, segundo constava,

a boca mais faladora
deste lado do Rio Tamisa.

N�o � preciso dizer mais
para se perceber

que havia muitos obst�culos
no caminho de Louis e Emily.

E num mundo diferente,
ele talvez n�o tivesse decidido

perturbar o mergulho di�rio
de 'Sir' William Ingram

nos banhos turcos em Islington.

Bom dia, Sr. Wain.

Bom dia, Sir William.

N�o � costume v�-lo por aqui.

Vim falar consigo.

-Tem um momento?
-Sim, claro, Louis.

Deixe-me s� terminar
os meus exerc�cios matinais.

Sim, claro.

Ali�s, j� que aqui estou,
tamb�m vou dar umas bra�adas.

Cuidado! Cuidado, Louis.

Louis?

Ent�o, j� se deixou
de tolices, meu jovem.

Porqu� a s�bita mudan�a de opini�o?

Bem, n�s contrat�mos uma governanta
para ensinar as minhas irm�s mais novas.

Uma governanta?

E n�o quer que ela lhe escape
para outra fam�lia qualquer

por n�o lhe conseguir pagar.

Sim, � qualquer coisa desse g�nero.

Bom, vamos come�ar por
lhe pagar o ordenado m�nimo,

como � habitual, mas ser� regular.

E lamento, mas n�o lhe podemos pagar
f�rias nem despesas, neste momento.

Estas condi��es s�o
do seu agrado, Sr. Wain?

Ainda bem.

-Avan�ar.
-Avan�ar.

-Avan�ar.
-Avan�ar. Muito bem, espe...

'En garde'!

-'En garde'!
-'En garde'!

Caroline, posso mostrar-te
como esgrimo?

Agora n�o.

-'En garde'.
-Por favor, comportem-se, meninas.

Sra. Wain, quer
acompanhar-nos ao piano?

Eu adorava acompanhar-vos ao piano.

V� l�, meninas, vamos mostrar-lhes
aquilo que temos praticado.

Qualquer trapaceiro pobretanas
em Londres sabe esse truque.

-N�o � suposto tu aceitares.
-Tu n�o negociaste com ele?

-N�o te ensinei nada?
-Eu estou satisfeito assim, Herb.

Ali�s, eu tenho mesmo
de me ir embora.

Tenho de come�ar a trabalhar
na minha patente de ciclo cont�nuo.

Esquece isso, seu burro.
Ningu�m percebe o que isso �.

-N�o sejas t�o aborrecido!
-Se est�s satisfeito, est�s satisfeito,

quero dizer, foste enganado,
por isso, eu n�o percebo isso,

mas v� l�, vamos divertir-nos.
J� n�o te via h� tr�s semanas.

Tens passado demasiado tempo com
aquelas tuas irm�s esquisitas.

Tu �s o ilustrador permanente
do principal jornal de Londres.

Agora s� te falta o toque amoroso
de uma aristocrata de peitos fartos.

Olha para o Phil May,
esse dem�nio descarado.

Sempre rodeado de jovens
e abastadas raposas.

N�o podemos celebrar
o teu sucesso sem ti.

Vai haver dan�a mais tarde, talvez?

Vai, se tu estiveres aqui,
isso � certo.

-Alinho.
-V� l�!

N�o fa�as barulho.

N�o estava a fazer barulho nenhum.

A Marie estava a ter um pesadelo.

Tu est�s b�bado.

Talvez um pouco.
Estive a comemorar.

Aceitei o emprego.

Do 'Sir' William.

Ainda bem.

Agora vai para a cama.

Caroline? Estou a sentir umas picadas.

-Est� tudo bem.
-Tenho medo.

-Eu estou aqui. Eu estou aqui.
-Tenho medo, Caroline.

Est� tudo bem. � s� o tolo do nosso
irm�o aos trambolh�es nas escadas.

Tenta pensar num prado ou numa brisa.

Fica calma, Marie, fica calma.

Respira.

Boa noite.

-N�o.
-O qu�?

-V� embora. V� embora.
-Sim. O qu�? Porqu�?

-Como assim, porqu�?
-Eu n�o...

Sim, claro. Sim, desculpe.

O que est� a fazer, Sr. Wain?

-O que quer... Eu n�o percebo...
-Saia!

Certo, sim, claro.
Lamento. Pe�o desculpa.

Eu trabalho para si, Sr. Wain,
mas n�o espere que eu tolere

que o senhor irrompa por aqui adentro
tarde e a m�s horas, enquanto eu...

Bom, n�o importa o que � que
eu estava a fazer, pois n�o?

Sim, lamento. Claro.

� que eu tenho tantas irm�s,
que �s vezes esque�o-me...

Estava a pintar alguma coisa?

Isso n�o lhe diz respeito, Sr. Wain.

Mas, sim, se tem de saber.

Amanh� vou dar uma aula
de desenho �s meninas,

e como voc�s Wain s�o
todos artistas talentosos,

achei que talvez fosse
melhor preparar-me, s� isso.

Percebo.

Bem, eu...

Bem, eu s� queria convid�-la
para ir ao teatro.

A TEMPESTADE

Seria uma visita educativa, claro,
com a Felicie, a Claire, e a Marie.

Lamento, mais uma vez,
Menina Richardson. Pe�o desculpa.

Estou terrivelmente envergonhado,

mas � que eu estava entusiasmado
para partilhar esta ideia consigo,

e n�o quero que pense que
tem de ficar sempre aqui enfiada

nesta casa, s� isso.

Acho que parece uma ideia espl�ndida.

Por favor, na pr�xima vez que
me quiser ver, bata � porta.

Claro.

-Acha piada a alguma coisa, Sr. Wain?
-Claro que n�o.

Claro que n�o.

Boa noite, Emily.

Boa noite, Sr. Wain.

Menina Richardson?

Sim?

No que diz respeito a desenhar,

s� h� uma regra
que precisa de ensinar.

Que � olhar.

Mam�! Pap�! Ajudem-me!

Estou a afogar-me! Estou a afogar-me!

�s t�o feio! Feio!

Tu n�o pertences aqui!
N�o pertences a lado nenhum!

� magia.

Mas que coisa esperta,
que era o Sr. Newton.

Aten��o � linguagem,
por favor, Felicie.

-Um pateta brilhante?
-Pateta, vou aceitar,

embora receie que n�o reflicta bem
a ess�ncia do seu g�nio.

Eu sou um g�nio.

Se te esfor�ares muito e continuares
os teus estudos, Marie,

talvez um dia venhas a ser.

-Obrigada, Menina Richardson.
-Obrigada, Menina Richardson.

N�o t�m de qu�. Obrigada.

Pouco barulho nas escadas,
por favor, meninas.

Bolinhos, bolachas, bolo!

Entre.

Bom dia.

Bom dia.

Como correu a sua aula?

Correu muito bem, obrigada.

As suas irm�s, afinal, n�o precisam
da minha ajuda com o desenho,

por isso, experiment�mos uma
coisa diferente, em vez disso.

Ainda bem. Isso � bom.

Venho penitenciar-me por
me ter imposto a si embriagado,

apresentando-me aqui assim, despido.

Por favor, n�o se apresente
despido, Sr. Wain,

ainda posso considerar essa
sua segunda imposi��o

indiscutivelmente maior
do que a primeira.

Mas n�o pode ter deixado de reparar

que eu tenho um l�bio leporino
bastante evidente.

Sim. E ent�o, Sr. Wain?

Desculpe, cometi algum erro?

N�o, eu acho que est�
bastante elegante.

Ent�o...

...estou perdoado?

Porque precisa do meu perd�o,
Sr. Wain?

Quando � que acha que podemos
fazer a nossa visita ao teatro?

Tendo em vista a educa��o
das meninas, claro.

� claro.

Bom, vou ter de consultar
o meu di�rio.

Excelente.
Ficarei ent�o � espera.

Obrigada.

Agrade�o o seu gesto.

Mas, M�e, ainda n�o acert�mos contas

com o vendedor de carv�o
e com o talhante.

Ele devia ter-me consultado primeiro.

Que aborrecido!

N�o podemos permitir que ele
saia � rua desta maneira.

Porque � que cometeste este deliberado

e violento acto de dano
pr�prio, eu n�o sei.

Como � que ele ir� conhecer
uma mulher de posses, assim?

Caroline, ele s� cortou
o bigode, mais nada.

Marie, querida, onde est�s?

Pois eu acho que devemos ir todos.

Passar um belo ser�o.

Josephine, pelo menos n�s dev�amos ficar.

Marie?

N�o entre.

Marie, o que aconteceu?

N�o faz mal.

N�o faz mal.
� perfeitamente natural.

Quando muito, at� � uma coisa boa.
Quer dizer que j� �s uma mulher.

Eu gostava de ir,
n�o tanto pela pe�a,

mas pelos jovens solteiros
atraentes na plateia.

Podemos treinar o nosso namoriscar.

Pois eu gostava de ir
porque gostava de ir.

Se mudares de ideias, Caroline,

�s mais do que bem-vinda
para te juntares a n�s.

Acho que � justo dizer
que a Menina Richardson

tem tido um efeito
positivo nesta fam�lia,

e devemos mostrar-lhe
a nossa gratid�o.

Sou uma mulher!

Hurra!

Desculpem-me. Tivemos uma situa��o,
mas j� est� tudo sob controlo.

Aquela � a governanta
de quem eu estava a falar.

Dos Wain.

-A menina est� muito...
-N�o, obrigada. O senhor tamb�m.

-Obrigado.
-Obrigada. Vamos...

-Sim, vamos...
-Sim, vamos sentar-nos. Muito bem.

Esta... � a sua primeira vez?

-Sim, �, sim.
-Muito bem.

-� excitante.
-Ainda bem.

-Aqui tem.
-Obrigada.

Contramestre!

Estou aqui, capit�o!
O que mandais?

Fala com os marinheiros.

F�-lo sem demora ou ainda encalhamos.

Mexe-te! Mexe-te!

Eia, meus bravos!

�nimo, �nimo, meus bravos!

Depressa, depressa!

Recolham a vela de mezena!

Vela de mezena!

Atentem no apito do capit�o!

Mam�! Pap�! Ajudem-me!

Estou a afogar-me! Estou a afogar-me!

Socorro! Estou a afogar-me!
Por favor!

Socorro! Estou a afogar-me!

Estes s�o os lavabos dos cavalheiros.

Sim. Desculpe.

Eu...

Fiquei preocupada que pudesse ter
ficado angustiado com alguma coisa.

N�o, n�o. S� uma
indisposi��o, mais nada.

Sim, claro.

N�o, eu pensei que pudesse

ter-se recordado de alguma coisa.

Alguma coisa que o assustasse
quando era crian�a, talvez,

como um pesadelo recorrente.

Como "O Mar Cheio de Grandes Navios".

� poss�vel que eu tenha acidentalmente
espreitado o seu di�rio.

Bom, foi muito... bisbilhoteira.

Receio que esse seja um dos
meus muitos defeitos.

-Bisbilhotar?
-Sou muito bisbilhoteira, sim.

Em parte, foi por isso
que escolhi ser governanta.

Achou horripilante?

Todas aquelas vis�es
negras e perturbantes?

N�o.

Achei-as muito tranquilizadoras,
para ser sincera.

Eu costumo ter pesadelos sobre
n�o conseguir sair de s�tios.

Uma vez passei um sonho inteiro

presa num celeiro muito complicado.

Ent�o, gra�as a Deus que n�o
ficou presa naquele roupeiro.

Sim, gra�as a Deus.

Gra�as a Deus que o tinha
a si para me tirar de l�.

Valha-me Deus!

Aconteceu mesmo nos lavabos.

-Ol�.
-Ol�.

Bem, se n�o � a minha
fam�lia preferida, os Wain.

Ol�, meninas.
Como est�, Louis?

Muito bem, obrigado,
Sra. Du Frayne. E a senhora?

Muito bem. Fant�stico elogio f�nebre,
no funeral do seu pai.

Obrigado. Diz isso sempre que a vejo.

E esta deve ser
a famosa Emily Richardson.

-Muito prazer.
-Est�vamos mesmo a comentar

que n�o � muito frequente ver-se
uma governanta no teatro.

Foi a sua primeira vez?

Ouvi dizer que ficou
um pouco baralhada...

...em rela��o aos lavabos.

Sim, baralhada.

Que encantador!

� claramente uma mulher inteligente,

Menina Richardson,

e temos ficado impressionadas
com as suas aulas.

Mas h� certos aspectos
do seu comportamento,

e certos aspectos

do comportamento que encoraja

no meu rid�culo irm�o,

que n�s simplesmente
n�o podemos tolerar.

Esta noite devia ter sido
um acontecimento educativo.

No entanto, e gra�as a si,

esta fam�lia est� agora
nas bocas de toda a cidade.

E n�o � de uma maneira positiva.

Tem tr�s dias para
tratar das suas coisas.

S� queria agradecer-lhe, Sr. Wain,

por uma noite muito agrad�vel.

Eu diverti-me imenso.

J� ensinei sobre
incont�veis aventuras

fora da seguran�a de uma sala de aula.

Mas foi excitante ter sido
levada numa, para variar.

Gosto do seu xaile, j� agora.

Obrigada. Era da minha m�e.

� azul.

Sim. � azul.

Adeus, Louis.

N�o me importo, n�o me importo, n�o me
importo com o que as pessoas pensam.

Nem eu.

-Feche a porta.
-O qu�?

Feche a porta.

-O que aconteceu?
-Tropecei no meu vestido.

-Desculpe.
-A culpa n�o foi sua.

Sente-se.

� medida que este romance peculiar
florescia desajeitadamente,

a discrep�ncia nos seus
estatutos sociais

tornou-se motivo
de grande controv�rsia.

Uma vizinha, como muito
se disse na altura,

vomitou de imediato quando
soube do seu namoro,

pois a uni�o de um cavalheiro
com uma senhora da classe servil

era considerada nada
menos do que revoltante.

J� para n�o dizer

que a inegavelmente
encantadora Menina Richardson

era j� considerada,
segundo os padr�es da �poca,

claramente geri�trica.

Mas Louis pouco se importava
com esses preconceitos idiotas,

e em janeiro do ano de 1884,

pediu a m�o de Emily
em casamento.

-Cortamos o fundo.
-Cortamos o fundo.

-Poeirento.
-Est� um pouco poeirento.

SRA. W. WAIN
UMA LIBRA, DEZ XELINS

As semanas tornaram-se meses,

e apesar do rec�m conturbado
relacionamento com as suas irm�s,

Louis continuou tranquilamente
com os seus esfor�os

para as sustentar.

Todas as semanas ele
enviava um modesto cheque

para a sua querida m�e,

e at� come�ou a aceitar
trabalhos particulares

como retratista de c�es,

visitando duques e duquesas,
lordes e damas,

e os seus mimados amigos caninos.

Ao mesmo tempo,
ele continuou com o seu trabalho

a cobrir not�cias em geral
e v�rias feiras agr�colas

para 'Sir' William.

E assim, durante seis preciosos meses,

Louis e Emily viveram
uma vida de casados

perfeitamente normal,
apesar de alheada da sociedade.

Considero-a uma mulher
instru�da, Sra. Wain.

Sim, Doutor.
Eu fui governanta.

Eu... percebo.

Bom, sendo assim,

certamente perceber� se lhe disser...

...que tem um cancro terminal da mama.

Sim, Doutor.

Logo agora, que eu estava
a come�ar a desfrutar.

O que foi isso?

Estranho.

Louis, olha.

Ol�, coisa pequenina.

-Ol�.
-Ol�, gato.

Est�s encharcado.
Coitadinho!

Porque n�o vens connosco
para o quentinho?

Sim? Ol�.

N�s cuidamos de ti, n�o �, Louis?

Cuidamos, sim.

Ol�. Ol�.

Est� tudo bem.
Est� tudo bem.

Chuva. � s� chuva.

Quem � aquele?

� o Louis.

Trouxe-te mais uma toalhita.

-Assim est� melhor, n�o est�?
-V�s?

Assim est� melhor.

Assim est� melhor.

-Ol�.
-Ol�.

-Ol�.
-Ol�.

Ol�.

Aonde pensas que vais?

Como � que gostavas
que te cham�ssemos?

Percy?

-Eu gosto bastante de Percy.
-Paul?

Paul n�o.

Peter?

Peter.

-Peter.
-Peter.

Ser� certamente um combate fugaz
quando o Bendigo c� est�

e a Manobra de Bendigo faz!

� um pequenote curioso, n�o �?

Sim, mas ele � el�ctrico, Herb.

Repara como todos os seus
adeptos o adoram.

Tem metade do tamanho
do seu advers�rio,

no entanto, sabe como aproveitar-se
da electricidade da multid�o.

Est�s a falar dos fot�grafos?

Repara bem, Herb.
A electricidade.

Finalmente come�o a compreend�-la.

Est� tudo bem l� em casa?

-Com a Emily, quero dizer?
-Sim, claro.

Temos um novo amigo.
Chama-se Peter.

-Peter?
-� um gato. Agora temos um gato.

-Para apanhar os ratos, queres tu dizer?
-N�o, Herb, como animal de estima��o.

Muito bem, Louis,
estou preocupado contigo.

-Porque?
-Tens um gato de estima��o.

Conheces o verdadeiro
significado da frase

"N�o h� tempo como o presente",
Herb?

� que n�o h� mesmo.
� demasiado ef�mero.

Ali�s, eu tenho uma hip�tese,
segundo a qual

� a electricidade que nos
move atrav�s do tempo.

Transformamos o passado no futuro

com o poder da electricidade.

Mas esse processo
� inteiramente revers�vel.

Recordarmos o passado n�o �
diferente de imaginarmos o futuro.

E nenhum deles � diferente
de viver, propriamente.

Eu posso recordar-me
da Emily no futuro

e ela estar� l�.

Percebes o que estou a dizer, Herb?

Percebes o que estou a dizer?

Bendigo! Bendigo!
Bendigo! Bendigo!

Bendigo! Bendigo! Bendigo!

Mas isto n�o capta o esp�rito
do combate, 'Sir' William.

Capta, sim.

� por isso que est�o t�o em voga.

S�o r�pidas, s�o baratas,
e s�o 100% exactas.

Mas onde est� a electricidade?

Louis, soube que a sua esposa
est� muito doente.

Eu sei que continua a sustentar
a sua m�e e as suas irm�s,

o que � admir�vel, Louis,
por isso, eu...

...lamento ter de dizer-lhe isto.

Mas � prov�vel que n�o venha
a precisar dos seus servi�os

tanto quanto gostaria, neste momento.

Preciso de p�r as nossas
finan�as em ordem,

e isso implica tomar
decis�es pr�ticas dif�ceis,

mas o meu conselho
para si � o seguinte:

aproveite este tempo que vai
ganhar com a sua esposa,

porque quando ela j� n�o estiver c�...

...vai ser doloroso.

Estas semanas ser�o preciosas, Louis.

Compreende?

-Anda l�, Peter.
-Anda l�, Peter.

Sobe as escadas.
Vamos l�.

-Acho que ele est� a vir.
-Peter.

Peter?

Lindo menino.

Lindo menino.

Lindo menino.

Muito bem, Peter.

-Muito bem, Peter.
-Muito bem.

Vamos dar um passeio. Sim.

-Faz o favor.
-Obrigada.

Acho que o Peter gosta dos carvalhos.

S�o fant�sticos, n�o s�o?

Eles vivem milhares de anos.

Trezentos anos para crescer.

Trezentos anos para viver.

Trezentos anos para morrer.

Assim est� bom.

Est� maravilhoso.
O Peter gosta assim.

N�o gostas, Peter?

Electricidade.

Eu sinto a electricidade.

Consegues senti-la?

Este � o nosso lugar.

� aqui que eu vou estar, Louis.

Quando precisares de mim.

Rato estufado para o almo�o, Sra. Wain?

N�o, obrigada, Peter.

N�o sou muito apreciadora
de rato, pessoalmente.

Tarte de pardal?

Tamb�m n�o gosto muito de pardal,
diga-se a verdade.

Tem muita cartilagem.

-Talvez uma fatia de...
-Podes parar, por favor?

Hoje n�o estou com apetite.
Estou um pouco cansada.

O que se passa?

Eu tenho cancro, Louis.

Estou com bastantes dores.

Preparada?

Depende do que �
que me queres mostrar.

Louis!

Quando � que fizeste isto tudo?
'Sir' William j� os viu?

'Sir' William n�o os viu.
Estes s�o para ti, Emily.

-Mas tens de lhos mostrar.
-Porqu�?

'Sir' William n�o gosta
do Peter, pois n�o?

E para al�m disso, eu agora vou...

Eu agora vou passar mais tempo
contigo, enquanto estiveres...

Eu � que tenho a doen�a, Louis.

N�o comeces tamb�m
a afundar-te nela.

'Sir' William!

'Sir' William!

'Sir' William!

'Sir' William!

'Sir' William!

Desculpe.

Desculpe, senhor.

Pare!

Este clube � exclusivamente
para cavalheiros!

Lamento que n�o a tenham deixado
entrar, meu caro. Eu tentei.

N�o era um disfarce muito
convincente, pois n�o?

Ela devia estar em casa a descansar.

A ideia foi dela.

Lamento imenso se o fizemos
perder o seu tempo, 'Sir' William.

Sim...

Eu tenho duas p�ginas reservadas
na edi��o de Natal.

Reservadas para um pouco
de frivolidade festiva.

Alguma coisa para alegrar
o esp�rito dos nossos leitores.

Quero que as preencha com gatos.

Com... gatos?

Sim. Com gatos.

N�o acha que talvez
uma s�rie de c�es patetas

seja mais apelativo
para os seus leitores?

Eu j� vi c�es antes.

E o Louis consegue captar
qualquer coisa do gato.

Talvez por ser tamb�m
uma esp�cie de renegado.

Um proscrito, atrevo-me a dizer.

Como conseguiu produzir
imagens de tanto deleite

numa altura t�o sombria...

...n�o fa�o ideia.

Feliz Natal.

"Not�cias Ilustradas de Londres"!

"Not�cias Ilustradas de Londres"!

Ao longo da hist�ria,

os gatos foram adorados
como deuses m�sticos

e diabolizados como os aliados
mal�ficos da bruxaria e do pecado.

Mas eu acho que tu �s a primeira
pessoa de sempre a ver

que eles s�o, de facto, rid�culos.

S�o patetas e fofinhos.

E solit�rios.

E assustados e corajosos.

Como n�s.

Um dia, n�o acho que
v� ser assim t�o peculiar

ter um gato em casa
como animal de estima��o.

O que � que vai a�
nessa tua cabecita?

�s vezes...

...penso no dia em que tu
j� n�o vais estar c�...

...e...

Devo dizer, Emily,

acho isso t�o intoleravelmente
dif�cil de imaginar.

Eu vou ficar t�o sozinho.

Tu vais ficar bem, Louis.

Vais ter o Peter.

Estes momentos contigo, Emily...

...a brincar com o Peter � noite,
sentados � lareira,

estes foram os melhores dias
de toda a minha vida.

N�o sei porque � que acho t�o dif�cil

a minha simples exist�ncia
aqui na terra, mas...

...posso dizer com a certeza absoluta

que tu a tornaste muito,
muito melhor.

Tu fazes o mundo ser belo...

...e acolhedor e gentil.

S� te queria agradecer por isso
antes que seja demasiado tarde.

N�o sou eu que fa�o
o mundo ser belo, Louis.

O mundo � belo.

E tu tamb�m me ajudaste a ver isso.

N�o te esque�as...

...por mais dif�ceis que
as coisas se tornem...

...por mais que sintas que � dif�cil...

...o mundo est� cheio de beleza.

E cabe-te a ti captur�-la, Louis.

Olhar.

E partilh�-la com tantas pessoas
quantas conseguires.

Tu �s um prisma.

Atrav�s do qual o feixe
da vida se refracta.

Aqui tens.

Um pequeno-almo�o especial
de Ano Novo para si, Sra. Wain.

N�o te preocupes, Peter.

Sim, eu n�o me esqueci dos teus ovos.

Obrigado.

Especial de Louis Wain
no "Not�cias Ilustradas de Londres"!

Venham comprar!
"Not�cias Ilustradas de Londres"!

Nos anos que se seguiram,

Louis escondeu a dor do seu luto

sob uma quantidade extraordin�ria
de desenhos de gatos.

Quase sem se aperceber,

ele tinha atingido um n�vel
alarmante de sucesso

e alterado completamente
a atitude do p�blico

em rela��o ao humilde gato.

Ali est� ele! Louis Wain!

Os seus gatos conquistaram-lhe
muitos f�s, Wain.

Parab�ns.

Ele agradece, mas n�o
exagere no xerez.

N�o se importa que eu trabalhe para
outras pessoas, pois n�o, 'Sir' William?

Foi essa faceta que o catapultou
para a fama, meu rapaz.

Recebemos um telegrama
de uma Menina Judith Shenton,

do Clube Nacional do Gato.

Eles v�o fazer uma esp�cie
de competi��o de gatos

e gostariam que o Louis
fosse um dos jurados.

� maravilhoso conhecer algu�m
com um esp�rito semelhante, Sr. Wain.

Ouvi dizer que at� a pequena nobreza
agora tem gatos de estima��o.

E t�o elegante, tamb�m.

Estou simplesmente espantada com o seu
n�vel de conhecimentos, a s�rio.

Embora deva admitir que n�o
compreendo bem a sua teoria

de que os gatos preferem
estar virados para norte.

Os gatos preferem sempre
virar-se e andar para norte,

sobretudo ao longo de uma parede,
h�-de reparar.

Os seus bigodes funcionam como antenas,

atra�das pelos polos da terra.

O padr�o das suas listras � definido

pela electricidade da sua
heran�a felina.

Este animal em particular deve ter tido

uma av�, ou coisa que o valha,
que foi atingida por um rel�mpago,

da� estas linhas
dentadas t�o definidas.

-Fascinante.
-Electricidade. Desde a cabe�a,

atrav�s do corpo todo,
at� � cauda.

Os gatos s�o excelentes
condutores de electricidade.

A suas fei��es j� est�o a mudar,

� medida que v�o sendo domesticados
e se tornam mais inteligentes.

Os seus olhos v�o ficar maiores
e as suas cabe�as tamb�m,

� medida que os seus c�rebros
aumentam de tamanho.

Eles v�o tornar-se azuis.

Eventualmente, v�o apoiar-se
nas patas traseiras

e comunicar connosco
na nossa pr�pria l�ngua.

C�us. N�o fazia ideia
de que era t�o complicado.

Disse que eles se v�o tornar azuis?

Sim, � claro.

Bom, Sr. Wain, gra�as a si,

n�s, as pessoas que gostam de gatos,
pudemos sair da sombra

e podemos finalmente
festejar publicamente

com a nossa prole felina.

Queria agradecer-lhe.

Desculpe...

Passe o bra�o.

O novo presidente
do Clube Nacional do Gato.

� isso que est� aqui escrito?

CLUBE NACIONAL DO GATO
DEPTFORD, LONDRES

Eu assumi que andavas a gastar
tudo em luxos fr�volos

porque tu, obviamente, parece
que te esqueceste da tua fam�lia,

mas no entanto, aqui est�s tu,
a viver na mis�ria e no caos!

-N�o grites, Caroline!
-N�o estou a gritar, Claire!

Estou a explicar-lhe � for�a.

Valha-me Deus, agora at� h� um cad�ver...
Ele est� a comer um falc�o.

-N�o � um falc�o, Josephine.
-Para onde foi tudo?

N�s temos d�vidas astron�micas, Louis,
e isso est� a come�ar a afectar

-a sa�de da M�e, devo dizer.
-Para onde foi tudo?

Eu n�o registei
a propriedade das imagens.

Meu Deus.

-Meu Deus nos valha, por favor.
-O que quer dizer isso?

Quer dizer que as pessoas t�m
reproduzido os desenhos dele

por todo o pa�s e ele n�o
tem visto nem um tost�o.

O que explica porque � que ele
est� a viver como um porco.

O fedor � deveras insuport�vel.

Eu troquei alguns dos originais
como se fossem dinheiro,

por isso, no fundo, eles tornaram-se
numa esp�cie de moeda.

Eu dei ao barbeiro uma m�o cheia
de gatos a dan�ar,

e agora tenho cortes de cabelo
gratuitos para o resto da vida.

Tu n�o �s uma crian�a, Louis!

Tu �s o homem.

Tu �s um homem.

Os nossos pais trabalharam
muito pela nossa reputa��o.

Trabalharam muito para construir
uma fortuna para os filhos,

e tu esbanjaste tudo
nos desgra�ados gatos!

E num propositado maldito
romance envenenado.

Destru�ste a nossa fam�lia
com o teu ego�smo

e continuas com
os teus del�rios infantis

que conspiram para nos
manter a todos na pen�ria.

A indignidade que temos sofrido
�s tuas m�os, Louis...!

-Eu n�o o fiz de prop�sito.
-N�o fizeste o qu� de prop�sito?

N�o te casaste de prop�sito?

Ningu�m me disse que eu tinha de
registar a propriedade das imagens.

Ent�o e 'Sir' William?
Ele devia ter-te aconselhado.

Eu j� n�o vejo 'Sir' William
h� algum tempo.

-Agora trabalho para outras pessoas.
-N�s n�o temos dinheiro nenhum, Louis.

E a pobre Marie...

O qu�?

O qu�?

Contem-lhe.

O que aconteceu?

Elas odeiam-me, Louis.

Elas andam a conspirar.
V�o assassinar-me.

-N�s n�o te vamos assassinar.
-Mentirosa!

Elas v�o expulsar-me
porque eu tive rela��es.

Eu tive rela��es no cemit�rio.

E n�s rimo-nos.

Elas s� est�o com inveja
porque eu vi o c�u.

E por isso � que eu apanhei lepra,
como castigo.

Elas s�o umas solteironas.

Elas dizem que a culpa � tua.
Por causa da Menina Richardson.

Mas � porque elas s�o feias

e mentem, e conspiram, e tramam.

Marie, porque n�o vens ficar comigo?

-Podes brincar com os gatos.
-N�o, n�o, n�o, gatos n�o.

Eles s�o venenosos e t�m doen�as,
e eu j� tenho lepra.

Tira-me isto, Louis!
Tira-me isto!

Tira-me isto! Tira-me isto!

Vai ficar tudo bem.
Estamos aqui todos para ti.

Depois de um m�dico local ter feito
um diagn�stico experimental

de esquizofrenia,

a fam�lia Wain j� tinha feito
tudo aquilo que podia

pela pobre Marie.

Mas Louis sentia-se perdido,

e por isso, foi procurar
o conselho de um velho amigo.

NOT�CIAS ILUSTRADAS DE LONDRES

Eu tenho uma s�rie de propriedades

na localidade de Westgate-on-Sea.

Est�o perfeitamente habit�veis

e o Louis � muito bem-vindo para
l� ficar o tempo que quiser,

por um pre�o reduzido,
com uma condi��o.

-Levar a sua fam�lia consigo.
-Eu...

N�o posso aceitar,
'Sir' William, de todo.

Sobretudo depois de ter sido
t�o insensivelmente desleal.

Eu tenho muitos ilustradores
nos meus livros, Sr. Wain.

-N�o seja t�o convencido.
-Ent�o porqu�, Sir William?

Porque apesar do seu temperamento
deveras irregular,

e dos seus irritantes
e peculiares defeitos,

neste mundo por vezes desolador,

o Louis tem mostrado
uma resili�ncia que eu admiro.

E j� que pergunta,

os seus desenhos
trouxeram-me muita alegria.

Dos gatos?

Mas n�o s�o apenas gatos, pois n�o?

O Louis tem um esp�rito destemido,

mas n�o consegue fazer
tudo isto sozinho.

Parece-me que a Marie
precisa de uma mudan�a de cen�rio.

Roupas novas, comida a s�rio,
umas caminhadas vigorosas.

-Obrigado. Por aqui.
-Sim, senhor.

-Louis!
-Ol�! Ol�! Ol�!

-� maravilhoso, Louis.
-Bem-vindas � Pousada Bendigo.

POUSADA BENDIGO

Caroline, bem-vinda.

Louis, � encantador.

Bem-vinda � Pousada Bendigo, M�e.

-Bendigo...!
-Bendigo.

� perfeita.

Aben�oa-nos, Senhor,
por estas tuas d�divas

que nos preparamos para
receber como recompensa...

Muito bem, Peter.
Mostra-lhes como � que se come.

Muito boas maneiras. Nina, tenta
comer um pouco mais devagar.

Tu �s demasiado pequenina para
comeres assim t�o depressa.

Passa-me o teu prato.

Felicie, prato.

Isso mesmo. Muito bem.

Pod�amos ir dar um passeio amanh�,

vest�amos umas roupas bonitas
e sorr�amos para os homens.

-E eles fugiam.
-Fugir?

Eu n�o quero fugir.
Acab�mos de aqui chegar.

Ent�o, o que � que devemos procurar?

-Um escritor.
-N�o!

Que escreva para o jornal.

N�o! Um m�dico.

Eu gostava que tivesse cabelo escuro.

-Cabelo escuro.
-Loiro.

N�o, n�o s�o de confian�a.

D�-me a almofada, Josephine!

...assim, � melhor ao lado
das tuas pernas.

Muito bem.

Triunfo. Jogo outra vez.

-Trouxe uns pratos.
-Bravo.

S�o um bocado chiques.

Sim, n�o os deixes cair, por favor.

Felicie, n�o viste nenhuma
faca melhor do que esta?

-Porqu�?
-Porque esta � horr�vel.

Est� bem.

Ou uma pedra de amolar.

Eu vou buscar a tarte.

NO BER��RIO
com Louis Wain

O LIVRO DE BER�O DE LOUIS WAIN

PAP� GATO
Louis Wain

Est� tudo bem.
J� n�o falta muito, Peter.

Acho que dev�amos parar
muito em breve.

-Est�s cansada?
-Estou bastante cansada.

Louis?

-Almo�o.
-Anda.

-Vem comer.
-Anda.

Acho que ele est� a tentar
desviar a electricidade.

Outra vez isso.

Tenho medo, Louis.

Eu tamb�m.

Larguem-me! Larguem-me!

N�o, larguem-me, j� disse!

Deixem-me!

A suas irm�s passaram
ainda muitos mais anos

sem encontrar um �nico pretendente,

e apesar do progn�stico
animador feito por 'Sir' William,

a condi��o de Marie n�o melhorou.

-Dr. Elphick.
-Menina Wain.

Depois do desastroso
casamento do seu �nico filho,

o facto de uma delas ser agora
oficialmente uma doida varrida,

n�o ajudou em nada
o estatuto social da fam�lia.

-Obrigado, Doutor.
-Desejo-lhe tudo de bom.

E depois, o seu grande
professor e melhor amigo,

o seu velho e querido Peter, faleceu.

Como um morcego �s voltas
num forno aceso,

o cora��o de Louis estava
numa gritante, agitada desgra�a.

Ele chorou incessantemente
durante v�rios anos,

mas ao mesmo tempo, fez uma
extraordin�ria nova descoberta.

Quanto mais intenso
era o seu sofrimento,

mais belo o seu trabalho se tornava.

Ele percebeu que as recorda��es
que guardava

da sua querida esposa, Emily,
e querido Peter,

se tinham tornado poderosos condutores

da misteriosa
electricidade na atmosfera

que ele at� ent�o
n�o tinha conseguido dominar.

Sr. Wain?

Est� a par da raz�o pela qual
eu fui aqui chamado?

Presumo que seja para nos informar

sobre como a Marie
est� a evoluir no hosp�cio.

Ou isso ou para realizar um estudo sobre
a evolu��o neurol�gica dos meus gatos.

A Bridget j� quase consegue falar.
N�o �, Bridget?

Receio que n�o, Sr. Wain.
Embora, j� que pergunta,

a Marie pare�a estar
bastante melhor ultimamente.

Fico muito satisfeito por saber disso.

Ali�s, eu tenho estado a trabalhar
numa patente psiqui�trica

que lhe queria mostrar.

-� de um fato el�ctrico.
-Um fato el�ctrico?

Um fato de corpo inteiro.
Feito de cobre e malha de a�o.

Ligado a um grande motor mec�nico

que transmite uma corrente positiva

atrav�s do sistema nervoso,
at� ao c�rebro,

curando assim o paciente
de quaisquer pensamentos nocivos

e erradicando completamente
a sua loucura.

Gostaria de o ver?

-N�o, obrigado, Sr. Wain.
-� uma pena.

Acho que h� uma grande probabilidade

de eu conseguir curar completamente
a Marie da sua doen�a.

Eu fui aqui chamado, Sr. Wain,

porque a sua irm� Caroline
est� preocupada com a sua sa�de.

A minha sa�de? Porque � que ela
estaria preocupada com a minha sa�de?

N�o � s� a Caroline
que est� preocupada, Louis.

Penso saber que est� a planear
uma viagem, Sr. Wain?

Sem d�vida. Eu tenho enviado

correspond�ncia bastante colorida
para v�rias publica��es,

incluindo alguns novos exemplos.

Amostras mais electricamente
influenciadas.

E fico feliz por dizer que
o grande William Hearst

do "New York American",
ofereceu-me um cargo a tempo inteiro

de caricaturista, a troco de
uma soma consider�vel.

Mas porque tens de ir para
Nova Iorque? Fica muito longe.

S�o mais de 4500 quil�metros.

Porque, como voc�s me est�o
sempre a lembrar,

n�s estamos com falta de fundos,
neste momento.

Esta casa n�o � nossa,
n�s temos d�vidas consider�veis,

e por uma variedade de raz�es

que todos n�s bem conhecemos,

o meu trabalho actualmente n�o tem
muito valor por estas bandas.

Para al�m disso,
as pessoas na Am�rica

est�o anos-luz atrasadas na sua
atitude em rela��o aos gatos.

Presumo que j� tenham
lido sobre Roosevelt

e o seu Acordo de Cavalheiros
com o povo do Jap�o.

As crian�as japonesas v�o
agora poder aprender

nas mesmas escolas que as suas
compatriotas americanas,

e os seus pais imigrantes
v�o poder andar livremente

nas ruas da Am�rica...
mas e os gatos, v�o?!

Eu ajudei muito este pa�s
neste aspecto.

Agora tenho de ajudar
os gatos americanos.

Para o bem e para o mal,
Dr. Elphick, eu sou um prisma

e um funil transformador
de electricidade negativa.

Nestes tempos tumultuosos,

quero fazer o povo americano sorrir.

Nunca na minha vida
vi um americano sorrir.

Nunca na vida viste um americano.

Est� na altura de mudar isso.

A �nica raz�o para
o senhor ter aqui vindo

foi a minha irm� o ter chamado

porque ela � extremamente invejosa,

sempre foi desde os meus 12 anos,

e � capaz de tudo para me impedir
de atingir o meu pleno potencial.

Sr. Wain, n�o h� d�vida
de que o senhor tem del�rios.

Mas meros del�rios de grandeza

n�o s�o raz�o suficiente
para o internar.

Eu aconselho-o fortemente a n�o
fazer essa viagem para Nova Iorque.

Sugiro-lhe que fique c� para repousar,

para ganhar um pouco de perspectiva

antes de passar ao pr�ximo
cap�tulo na sua vida.

Mas, em �ltima an�lise,
a decis�o � sua.

Podes fugir da tua fam�lia, Louis.

Mas n�o podes fugir da tua dor.

Ela persegue-te.

Como uma sombra violenta.

O senhor parece o tipo de homem

que quer estar a par dos tempos.

Com o "The New York Times".

Ch�teau Guiraud.
Despacha-te.

Sim, senhor, sim.

Assim que chegou a Nova Iorque,

Louis apercebeu-se imediatamente
de uma diferen�a palp�vel

no conte�do material da atmosfera.

Era �bvio que aquela era uma cidade

com uma enorme abund�ncia
de energia el�ctrica.

Leva estas bebidas � mesa nove, j�.

Sim, senhor.

Qualquer amante de gatos sabe que
aquilo de que os bichanos mais gostam

� de se sentar em cima de
um peda�o de papel castanho.

Os gatos conhecem os perigos
do reumatismo el�ctrico,

e � claro que se alguma vez
quiser castigar um gato,

basta amarrotar o papel para
imitar o som de um trov�o.

-Os gatos tamb�m t�m reumatismo?
-Sim, claro, Menina Simmonds.

Sr. Wain, n�s temos mostrado os seus
desenhos de gatos aos nossos empregados.

Eles t�m rido, t�m sorrido.

Diz-lhe, Alicia.
Diz-lhe que n�o estou a mentir.

Uma das nossas dactil�grafas levou
alguns desenhos para os filhos

e disse que eles andavam
pela casa toda

sobre as m�os e os joelhos,
a fingirem ser gatos.

Fingir ser gatos!
Que queridos!

E a pedirem para ter gatos
como prendas de anivers�rio.

N�s vamos d�-lo a conhecer.
O senhor � uma personagem.

N�o achas, Alicia, querida?
� o Senhor Gato.

-� o Homem Gato.
-Homem Gato.

-� o Homem Gato.
-Homem Gato.

Acho que soa bem.

Mas tamb�m gosto de Louis Wain.

Acho que tamb�m soa bem.

Posso fazer-lhe uma pergunta, Sr. Wain?

Porqu� gatos?

N�o te esque�as,

...por mais dif�ceis que
as coisas se tornem...

...por mais que sintas que � dif�cil...

...o mundo est� cheio de beleza.

E cabe-te a ti captur�-la, Louis.

Olhar.

E partilh�-la com tantas pessoas
quantas conseguires.

Est� tudo bem, Sr. Wain?

Os seus sussurros v�m com
o vento que acaricia as folhas,

ou com o crepitar molhado
da chuva el�ctrica.

E � noite, rodo o bot�o da telefonia,

na esperan�a da apanhar pistas
na electricidade da atmosfera

que venham da vida depois da morte.

E porqu� continuar com esta cruzada?

Porque foi a Emily
quem primeiro me ensinou

a verdadeira natureza dos gatos.

O verdadeiro valor dos gatos.

Foi s� quando comecei
a compreender os gatos,

como s�o incompreendidos e maltratados,

por nenhuma raz�o a n�o ser
o simples preconceito cego,

que consegui compreender os humanos.

Como somos todos corrompidos por
uma p�rfida forma de electricidade.

E � s� pelo trabalho

daqueles que t�m
o dom da transforma��o

que a podemos derrotar.

Se n�o mudarmos, somos uma
esp�cie em decl�nio, sem futuro,

um animal cujo �nico
instinto � destruir!

Querido Louis,

depois de uma longa
e valorosa luta com a gripe,

a nossa m�e faleceu
�s 11h36 desta manh�.

Mesmo nas suas �ltimas semanas,
ela viveu ao seu ritmo,

e regalou-nos com hist�rias
sobre o nosso pai

e o seu tempo juntos enquanto
jovens enamorados em Londres.

Ela disse o quanto sentia a tua falta,

mas compreendia que tinhas
partido na tua viagem

para bem da nossa fam�lia.

Eu n�o lhe tinha contado a verdade
sobre as nossas finan�as.

Mas, Louis, escrevo-te agora

porque quero que voltes para casa.

Sei que tivemos
as nossas diverg�ncias,

mas estamos a ficar velhos.

E tu j� est�s muito longe
h� demasiado tempo.

Tua irm�, Caroline.

Tem gra�a. Tem gra�a.

Ol�?

Deixem-me sair!

N�o � seguro!

Socorro! Estamos... a afundar-nos!
Estamos a afundar-nos!

Ajudem-me, por favor!

Por favor, ajudem-me!
Ajudem-me! Ajudem-me!

Por favor! Por favor!

Mam�! Pap�!

Ajudem-me! Ajudem-me! Ajudem-me!

Ajudem-me!

N�o te esque�as...

N�o te esque�as...

Mam�!

Pap�!

Ajudem-me! Por favor!

Estou a afogar-me!

Poderia pensar-se que foi aqui
que a sorte do Sr. Wain teria mudado.

Mas infelizmente, poucos anos
depois da morte da sua m�e,

a pobre Marie foi tamb�m
levada pela temida gripe.

E o cora��o gasto
do seu amigo e mentor,

o generoso 'Sir' William Ingram,

finalmente cedeu � sua gota.

Louis continuava a demonstrar

uma lament�vel falta
de perspic�cia financeira,

e a fam�lia afundava-se cada vez mais

nas areias movedi�as
das suas d�vidas.

E foi ent�o, quando um dia tentava
descer de um autocarro em andamento,

que ele caiu de cabe�a
num profundo coma

e teve uma vis�o do ano 1999.

Para surpresa de todos,
os seus sortudos gatos futuristas

foram um grande sucesso

e fizeram-se encomendas
de toda a Europa.

Mas, ao mesmo tempo,

a electricidade negativa
por todo o globo

tinha subido at� um n�vel cr�tico,

e as tens�es militares resultaram
num estado de guerra.

Ele tinha trabalhado incansavelmente
ao longo de meses,

mas praticamente toda
a sua carga foi destru�da

por um submarino alem�o
no Mar do Norte.

V�rios navios cargueiros brit�nicos

foram afundados
por submarinos alem�es,

deixando milhares de libras
em mercadorias

a repousar no fundo do Mar do Norte.

As primeiras informa��es indicam
que estes navios

foram apanhados num fogo cruzado...

Louis?

A Caroline quer falar contigo.

Louis, senta-te.

Quero que saibas que...

Quero que saibas que tenho
muito orgulho em ti.

Chega!
Louis, chega!

Louis!

P�ra, Louis, por favor!
Acalma-te!

Louis! Louis!
Louis! P�ra!

Os gatos foram adorados
como deuses m�sticos

e diabolizados como os aliados
mal�ficos da bruxaria e do pecado.

Mas eu acho que tu �s a primeira
pessoa de sempre a ver

que eles s�o, de facto, rid�culos.

S�o patetas e fofinhos.

E solit�rios.

E assustados e corajosos.

Como n�s.

O que � que vai a�
nessa tua cabecita?

...muito melhor.

Tu fazes o mundo ser belo...

...e acolhedor e gentil.

S� te queria agradecer por isso
antes que seja demasiado tarde.

N�o sou eu que fa�o
o mundo ser belo, Louis.

O mundo � belo.

E tu tamb�m me ajudaste a ver isso.

Vou mostrar-vos aquela a que
chamamos a ala dos indigentes.

Por... Bom, por raz�es �bvias.

Garanto-lhe, os pacientes s�o cuidados

de uma maneira
perfeitamente profissional.

Espero que possa fazer
um relat�rio favor�vel

junto do comit�
para o qual � volunt�rio.

Eu estou aqui para avaliar o bem-estar
dos seus pacientes, Dra. Cooke,

e a sua gest�o deste hospital.

N�o venho s� da parte
dos meus colegas de comit�,

mas tamb�m da parte do Governo.

Por isso, vou fazer o relat�rio

-em fun��o daquilo que vir.
-Sem d�vida.

Qual � a dura��o m�dia do internamento
aqui em Springfield?

Tem tido muito sucesso
em dar alta aos pacientes?

J� tivemos alguns casos de sucesso,

mas isso depende em parte
da vontade do paciente cooperar.

E como pode imaginar, Sr. Rider,

isso varia imensamente
de pessoa para pessoa.

Louis Wain.

Sim. Este � o Sr. Louis Wain.

Talvez se lembre dos seus encantadores
desenhos de gatos, h� muitos anos.

Como est�, Sr. Wain?

Sou...
Sou eu...

...Dan Rider. Conhecemo-nos num comboio,
quando regress�vamos de Andover.

Eu tinha comigo...
a lulu-da-pomer�nia da minha irm�.

A Cleopatra.

Cleopatra?

Sim.

N�o fazia ideia de que
era aqui paciente, Sr. Wain.

Ele �, infelizmente, bastante louco.

Mas n�s fazemos o nosso
melhor para cuidar dele.

� muito triste, n�o �, Sr. Rider?

Ele parece ter perdido completamente
a habilidade para o seu of�cio.

Gosta de aqui estar, Sr. Wain?

N�o h� gatos.

N�o consigo ver... l� fora.

Isso deve ser muito dif�cil

para uma pessoa
como o senhor, Sr. Wain,

que passou toda a sua vida
a examinar o mundo,

de repente...

...n�o o poder ver.

Eu falhei.

Eu...

Eu desiludi-a, Sr. Rider.

N�o acho que tenha falhado, Sr. Wain,

por aquilo que me tem estado a dizer.

Porque � que acha que a Emily queria
qua continuasse a desenhar, Sr. Wain?

Para ajudar as pessoas.

Para as fazer ver.

Talvez.

E n�o h� d�vidas
de que conseguiu isso.

Mas eu tenho uma teoria
um pouco diferente.

Eu acho que ela queria que
continuasse a desenhar

para n�o estar sozinho.

Quando desenha, Sr. Wain,
o senhor liga-se �s pessoas

e d�-lhes um pouco
de si mesmo, mas...

elas tamb�m se ligam a si.

E essa electricidade que descreve...

...que sentia na presen�a da Emily,

eu diria que isso � o amor, Sr. Wain.

E isso ainda est� aqui.

Com a ajuda das irm�s Wain,

o destemido Sr. Rider
decidiu come�ar um fundo

para apoiar Louis

e para angariar dinheiro
suficiente para o mudar

para um hospital
mais confort�vel no campo,

onde permitissem que os pacientes
tivessem gatos para seu conforto.

Juntaram-se-lhes entusiastas de Wain

de todos os pontos do pa�s

e at� receberam a ajuda
de alguns f�s mais influentes,

como o renomado autor H.G. Wells,

que fez um apelo nacional
em nome do Fundo Louis Wain.

O artista Louis Wain
tornou seu o gato.

Ele inventou um estilo de gato,

uma sociedade de gatos,

todo um mundo de gatos.

Os gatos que n�o parecem nem
vivem como os gatos de Louis Wain,

t�m vergonha de si pr�prios.

Mas agora,

ao aproximar-se do fim
da sua pr�pria vida,

o Sr. Wain e as suas irm�s
precisam desesperadamente

da ajuda generosa
dos amantes de gatos

e das pessoas de bem
de toda a parte.

CONTRIBUA PARA
O FUNDO LOUIS WAIN

Para Louis Wain,

a electricidade n�o era
apenas algo que usamos

para fazer torradas ou para acender
uma l�mpada na casa-de-banho.

Era algo muito maior,

algo t�o extraordin�rio e estranho

que a mente humana mal era
capaz de sequer compreender.

Uma for�a misteriosa e elementar,
que por vezes

ele conseguia sentir
a vibrar no �ter,

e a chave para todos
os mais profundos

e alarmantes segredos da vida.

Olha.

Tradu��o e legendagem
...............
savimbi